31.12.10

a luz dos olhos teus


Estou de luto.
E não sei rezar. Nem quero, além do mais.
É uma merda, essa é que é essa.
O olho do homem quebrou-se.
E a impotência face à fragilidade é o pão nosso de cada dia.
Não acredito no destino, não praguejo contra os deuses, mas acredito que a porra da genética e um bocado de azar fazem pão amargo.
Não, não morreu ninguém. Quer dizer, este desabafo não é sobre uma morte. Mas morremos um pouco cada vez que sentimos as mãos atadas. E nem sequer se aplica aqui uma consideração sobre a injustiça, porque a injustiça é a má distribuição da justiça e, aqui, não há nada disso: apenas o mundo que gira, os animais (humanos) que são mais difíceis de reparar que os carros de brinquedo (mesmo que sejam de bombeiros de brincar), e uma pontaria excessiva que a vida nos faz aos tomates.
É uma gaita.
Claro que vos desejo um bom 2011. Por que não haveria de o desejar? Não tenho ódios, apesar de às vezes ter lamentos.

























Uma luz sobre um pormenor de uma tinta-da-china de Adriana Molder.
(Foto de Porfírio Silva)


30.12.10

Marco António no funeral de Júlio César


Cavaco criticou a administração do BPN nomeada após a nacionalização deste banco. (Público)

Joseph L. Mankiewicz adaptou (1953) o Júlio César de Shakespeare. Uma cena notável dessa peça/filme é o discurso de Marco António ao povo depois do assassinato de Júlio César. Brutus, um dos conspiradores que tinham dado morte ao César, já se apresentara à multidão para justificar o acto. Marco António, crítico de tal gesto, é autorizado a falar de seguida, mas, sabedor de que tinha as massas contra si, adapta o discurso às circunstâncias. Não deixa, contudo, de perseguir o seu objectivo de levantar o povo contra os responsáveis por aquele acto que considerava iníquo. Para ir de um ponto ao outro, para levar as massas desde um estado de espírito contrário até uma disposição favorável à sua posição, tem de fazer um longo caminho de persuasão. É por isso que este discurso é uma notável peça de retórica, aqui encarnada por Marlon Brando.
Este discurso deixa perceber por que a retórica é uma disciplina.
E deixa perceber certas coisas sobre o povo e a política.
Que cada um extraia as suas conclusões.



citações sem dedicatória


Retirado de um anti-épico:
Os maiores crápulas são os de falas mansas,
não te deixes enganar.
Só o gado é doce e rústico, só os lentos são simpáticos.
Goethe disse: só os crápulas são modestos.
No avião canta-se numa prosa com 2000 metros de altitude;
cantada tão alto, a prosa parece
poesia.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Canto V, 63

debates presidenciais 2011, "depois do adeus"

10:04

Ontem, Cavaco e Alegre fecharam o ciclo dos debates para as presidenciais. CS, numa agressividade que não lhe é usual, deu uma pequena amostra do que vai ser o seu próximo mandato: manter a arrogância (as discordâncias são ataques) e esquecer a hipocrisia (passar a dizer o que realmente pensa e quer). A melhor amostra da inanidade política do seu discurso foi falar do Estado Social como se o Estado Social fossem as Misericórdias e as iniciativas de (às vezes duvidosa) benemerência de empresas "de bom coração". Cavaco ainda pensa que o Estado Social é a caridade, não percebendo que o Estado Social é necessário para não termos de estender a mão à caridade. Infelizmente, Alegre, aparentemente aturdido pela estratégia de "a melhor defesa é o ataque" seguida por Cavaco, não foi capaz de esclarecer esse ponto. Aliás, não foi capaz de esclarecer praticamente nada. Se calhar pensava que podia manter a amena cavaqueira do debate correspondente nas últimas presidenciais, quando quis deixar a Mário Soares o "odioso" do confronto com Cavaco, reservando para si próprio o papel de "esquerda simpática" face ao candidato de todas as direitas. Saiu-lhe furada a aposta e ficou evidente que não se preparou para a seriedade desta eleição presidencial.
O drama de tudo isto não é este debate em particular. O drama de tudo isto é que, contrariamente ao PCP, que, com o seu comportamento cauteloso, nunca fez a esquerda perder nenhuma eleição presidencial, há outro partido da esquerda que, na primeira oportunidade que teve, colocou os seus interesses particulares à frente do interesse de tirar Cavaco de Belém. A direcção louçanista do BE não descansou enquanto não fez seus reféns nesta corrida o PS e o PCP, apoderando-se de uma candidatura que, tinha obrigação de saber, nunca seria vencedora se fosse a candidatura desse grupo. Teria sido menos prejudicial para as ambições presidenciais da esquerda que tivesse feito vencimento a minoria "radical" do Bloco que queria um candidato mais "revolucionário" do que Alegre. Louçã, que, como qualquer trotskista clássico, sonha em vencer nas urnas os sociais-democratas (PS) e os estalinistas (PCP), deixou-se dominar pelos seus demónios e inventou esta jogada suicida de que agora há-de querer alijar responsabilidades.
Alegre, ele próprio, não parece ter gasto um único minuto a pensar seriamente no magno problema da esquerda portuguesa: o que é preciso mudar para que "a esquerda" não seja um animal esquartejado em três partidos incapazes de perceber que, sociológica e politicamente, podiam oferecer ao país uma alternativa à "gestão leal do capitalismo". Coisa que, nos tempos que correm, seria muito útil, até para salvar a democracia, o que não se pode fazer sem oferecer verdadeiras opções ao povo soberano. Alegre não tomou consciência da dificuldade da tarefa, não se preparou, não deu nenhum sinal de renovação do discurso, não transmitiu qualquer frémito de tempo novo ao seu campo. Confirmou os piores prognósticos dos que deixaram de acreditar em proclamações ideológicas puramente retóricas. Não é que ele, por si mesmo, me faça pena. Pena é que nos arraste a todos para a apagada e vil tristeza de reeleger o pior presidente da república desta democracia constitucional.

