19.11.10

as benevolentes


Há assuntos que são tão escabrosos que me fazem fugir de escrever sobre eles. Às vezes pela necessidade de não dar ainda mais eco, por pequeno que seja (como pequeno é o eco deste blogue), às pulhices que campeiam no espaço público. Estão nessa categoria os episódios concretos da mentalidade de esbirro em acção. Algo que o Diário de Notícias fez recentemente, uma vez mais graças à degradação da "justiça", é o espécime perfeito desses fenómenos. Convicto de que qualquer pessoa bem formada perceberia a baixeza do acto, e convicto ainda de que não valeria a pena falar para quem ainda não tivesse consciência do seu significado, deixei passar.
Corto esse silêncio para pedir que seja lido o texto de Fernanda Câncio, Jornalismo totalitário, pela razão simples, completamente subjectiva, de que ele acrescentou algo à minha reflexão pessoal. Quando a jornalista escreve «A risota de Ana Gomes é o retrato da bonomia com que a generalidade das pessoas assiste à edificação de um totalitarismo que as devia aterrar», lembra que o vírus da indecência, a fraqueza moral de pactuar com o inaceitável, nem que seja com um encolher de ombros, é um perigo que corremos todos. Vem um momento de distracção e já está: fomos enrolados na armadilha moral de piscar o olho ao carrasco.
Falamos aqui do pecado da benevolência.
Um pecado moderno como há poucos. Um pecado que poderia afinal dar sentido útil ao dito "o inferno são os outros".