Há assuntos que são tão escabrosos que me fazem fugir de escrever sobre eles. Às vezes pela necessidade de não dar ainda mais eco, por pequeno que seja (como pequeno é o eco deste blogue), às pulhices que campeiam no espaço público. Estão nessa categoria os episódios concretos da mentalidade de esbirro em acção. Algo que o Diário de Notícias fez recentemente, uma vez mais graças à degradação da "justiça", é o espécime perfeito desses fenómenos. Convicto de que qualquer pessoa bem formada perceberia a baixeza do acto, e convicto ainda de que não valeria a pena falar para quem ainda não tivesse consciência do seu significado, deixei passar.
Corto esse silêncio para pedir que seja lido o texto de Fernanda Câncio, Jornalismo totalitário, pela razão simples, completamente subjectiva, de que ele acrescentou algo à minha reflexão pessoal. Quando a jornalista escreve «A risota de Ana Gomes é o retrato da bonomia com que a generalidade das pessoas assiste à edificação de um totalitarismo que as devia aterrar», lembra que o vírus da indecência, a fraqueza moral de pactuar com o inaceitável, nem que seja com um encolher de ombros, é um perigo que corremos todos. Vem um momento de distracção e já está: fomos enrolados na armadilha moral de piscar o olho ao carrasco.
Falamos aqui do pecado da benevolência.
Um pecado moderno como há poucos. Um pecado que poderia afinal dar sentido útil ao dito "o inferno são os outros".