29.12.10

pinturas


A exposição Victor Willing: Uma Retrospectiva, na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, já só fica até 2 de Janeiro. Uma curiosidade. Não é um "indispensável", mas, passando nas redondezas, merece o desvio.


Victor Willing, Night

Victor Willing, Self-portrait

educadores

11:00

«Vendo Settembrini aproximar-se, Naphta continuou:
-(...)
Quando, na nossa função de educadores, suscitamos a dúvida, uma dúvida mais profunda do que jamais sonhou a vossa modesta civilização, sabemos perfeitamente o que fazemos. Só do cepticismo extremo, do caos moral, nasce o absoluto, o terror sagrado de que carece o nosso tempo. Digo-lhe isso para justificar-me e para seu governo, o resto decidir-se-á depois. Receberá notícias minhas.»


Thomas Mann, A Montanha Mágica


28.12.10

sindicalismo blindado

17:50

A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP) pede insistentemente a demissão do ministro da Administração Interna. "Justificação"? A denúncia do contrato de aquisição dos blindados. Compreensível. A ASPP tem uma "parceria" com a empresa que fornece os blindados. A história pode ser lida aqui.

(É por estas e por outras que o Câmara Corporativa é muito odiado nos quintalinhos da república. Isto explica a etiqueta "abrantes" com que certos blogueiros são mimados em certos sítios.)

nova vocação do Diário da República

ENSITEL ou "se ainda não percebeu o que é racionalidade em economia, venha cá que a gente explica"

15:38

200 anos de história em 4 minutos




já não se fazem carpideiras como antigamente


Cavaco apoia Durão no apelo à contenção nos discursos. Acrescenta o Diário Digital que o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, pediu silêncio aos líderes europeus, no sentido de se absterem de comentar a crise da dívida soberana. Cavaco Silva diz que apoia as declarações de Barroso, mas parece que não as ouviu ou não as percebeu: Cavaco apoia Durão no apelo à contenção nos discursos, «Porque há pessoas em Portugal que parecem não saber que os nossos credores são as companhias de seguros, os fundos de pensões, os fundos soberanos, os bancos internacionais e os cidadãos espalhados por esse mundo fora», alertou.

Note-se que não cabe à carpideira preocupar-se com a vida dos outros. Apenas com a sua própria vida.

eu já vi mais desgraçados do que tu, nhã nhã nhã toma toma toma


Será verdade que as causas nobres passaram todas a "causas Nobre" ?



27.12.10

parece que a globalização liberal até já assusta os seus bispos

15:47

Bruxelas alerta para o potencial perigo das aquisições chinesas.

Então não era nas "fronteiras abertas" que se queria apostar?!

Será que, fruto desta reconversão abrupta, vem aí uma vaga de nova legislação laboral europeia para proteger os trabalhadores comunitários da concorrência desleal das ditaduras do capitalismo vermelho?! Ou aí o liberalismo continua cego como dantes?

Isto anda tudo muito confuso...

pescadinha de rabo na boca

escutar






I keep a service bell by my bed for you
let the others do what they do
I will hold on
hold on
hold on

I keep a service bell by my bed for you

assuntos de príncipes

10:41

Não ouvi a mensagem de Natal do primeiro-ministro, nem na íntegra nem, com suficiente atenção, os excertos que passaram nos serviços noticiosos. Percebi que deu polémica partidária. Francamente, eu que detesto falar de "os políticos" em geral, e que nem sequer sou dos que desdenhem o combate político, fico com vontade de, sem qualquer intenção de ir perder tempo a analisar a matéria em si mesma, pedir aos políticos que nos poupem por uns dias ao desgaste das trincheiras.
Já bem bastava o cardeal de Lisboa a escolher o Natal para se dar a entrevistar em tom de pura política imediatista, claramente a defender interesses particulares e sem pudor nenhum pelo tom partidário das suas palavras.
Os príncipes estão loucos.

23.12.10

o pior presidente da república desta democracia constitucional

22:43

Um regime democrático, para o ser, não pode ser só de alguns. Foi por isso que, apesar de Cavaco Silva representar, pessoal e politicamente, muito do que eu entendo estar mal neste país, a seu tempo manifestei a opinião de que a eleição de CS para Presidente da República tinha a virtualidade de mostrar que todos os cargos do regime podiam ser também ocupados pela direita. Infelizmente, foi por aí que entrou o pior PR desta democracia constitucional. Pior, mas de longe. Pior, no sentido das coisas verdadeiramente graves, que põem em causa os fundamentos. Por quê? Leia-se Daniel Oliveira: Imagine se fosse Sócrates.

mínimo o salário, mínima a decência, mínimo o país

09:34

Alguns bens essenciais sobem mais que o salário mínimo em Janeiro. «Em Janeiro, o salário mínimo nacional vai aumentar de 475 para 485 euros, uma actualização de 2,1 por cento que ficará abaixo da taxa de inflação de 2,2 por cento estimada pelo Governo e abaixo dos 5,3 por cento previstos no acordo assinado em 2006.»

