20.11.10

Fim de Citação, na Cornucópia


Luís Miguel Cintra é, a meu ver, um excelente encenador e um grande actor de teatro. Como encenador, a dificuldade dos seus trabalhos é o resultado de mostrar sempre o aspecto mais metafísico, o plano mais abstracto, a dor mais profunda de qualquer texto. E nunca tenta tornar a vida mais doce ao espectador, honra lhe seja feita. Como actor, consegue convencer-nos de que está a fingir a dor que deveras sente.
Agora está na Cornucópia, onde no sentimos em sua casa, com um novo espectáculo: "Fim de Citação". Este espectáculo nasce de um imprevisto, de um buraco no mundo aberto por uma co-produção que não pôde realizar-se. E, como ele diz e bem, um imprevisto pode ser uma oportunidade. Neste caso, não acho que se tenha dado esse caso feliz.
Cintra diz que está na hora de se aventurar no caminho de ser ele próprio autor. Com esta série de recortes de espectáculos anteriores - e, talvez também, de espectáculos possíveis - não me parece que se tenha aproximado sequer de nos mostrar que pode ser um autor mais ou menos tão bom como é a encenar e a representar. Se é para ser autor assim, mais vale estar quieto. Em primeiro lugar, não gosto de teatro sobre o teatro - mesmo quando sai da pena de grandes autores. Gosto do teatro que fala do que está cá fora, nunca gostei suficientemente de uma peça sobre o que se passa dentro das casas de teatro. Em segundo lugar, esta peça tem um toque autobiográfico - e nela Cintra trata-se mal, demasiado mal. É preciso ter coragem para apontar o seu dedo às suas próprias fraquezas, mas dispenso o exercício. Aprecio a ausência de auto-comiseração, mas dispenso que Cintra faça espectáculos de humildade pessoal.
Não deixarei de insistir em ir à Cornucópia, espectáculo atrás de espectáculo, até ao fim dos dias. Mas ontem não gostei. Se bem que compreenda que uma companhia precisa de continuar a funcionar. É a vida.