Quando haja uma noção de serviço ao interesse comum, e compreendendo-se que não existam no mundo dos humanos milagres, precisam-se mecanismos que promovam a maior adesão aos melhores padrões do tal serviço.
A diferenciação pelo mérito é um desses mecanismos. Os melhores são recompensados na justa proporção, os que se acomodam já retiram por suas próprias mãos (pelo descanso da acomodação) a recompensa que não esperaram que lhes fosse reconhecida como merecida. Os sistemas de avaliação com reflexos na carreira constituem um tipo de mecanismo pensado para essa diferenciação pelo mérito. Há, contudo, formas várias de torpedear tal mecanismo. Uma forma de boicote consiste em tornar a avaliação inoperante: por exemplo, dando a todos, ou quase, a nota máxima, consegue-se que a avaliação não sirva para nada, excepto calar os distraídos que querem mesmo ser distraídos.
O uso destas formas de aldrabrar os mecanismos de preservação do interesse comum, interesse comum que assim se vê preterido pela pura e simples defesa dos interesses privados dos agentes, tem de ser seriamente encarado como um ataque à comunidade. Ataque à comunidade por um grupo específico se comportar de molde a defraudar todos os outros, destruindo um mecanismos de monitorização essencial à confiança mútua e necessário para precaver e combater os comportamentos oportunistas.
Uma das formas de evitar esta falsificação consiste em criar quotas para os classificados como "melhores dos melhores". Se nem todos podem ser generais, introduz-se um princípio de comparação que estimula a verdade do mecanismo. Já quando foi a estória da avaliação docente essa questão se colocou.
A história repete-se. Mostrando como só é ingénuo quem quer. E como alguns, além de não serem ingénuos, sabem bem aproveitar-se das fraquezas do sistema. Tudo isto a propósito da seguinte notícia do Expresso de hoje: o número de procuradores do Ministério Público com a nota máxima duplicou nos últimos cinco anos; mais de 80% têm entre Muito Bom e Bom com distinção; trata-se apenas, parece, de uma astúcia para arredondar a carreira.
Entretanto (ah, isto está tudo ligado, uma visão mesmo a calhar para partidários das teorias da conspiração), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público vem dizer-nos que a adesão à greve geral, "mais do que um direito, é um dever de cidadania de que nenhum português poderá demitir-se". Tenho a declarar, a benefício dos tais magistrados, ou do respectivo sindicato, que não recebo lições de cidadania desse formato nem com esse autor. E acho que é escandaloso que um sindicato de magistrados me queira convencer de que a greve se tornou um dever para um cidadão. Só se for na república dos magistrados, ora essa!