É pena que o governo não se tenha imposto à mesquinhez do patronato nacional. Também aqui o poder económico é capaz de condicionar o poder político. Não é que a política deva alhear-se da economia: é que isto é pura política feita por agentes económicos (associações empresariais), para manterem a pressão. À custa dos mais fracos. Também isto é questão de soberania: a política de uma democracia presa pelo jogo dos patrõezinhos.

(Eh pá, m****, esqueci-me que é Natal e temos todos de adoptar a hipocrisia do mais alto magistrado...)

22.12.10

há natais para todos os gostos

Ride Me ?!

Berlim, Dezembro de 2006, montra de Natal num "grande armazém" da Friedrichstrasse.
(Foto de Porfírio Silva).

21.12.10

apertem os vossos cintos de segurança

(Cartoon de Marc S.)

o BPN não existe


Eduardo Pitta, no Da Literatura, por caridade para com os esquecidos que andam por aí a moralizar, relembra:
Ontem, João Semedo voltou a lembrar a peculiar governança do BPN de Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Miguel Cadilhe e outros próceres do cavaquismo. Segundo o deputado do BE, Cavaco Silva e a filha (e, como eles, outros clientes especiais) obtiveram ganhos de 140% nas aplicações feitas. (...)

O que é revelador é que nenhum Cerejo, nenhuma Cabrita, nenhuma Manelona, nenhum Crespo, nenhum justiceiro da bloga, nenhum magistrado de Aveiro, nenhum super-juiz, nenhum colunista das Brigadas Anti-Sócrates (e são 30, os encartados, metade juristas), nenhum Medina, nenhum Duque, nenhum historiador, nenhum jovem turco da República morta, nenhum candidato presidencial, nenhum assessor doublé de repórter na imprensa marron, nenhum representante da Fatah nos media radical-chic, nenhuma das criaturas que formata a opinião... se interesse pelo backstage do banco da Loja P2, perdão, do banco da Sociedade Lusa de Negócios. Decididamente, a fraude do século não comove ninguém.

Na íntegra aqui
.

20.12.10

separados à nascença ?!!!


O que está a fazer o presidente da câmara de Matosinhos nesta foto com o candidato CS ?!!!
É que não é por ter cortado o bigode que disfarça melhor...



mandam as cartas para casa de PP ?

ró-ró


Submarinos: Ana Gomes apresenta queixa na Comissão Europeia. «A eurodeputada Ana Gomes entregou hoje uma queixa na Comissão Europeia contra os contratos de aquisição e contrapartidas dos dois submarinos, por violação das regras do mercado interno, corrupção e má utilização dos dinheiros públicos.»

Ana Gomes apresentou a queixa na Comissão Europeia... para Barroso tomar conhecimento ?!





com o nu me escondes a verdade


«Na Europa, a verdade reside no que é desvelado, é a aletéia [dos gregos], enquanto que no Japão o que é mais importante é o que está escondido. Tanto assim é que o nu só acederá ao seu próprio valor sob as vestes. De tal sorte é a incomensurável distância que separa estas duas civilizações!»
(Hisayasu Nakagawa, Introduction à la culture japonaise, p. 101)


Utamaro Kitagawa, “Fonte de poema”: quarto no primeiro andar
(as reproduções ocidentais costumam assumir o título "Os Amantes").

(Kitagawa é um dos artistas mais populares no Japão da segunda metade do século XVIII, mas tem outras obras que correspondem pouco à idealização que Nakagawa nos propõe...)

iniciativa cidadania europeia sobre eurobonds

12:38

Um problema central da actual crise financeira internacional é que ela constitui um ataque sem precedentes à soberania: a representação política democrática, que directa ou indirectamente emana das escolhas dos cidadãos, é forçada a vergar-se aos interesses imediatos do dinheiro que faz dinheiro só pelo dinheiro e sem qualquer contemplação pela economia real. Esse ataque é lançado a partir do carácter global da actividade financeira, que faz com que Estados isolados, ou mal coordenados, possam ser atacados um a um, até que caiam sucessivamente como peças de um dominó. A esse mecanismo global só se pode responder efectivamente recorrendo a mecanismos de cooperação regional que subtraiam os atacados à voracidade imediatista da meia dúzia de agentes que mexem os cordelinhos dos "mercados". Todos pensávamos que estávamos na União Europeia e no Euro para isso: para não sermos vítimas cândidas da famigerada globalização. Entretanto, graças à miopia de alguns dos grandes na Europa, continuamos a apalpar terreno, sem deitar mãos a mecanismos que façam a Europa usar o seu potencial. É o caso dos eurobonds (obrigações europeias), com a Alemanha a tentar bloquear a discussão sobre o seu lançamento. Estaremos condenados a sussurrar quando o tema da conversa não interesse à senhora Merkel?
Talvez não.
O primeiro-ministro grego anunciou que vai recorrer à Iniciativa Cidadania Europeia para intervir nesse debate. A Iniciativa Cidadania Europeia significa que um milhão de cidadãos europeus (de entre os que podem votar para o Parlamento Europeu) podem propor à Comissão Europeia que lance uma iniciativa legislativa sobre uma determinada questão. Esse milhão de proponentes tem de representar (de forma especificada num regulamento) uma parte significativa dos povos dos Estados Membros.
Ora, o que George Papandreou disse no sábado é que vai lançar ou apoiar uma Iniciativa dessas para levar a Comissão Europeia a propor legislação sobre as obrigações europeias.
A Iniciativa Cidadania Europeia é um resultado directo do Tratado de Lisboa. O primeiro-ministro grego, um socialista a tentar salvar o país da enorme trapalhada em que o governo de direita meteu a Grécia, continua a mostrar que podemos continuar a pensar democraticamente no meio da tempestade (já que partir montras pode ser o máximo pensamento político que certas correntes são capazes de parir, mas não constrói futuro nenhum para ninguém). E, nessa linha, se conseguirmos livrar-nos do eurocepticismo (esse efeito perverso da morte acidentada do internacionalismo proletário), talvez não estejamos de mãos atadas. Mais cidadania activa, também ao nível global, também ao nível europeu, é do que necessitamos. E, felizmente, temos novos e mais mobilizadores instrumentos para isso. Reforçar a participação a nível europeu, sobre temas europeus de interesse europeu, em luta por soluções europeias para problemas europeus, contra os egoísmos nacionais de vistas curtas, é necessário para dar novo sentido à soberania. A soberania isolacionista que alguns proclamam é a soberania a fingir, de Estados que teoricamente podem fazer tudo, apesar de nenhum efeito poderem obter em acção isolada. A soberania partilhada, em que os Estados agem concertadamente para conseguirem de facto moldar o mundo segundo as escolhas dos seus cidadãos, é o que mais precisamos na Europa. E essa Europa tem de passar pela mobilização cidadã.
Não estamos condenados a este "governo da UE" dominado pelo Partido Popular Europeu, com os amigos de Passos Coelho e Paulo Portas ao volante: quer dizer, com a senhora Merkel e o seu mandatário Barroso a tomar conta do quintal.

