24.11.10

greve geral

(Diego de Rivera, O Homem Controla o Universo, 1934)


Antes das sete da manhã já Carvalho da Silva estava junto à Autoeuropa a fazer um primeiro balanço do arranque da greve geral, que considerava bem sucedido. João Proença juntou-se-lhe pouco depois, corroborando.
Prevejo que a greve geral de hoje será bem sucedida. No aspecto quantitativo (grande adesão, consequências visíveis no quotidiano da esmagadora maioria dos portugueses). E também num outro aspecto, talvez mais essencial: a legitimidade. A greve geral será bem sucedida na questão da legitimidade na medida em que traduz o sentimento, maioritário, de que os sacrifícios pedidos aos portugueses por causa da crise estão injustamente distribuídos. Alguns acharão que o principal culpado desse facto é o governo, outros acharão que a margem de manobra do governo para fazer diferente é escassa – mas, no essencial, a percepção de injustiça é real. Essa luta de convicção nem sequer foi ganha especificamente pelos promotores da greve geral: ela estava já ganha antecipadamente. Eu também estou entre aqueles que acham que esta greve geral expressa um protesto contra uma realidade bem concreta, que é a realidade da injustiça social agravada pela crise. Algumas empresas de nomeada vieram, aliás, recentemente, dar a sua ajudinha à greve geral: encontrando meios legais para contornar os apertos do próximo ano, apertos a que o vulgar cidadão não pode eximir-se, exibiram o seu desprezo pelas dimensões extra-legais da protecção do bem comum: mostraram a sua face amoral, deixaram sair as garras para que se saiba que nesta guerra todas as armas podem ser usadas quando as grossas maquias estão em causa.
A outra face da moeda é que esta greve geral é o espelho do impasse político da esquerda portuguesa (PS, PCP e BE). Por boas ou por más razões, não vou agora discutir isso, o sentimento dominante no país é, hoje, de um "anticapitalismo difuso", dominado pela percepção de que "os de cima" enchem os bolsos com as desgraças dos "de baixo" - e, pior, que nessa guerra os grandes têm todas as armas e os pequenos, nenhumas. Esse sentimento é alimentado por dados objectivos e por comportamentos ostensivos de certos agentes. Se as forças políticas têm o dever de representação, cabe perguntar-lhes, nomeadamente à esquerda, o que pensam fazer sobre isso. Como pensam traduzir isso em políticas, em soluções alternativas. Manifestamente, nenhum dos partidos que, a nosso ver, tinham obrigação de pensar nesses termos, se tem mostrado à altura da tarefa. Se a esquerda, como um todo, continuar a não se entender minimamente sobre uma estratégia de desenvolvimento sustentado para o país, será a direita, civilizada ou trauliteira, a ter a oportunidade de testar as suas soluções. Ou, terceira opção (não opção), o país acomoda-se a fazer o que tem de fazer muito mais devagar do que poderia ser, com maior dispêndio de energias do que seria necessário, envolto em permanente conflitualidade, com legitimidade diminuída provocada pela promessa de distribuição injusta do esforço e da recompensa. E, note-se, se os acomodados, os moles e os oportunistas navegam no barco do esforço dos outros, temos aí uma forma de distribuição injusta. É para este complexo de questões que esta greve geral não dá pistas. Protestar é legítimo, sem dúvida. E devemos estar satisfeitos de viver num país onde se pode fazer uma greve geral em liberdade. Mas, só com essa face, a moeda não rola.



«O atraso de Portugal é grande. A economia é deficitária. Mesmo que se eliminassem todos os lucros da grande burguesia e se procedesse a uma melhor distribuição da riqueza, o produto nacional não asseguraria, ao nível actual, a acumulação necessária para um desenvolvimento rápido e uma vida desafogada para todos os portugueses. Para o melhoramento das condições de vida gerais será necessário aumentar a produção em ritmo acelerado. E isso obrigará não só a investir como a trabalhar mais e melhor.»

Álvaro Cunhal, discurso ao VII Congresso do PCP, Outubro de 1974, citado por Carlos Brito em Álvaro Cunhal, Sete fôlegos do combatente, Ed. Nelson de Matos, Maio de 2010, p. 112