18.11.10

ai a paz

Há muitos, muitos anos mesmo, travei com o agora "Ladrão de Bicicletas" José Castro Caldas, no defunto Diário de Lisboa, um sustentado debate sobre desarmamento. Naquele tempo, páginas inteiras de jornal a discutir os SS-20 e os Pershing 2, artigo para cá, artigo para lá. Ele a defender um pacifismo que, dizíamos nós, era ao gosto da URSS (não gostavam dos Pershing 2 mas toleravam os SS-20), eu a defender um quase-pacifismo que muitos socialistas e sociais-democratas defendiam por essa Europa fora, tentando não distinguir entre armas boas e armas más, tentando não cair na ideia simplista de que desarmar é necessariamente bom para a paz em qualquer caso. Lembro-me de Piteira Santos, então ainda vivo e director do Diário de Lisboa, me ter manifestado o seu apreço pela nossa discussão, uma discussão claramente à esquerda dos dois lados, e ao mesmo tempo uma discussão frontal e séria.

Hoje vejo, com algum desencanto, que o meu querido amigo José Castro Caldas, por quem tenho um apreço que vai muito além do debate político, voltou aos velhos tempos de algum primarismo quanto às questões da paz. Quando escreve «Desculpem a perguntinha, mas porque é que não vão reunir para uma ilha, ou mesmo num porta-aviões?» - não sei se é para ter graça. Mas mesmo que seja: associada ao cartaz de propaganda de uma manifestação contra a cimeira da NATO em Portugal, parece-me apenas uma coisa. Ou melhor, duas. Retórica da guerra fria sem qualquer reciclagem. (Uma das coisas más da guerra fria era a retórica dos falsos pacifistas. E, sim, nem todos os "conselhos para a paz" são o que parecem.) E um certo provincianismo. (Nunca cheguei a achar piada às pichagens "Carter, go home", não é agora que acho graça a essa conversa de que seremos conspurcados por termos entre nós os líderes de uma organização internacional que, se cometeu pecados no passado, eles não foram certamente maiores do que os do grande urso.)

Nota de rodapé: a expressão "falsos pacifistas" não é, em geral, para acusar ninguém da intenção de nos enganar; é para apontar com o dedo uma posição política que, a nosso ver, não contribui nada para a paz neste mundo real em que vivemos.