Camarada Papandreou, onde assinamos?

diz-me quem são os teus heróis, dir-te-ei quem és


Gente que, entre nós, se reclama de esquerda, anda nestes últimos dias embevecida com a apresentação ao mundo das obras telegráficas da embaixada americana em Lisboa. Que os "telegramas escolhidos" tenham sido dados à luz como fruto de um roubo gigantesco, não impede a popularidade do acto: há quem pense que um crime cometido com a ajuda da internet deixa de ser crime só por ser cyber. É o sex appeal do cyber. A moral agora é outra.
Neste novo panteão, se o herói global é Assange, o santo dos santos dos telegramas surrupiados, há vários beatos locais, que servem os altares de capelas mais pequenas. Quem conhece os santos e beatos de uma religião, fica só por aí com metade da sociologia dessa mouvance. Para os telegramas de Lisboa, o beato mais destacado é este novo herói da transparência e da verdade. Vale a pena conhecê-lo. Ajuda a perceber quem dá crédito a quem.

(via José Magalhães)

18.12.10

o argumento do geocentrismo

12:05



«Os mais recentes historiadores da ciência entendem que, se se começar com a experimentação sem pressupostos teóricos, é mais provável que se descubram os mecanismos de Aristóteles que os de Galileu. Kant atribui as revoluções da ciência moderna à coragem de Copérnico em contradizer o testemunho dos sentidos.»
Susan Neiman, Evil in Modern Thought, 2002 (tradução portuguesa na Gradiva)


Um certo número de intervenientes no debate público do estado da nação tem-nos proporcionado um delicioso torcidinho estilístico, uma corda para salvação dos aflitos, um salve-se quem puder de última hora para quem não consegue evitar olhar para a realidade através do filtro do seu próprio pessimismo (mesmo quando esse pessimismo é puro artifício). Essa flor do estilo consiste em opor as estatísticas (frias e inertes, supõem) ao calor da sensação imediata (o verdadeiro saber, pretendem). Exemplo: “ A escola está melhor nas estatísticas, mas nós vemos que as escolas estão pior, porque o sentimos, basta visitá-las.” Em geral, o que incomoda esses debatentes é que, em muitíssimos casos, aceitar as estatísticas é ter evidência de quanto este governo do PS fez avançar o país. Embora, com frequência, adorem estatísticas quando elas mostram o que falta fazer.
O capitão daquela frota de argumentos sensacionistas é a acusação de que “o governo trabalha para as estatísticas, mas as pessoas não são números”. Não vale a pena tentar explicar a quem assim opina que as estatísticas e os indicadores são, as mais das vezes, o fruto (imperfeito, claro, mas que se espera perfectível) de um trabalho aturado, longamente refinado em comunidades ao mesmo tempo mais ou menos especializadas e mais ou menos alargadas, distribuídas por muitos lugares deste mundo, com o fito de tentar ver mais longe e mais fundo do que a espuma dos dias. E com o fito consequente de nos ajudar eventualmente a fazer melhor. Agir a longo prazo e não apenas para amanhã. Mas eles não, eles querem é as sensações do que está à frente dos seus próprios olhos. Sem números pelo meio.
Bastaria dizer-lhes que, pela bitola que usam, a Terra ainda é o centro do universo e o Sol gira à nossa volta. Não é isso que, cada dia, os nossos olhos vêem claramente?

(republicação)

17.12.10

Paint Me | Contos de Canterbury














Uma ópera de Luís Tinoco (Música) e Stephen Plaice (Libreto), com direcção musical de Joana Carneiro. Hoje (estreia mundial) e amanhã na Culturgest.
Dizem-na inspirada nos Contos de Canterbury, escritos por Geoffrey Chaucer no século XIV, onde o dispositivo narrativo consiste num grupo de peregrinos que se entretém a contar historietas uns aos outros. Aqui, são passageiros numa carruagem de comboio que fantasiam acerca dos seus co-transportados de ocasião. Pode ser que o dispositivo funcione também aqui. Embora eu não possa deixar de me lembrar que também Pasolini se inspirou nos Contos de Canterbury... com os resultados pasolinianos de que deixamos uma amostra.


