2.11.10

as poucas cabeças do Sr. Mercados


No actual estado de coisas, em que há em todo o mundo um debate acerca de ser preferível equilibrar os orçamentos ou prosseguir com os estímulos à economia, até se pode pensar que o governo pode estar a seguir políticas erradas. Vai demorar tempo a tirar a limpo se traçámos em Portugal correctamente a linha separadora do que são as imposições do contexto internacional e do que são as escolhas dos governos nacionais. Nestas circunstâncias, é sempre possível não estarmos completamente elucidados acerca do que poderia ser feito de modo diferente do que está efectivamente a querer fazer-se. É possível, e mesmo desejável, que se faça sem descanso um escrutínio dos governos nessa linha. Principalmente se esse escrutínio se destinar a promover uma melhor distribuição do esforço.
O que já não parece normal é que se infantilize o debate. A deputada comunista ao Parlamento Europeu, Ilda Figueiredo, num debate um destes dias na televisão, falava do "Sr. Mercados", tratando-o como entidade mítica, como se "os mercados" fossem uma invenção do governo, uma ficção imaginada para justificar a vontade de maltratar os portugueses. Claro que não lhe passava pela cabeça que houvesse qualquer inconveniente na sua ideia de que tudo estaria bem se os bancos fossem todos do estado. Falava a senhora deputada do "Sr. Mercado" como se não acreditasse na existência de tal animal (por sinal um bicho com poucas cabeças), como se ainda estivesse, naquela idade, numa infância pré-abstracta, que só reconhece a existência de objectos materiais que se podem agarrar com a mão ou chutar com o pé.
Ignorar as realidades do mundo, fazendo de conta que as dificuldades são invenções do adversário, é uma forma infantil de fazer política. Que, provavelmente, rende votos. Votos esses que, como de costume, não vão servir para nada. Excepto talvez devolver a direita ao poder.