Vamos andando para lá. Até depois.

o passismo, a tanga, e a terra queimada

10:16

Figuras gradas do PSD de PPC desdobram-se no ataque à Iniciativa para a Competitividade e o Emprego. PPC, ele, pessoalmente, parece não ter grande coisa a dizer sobre o assunto. Faz bem: talvez calado evite dizer uma coisa e o seu contrário, que é o que muitas vezes lhe acontece quando tem de opinar mais do que uma vez sobre a mesma matéria.
PPC deixa para generais e tenentes do seu exército a figura do "vale tudo", que é o que têm feito. Bagão Félix entra na peça para ir ensaiando a "nova AD". Este último, por exemplo, repetia ser um escândalo que o Estado ponha dinheiro no fundo para as indemnizações de despedimento - coisa que ele tinha obrigação de saber, quando falou, que era uma mentirola, nada mais do que uma mentirola.
Outros, entre os próximos de PPC, esqueceram-se da exigência de que, para além da contenção do défice, se tomassem medidas de incentivo ao crescimento e ao emprego - e, agora, quando, aprovado o orçamento, essas medidas começam a vir a público e a ser negociadas com os parceiros sociais, desdobram-se em críticas genéricas e poupam-se em extremo a qualquer análise séria do que foi apresentado. Parece que, no entender do PSD, competente seria um governo que esperasse sentado pela geração espontânea de soluções. Enquanto PPC fica calado, os seus amigos políticos regressam à grande misturada, incluindo na vozearia os argumentos soberanistas típicos do PCP e do BE ("as medidas foram impostas do exterior"), lavando as mãos do esforço, longe de concluído, para afinar os detalhes das dezenas de medidas destinadas a atacar a crise no plano da economia real. Aí, o PSD e a CGTP estão em sintonia: contribuir para melhores medidas não é com eles.
Como se percebe por coisas que aqui escrevi em ocasiões anteriores, não penso que todos os sinais dados pela Iniciativa do governo sejam aqueles sinais que fazem falta. Contudo, a ligeireza com que políticos e comentadores têm tratado o assunto, muitos dando a ideia de que nem tempo tiveram para ler a meia dúzia de páginas de resumo do "pacote", é confrangedora. E demonstra o grau de irresponsabilidade a que está confinada a estratégia de oposição do principal partido da direita portuguesa.
Dá a impressão que a oposição está atemorizada pela perspectiva de que o governo consiga fazer bem o duro trabalho de mobilizar o país para fazer face à crise.

16.12.10

debates presidenciais, segundo round

21:54

Acabou há minutos o segundo debate televisivo Presidenciais 2011: Manuel Alegre, Defensor de Moura, RTP.
Manuel Alegre tem para resolver o problema de ser candidato do BE e do PS, o que, com as esquerdas que temos, é um caso tão bicado como a quadratura do círculo. Desta vez, não "correndo por fora", é mais difícil disfarçar essa dificuldade com um discurso de "coragem cívica". Mostrou um discurso bem articulado, com menos chavões do que às vezes lhe acontece, e aproveitou para ir denunciando o papel que Cavaco (não) tem desempenhado no ataque à crise.
Defensor de Moura, aproveitando bem o facto de ser "a novidade", marcou claramente o seu terreno: quer o voto dos socialistas que não estão confortáveis com a mancebia com o Bloco. É, provavelmente, um grande campo à espera. Não hostilizou Alegre, não se deixou intimidar por uma jornalista que não sabe distinguir entre um debate presidencial e um debate de legislativas, deixou algumas farpas a meio gás que podem ser explicitadas se isso vier a tornar-se conveniente (eu fui médico durante muitos anos, tenho experiência fora da política). Escolheu alguns temas "clássicos" de uma certa esquerda, como a corrupção e a regionalização. Num aspecto não esteve tão bem como Alegre: a enunciar os aspectos estruturantes, do ponto de vista político, da actual crise de soberania dos Estados face à alta finança internacional.
Em resumo, o debate terá sido estratégico principalmente para Defensor de Moura, num sentido: sublinhar que nenhum voto nele prejudica o objectivo de obrigar Cavaco à segunda volta.

alguém pode informar onde se meteu a ameaça do aquecimento global?

(Cartoon de Marc S.)

15.12.10

iniciativa para a competitividade e o emprego

23:34

O governo já disponibilizou em linha o texto integral da resolução "Iniciativa para a Competitividade e o Emprego". Não há agora tempo para uma análise séria do documento. Contudo,...
... desconfio particularmente das explicações orais que ouvi a membros do governo acerca da questão dos despedimentos, por me parecer que o tecto máximo para as indemnizações pode ser uma forma de introduzir o princípio "quem se disponha a pagar, pode despedir à vontade". Isso seria contrário, parece-me, à Constituição: é que, se entendi bem, patrão que pagasse o máximo obrigaria o trabalhador a ir-se embora, independentemente de qualquer causa justa. A indemnização máxima teria de ser aceite. Não vejo em que é que esta troca de dignidade por dinheiro possa melhorar a competitividade da economia. É assunto que fica para análise.
Já me parece que há bons tiros em concentrar o esforço em empresas exportadoras e inovadoras, sem a largueza inconveniente de tratar todos do mesmo modo.
Há, entretanto, outros pontos que, parecendo discretos, podem vir a dar muito que falar. Veja-se o último de todos: "Reforçar o controlo da entrada no território nacional de produtos equivalentes aos produzidos internamente, mas cuja processo produtivo não tenha sido sujeito ao mesmo tipo de condições que os produtos portugueses." Isto quer dizer que Portugal vai adoptar o proteccionismo inteligente? Quer dizer: não colocamos barreiras à entrada de nenhum produto, mas vamos ser rigorosos até ao mais ínfimo pormenor na aplicação das exigências legais que têm de ser respeitadas para esse produtos serem comercializados no nosso país. Será isso? Se for, vamos divertir-nos bastante com a Comissão Europeia - mas não vamos fazer nada que outros não tenham sempre feito. E, nessa guerra, quando se trate de defender a nossa produção, não temos por que ser mais benevolentes do que os outros países.

vai acabar o bife mal passado?


O blogue Um bife mal passado, de Alexander Ellis, tem o subtítulo muito apropriado "Crónicas de um Embaixador". O autor é o embaixador da Grã-Bretanha em Lisboa. O blogue mostra a face de uma diplomacia arejada e moderna, de gente normal que nem por isso deixa de fazer o seu trabalho excelentemente. E mostra, além disso, uma fina compreensão dos portugueses. Sabe-se lá se por ter mudado o governo de Sua Majestade, o embaixador regressa à capital. Despediu-se hoje da "sociedade". Vai acabar o bife mal passado? Seria pena.

perguntas idiotas


Se ser fumador passivo mata, por que não passar a fumador activo ?!



mais uma manobra governamental...

14.12.10

debates presidenciais, primeiro round

21:48

Acabou há minutos o primeiro debate televisivo Presidenciais 2011: Francisco Lopes, Fernando Nobre, RTP. Encontro mais agressivo do que eu, pessoalmente, estava à espera.
Valeria a pena ir aos arquivos confirmar as acusações feitas por Francisco Lopes a Fernando Nobre, relativas a tomadas de posição políticas deste, com menção de discursos em datas precisas. Esse seria o meio para verificar quem estava a mentir - já que Nobre negou tudo. Um deles tem uma relação estranha com a verdade a que temos direito.
Contudo, a meu ver, isso não chega a ser preciso para avaliar o posicionamento fundamental de cada um dos candidatos. Francisco Lopes é candidato oficialíssimo do PCP, não o esconde, esse é o seu retrato. Nada na manga, nada a obstar, não vamos ao engano. Fernando Nobre, que quer romper com o sistema - mas gostaria de ter um governo com todos os partidos - deixou um autógrafo muito vincado. Com esta declaração: "eu sou a única candidatura verdadeiramente cidadã". É pena vê-lo a achar conveniente tão grande lição de arrogância.

lisboa hoje à tarde


(Foto Porfírio Silva)

a transparência é uma coisa muito boa

18:21

Se isto é assim como descreve a Alda Telles, eu (*) vou ali escrever um post no meu blogue onde "informo" que um diplomata americano relatou ao seu governo que Pedro Passos Coelho lhe contou que tinha há uns anos a intenção de voltar a integrar a Guiné-Bissau na República Portuguesa a troco de uma percentagem no negócio da droga - mas recuso-me a mostrar o cable divulgado pela Wikileaks que "sustenta" tal "informação".

(*) Bom, "eu" não, já que esse comportamento está reservado aos "jornais de referência" que colaboram na versão global do jornal de sexta.

sugestão de almoço


Slow food...


(Cartoon de Marc S.)

13.12.10

a melhor declaração do dia...


... sobre o caso "BCP faz uma perninha na espionagem para arredondar o saldo mensal", veio da deputada melancia Heloísa Apolónia, que quer a embaixada americana em Lisboa a prestar esclarecimentos ao povo português. Alguém explica à senhora deputada quais as imunidades e privilégios que, nos países civilizados, assistem às representações diplomáticas? É que, com tanto falar, até o próprio Irão acabará por se desinteressar do seu activismo. Sim, porque é preciso saber quem beneficia com todas estas magníficas revelações e respectiva exploração.

BCP falou com Embaixada dos EUA depois de desistir do negócio do Irão.

uma pergunta sobre horários


Nesta quadra, a que dias fecha a blogosfera?
E em que dias tem horários alargados ou horários encurtados?
Agradecido pela informação.

a crise, em desenho, para simplificar


(Cartoon de Marc S.)

10.12.10

eu confesso que não percebo


Patrões da indústria dizem que fundo para financiar despedimentos tem “pernas para andar”. «Em causa está uma proposta feita pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Economia, Vieira das Silva, nas reuniões que têm sido realizadas com os parceiros sociais, para a eventual criação de um fundo para financiar as indemnizações pagas aos trabalhadores em futuros processos de despedimentos.»

A "revitalização do diálogo social" avança por caminhos (para mim) inesperados.

Fico à espera do anúncio da criação de um fundo de greve, daqueles que servem para pagar os salários aos trabalhadores quando eles estão em greve, para poderem aguentar muito tempo e levarem as empresas (e o país) ao tapete.

Em vez do "desarmamento bilateral e controlado" como caminho para a paz, distribuímos mísseis por todos que é para o foguetório ser mais vistoso. Será essa a ideia?

É mesmo disto que o país precisa para trabalhar mais e melhor - e ser recompensado em conformidade? Quando discutem as migalhinhas para cumprir o cumprimento do acordo sobre o aumento do salário mínimo?

O presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) insistiu hoje que “seguramente não há condições” para a subida do salário mínimo nacional para 500 euros no início de 2011.

Definitivamente, sou eu que não percebo nada.

quem nem sabe é como quem não vê

notícias

história do natal digital


Coisas que chegam por e-mail e que daqui a nada devem ser conhecidas de toda a gente.


9.12.10

o facebook é mesmo estranho


Se não fosse, não dava estas opções!!



não sei se já perceberam por que é que PPC diz que quer o CDS no governo mesmo que o PSD tenha maioria absoluta


É que PPC, estudioso como é da história pátria, andou a ver vídeos antigos e receia que Paulo Portas não seja pessoa de se interessar pelo poder.


carta aberta aos contentinhos com as actuais competências de discussão

um livro de um sábio, diz MEC


Há tempos anotámos aqui a saída do livro Do Tempo e da Paisagem. Manual para a leitura de paisagens, de Henrique Pereira dos Santos, na Principia.
Na altura não disse nada sobre o conteúdo, por não ter ainda lido. Entretanto, leitura feita, posso dizer que o livro está muito bem escrito, é original nas ideias, mete a mão em matéria claramente relevante para quem tenta orientar-se neste nosso tempo onde habitar o mundo é complicado.
Miguel Esteves Cardoso dedicou ontem a sua crónica no Público a este livro. Aqui deixamos cópia. Sugestão de prenda de Natal? Bem lembrado.


notícias da EMEL


Foi-me dado conhecimento deste caso. Acho que merece ser divulgado, para vosso juízo.

DOCUMENTO 1: Carta enviada à EMEL em Julho de 2009:

Exmos. Senhores,
No passado dia [XX] de Julho, Sábado, tinha o meu carro (de matrícula [XX-XX-XX]) estacionado na Rua Zzzzzzzz, em frente ao nº XX (...).
Para espanto meu, tinha um aviso de pagamento da Emel, por “não exibir título de estacionamento válido”, o qual envio em anexo.
Ora, tendo em conta que era um sábado, e que deixo o carro todos os sábados naquele lugar, fui verificar se tinham sido alterados os horários em que o estacionamento é pago.
Não obstante, confirmei que a placa no início daquele segmento de rua, (...), indicava que o estacionamento era pago apenas nos dias úteis.
Assim sendo, não vejo qualquer razão para a emissão do aviso para pagamento, o qual apenas poderá ser resultado de um lapso,
Pelo que venho por este meio reclamar contra o aviso de pagamento nr. XXX0000000.
Sem mais assunto,
xxxxxxxxxxxx

DOCUMENTO 2: Resposta da EMEL, recentemente, mais de um ano depois:

Exmo(a). Senhor(a),
Em resposta à exposição que nos dirigiu, vimos informar que a situação apresentada ficou registada e foi analisada pela EMEL.
Informamos que sempre que ocupe um lugar tarifado, deverá proceder ao pagamento da respectiva tarifa. Neste caso específico, a viatura de V. Exa. encontrava-se em lugar tarifado. Deste modo, não será possível proceder à anulação do Aviso para Pagamento.
Com os melhores cumprimentos,
yyyyyyyyyyyy



CONCLUSÃO: A EMEL, visionária, antecipa a próxima medida anti-crise: fazer do sábado um dia útil. Ou estou errado?

8.12.10

o ex-chanceler que toca piano

13:16

Helmut Schmidt toca piano.


Sim, é o mesmo Helmut Schmidt que foi chanceler alemão (SPD) entre 1974 e 1982. Podem confirmar os seus dotes musicais aqui. O Le Monde de ontem (datado de hoje, como sempre) publica uma entrevista sua, que pode ler-se aqui.

É uma entrevista complicada, mas interessante para perceber as dificuldades da própria Alemanha neste momento. Acusa claramente a generalidade dos dirigentes europeus de serem uns anões (expressão minha, não dele), ao mesmo tempo que diz que a chanceler e o seu ministro das finanças, embora competentes para a gestão financeira tradicional, não compreendem o mundo em que vivem hoje. Lembra que a Alemanha e a França estiveram recentemente em incumprimento face às regras do euro - e que essa realidade tem sido mal encaixada pela senhora Merkel. Ao mesmo tempo, mostra claramente a arrogância alemã: no fundo, defende que tem de haver um directório informal que tome conta da UE e acha que os pobres não podem poluir a mesa dos ricos (falando em termos de países). Vale a pena ler na íntegra, principalmente para perceber como a ala moderada (por assim dizer) da social-democracia alemã veste, hoje, a pele dos demónios de uma Alemanha que quer ser grande mas não sabe bem como pode ser grande numa Europa maior do que ela própria.

Fica uma única citação:
«Diga-se de passagem que, durante muito tempo, a elite política alemã não percebeu que nós registávamos excedentes nas nossas contas correntes. Nós, alemães, fazemos a mesma coisa que os chineses - a grande diferença é que os chineses têm a sua própria moeda, o que não é nosso caso. Se tivéssemos a nossa própria moeda, ela neste momento já teria sido reavaliada.
Manter o marco alemão, como queria Tietmayer [presidente do Banco da Alemanha entre 1993 e 1998, referido antes por Schmidt como um reaccionário contra a integração europeia], teria, pelo menos uma vez se não duas vezes durante os últimos 20 anos, provocado uma especulação contra o marco alemão de uma escala pior do que o que temos assistido com a Grécia ou a Irlanda.»



(Agradeço ao Miguel Abrantes a sugestão de leitura.)

combate de blogues


Os blogueiros fazem-se para escrever em blogues, não para falar na TV. Mas, enfim, se for pela madrugada dentro, um pouco às escondidas, pode ser.

Combate de blogues: «Em estúdio, paro o debate de uma possível remodelação no Governo e uma nova AD no horizonte teremos Filipa Martins, Miguel Morgado, Tomás Vasques e o convidado Porfírio Silva do blog Machina Speculatrix»


7.12.10

PISA-papéis


OCDE elogia política educativa nacional. Alunos portugueses melhoraram na língua, matemática e ciências, segundo a OCDE.

«A OCDE constata que Portugal melhorou nas três áreas científicas e isso deve-se, acredita a organização, às medidas políticas aplicadas desde 2005. O investimento feito em computadores portáteis, acesso à banda larga, refeições, aumento do apoio social escolar contribuíram para a evolução, aponta o relatório da OCDE. Outros factores foram o Plano Nacional de Leitura, o Plano de Acção para a Matemática, bem como a formação de professores em Matemática e Ciências. A aplicação das provas de aferição (nos 4.º e 6.º anos), assim como os exames nacionais (no final do 3.º ciclo e no secundário) também fazem parte das medidas que a OCDE elogia. Bem como a criação de novas ofertas educativas para os alunos, como os cursos profissionais.»


Portugal é o ÚNICO país da OCDE que merece referências positivas em TODAS as áreas em que incide o inquérito PISA (Programme for International Student Assessment).

Já que falamos de remodelação governamental: se for para trazer de volta Maria de Lurdes Rodrigues...

Só isso poderia curar o síndrome da cara-à-banda da aliança dos profetas da desgraça.

quarto capítulo da trilogia millennium ?



Julian Assange é acusado de violação na Suécia. Fundador da WikiLeaks detido depois de se entregar à polícia em Londres
.

Assange, apresentando-se como o sumo-sacerdote da transparência, representa o mito de que o corpo funciona geralmente melhor se tiver as tripas à mostra.
A perseguição que se está a fazer a Assange, tendo a Suécia como ponta de lança, poderá representar as piores tendências obscuras de um país cuja ideologia oficial é, precisamente, a transparência. Faz lembrar o último lanço da trilogia Millennium, de Stieg Larsson.

europeus

11:57

José Reis Santos, no Diário Económico de hoje:
Não chega estar em São Bento, se é no ‘Berlaymont' que são tomadas as decisões em matérias de natureza económica e financeira. (...) Há que mudar o Governo europeu para instaurar um conjunto de políticas progressistas que procurem colocar não os mercados no centro da política, mas as pessoas. (...)
É neste sentido que deve ser entendida a proposta para um novo Plano Marshall para a Europa, sugerido por Poul Rasmussen, líder do PSE. Um plano que coloque na criação de novos postos de trabalho e no crescimento o principal foco de qualquer programa de recuperação económica europeia e que abandone a "irresponsável obsessão conservadora com a austeridade e com o Estado Social". Um plano que promova uma taxa financeira internacional com os proveitos desta a serem investidos na criação de emprego, que implemente um sistema de ‘Eurobonds' e que potencie uma coordenação económica europeia eficaz.
Na íntegra aqui.

Mais sobre as mencionadas resoluções do Partido Socialista Europeu aqui.

6.12.10

entrevistámos Manuel Alegre


No ano de 1983, Manuel Alegre, poeta e dirigente do PS, publica um novo livro de poemas, Babilónia. Eu, pessoalmente, andava um pouco com sede relativamente à sua criação recente, que me parecia então atravessar um relativo deserto criativo. Para o meu gosto, claro. Comprei o Babilónia e meti-me no comboio, para Aveiro, onde imediatamente o comecei a ler. E gostei. Voltei a gostar. Era, claramente, um livro de poesia e um livro de política. Rapidamente dei por mim a pensar que queria entrevistar Alegre sobre aquele livro e sobre o que ele podia significar quanto a uma certa visão do mundo. Tinha uma boa via para cumprir esse desiderato. Eu era, na altura, chefe de redacção do "Jovem Socialista", órgão central da Juventude Socialista. A entrevista fez-se para esse meio. A entrevista foi conduzida por mim e por Margarida Marques, então secretária-coordenadora da JS.
Há um registo formal dessa entrevista, nas páginas do meio que a publicou. Reproduzimos abaixo cópia desse material.
Ainda estamos de posse do registo sonoro da entrevista. O encontro teve lugar nos Passos Perdidos, já que Manuel Alegre era deputado e lá era o sítio mais conveniente para o encontrar (a outra entrevistadora também era, aliás, deputada). O registo sonoro está bastante degradado, em parte dado o ruído de fundo que ocupava o ambiente. Para filtrar o ruído de fundo tivemos de fazer um "corte" das frequências correspondentes, o que não se pôde fazer sem algumas distorções pontuais. Mesmo assim, o registo sonoro que deixamos permite acompanhar a conversa e constitui um documento interessante. (Agradeço ao NM e ao RV pela ajuda na limpeza sonora.)


A entrevista pode ser ouvida aqui:







A entrevista pode ser visualizada no formato em que foi publicada aqui.

5.12.10

uma confissão ao domingo


Remuneração compensatória nos Açores: Carlos César acusa Cavaco Silva de “dividir os portugueses”.

Se há coisa que politicamente me irrita são aqueles raros momentos em que reconheço mais razão a Cavaco do que ao seus contendores à esquerda. Não estou mesmo nada a ver que neste caso tenha sido Cavaco a criar divisões entre os portugueses. Nem parece que ele se aborreça muito quando o atacam em completa discrepância com a percepção que o cidadão comum tem das coisas. Aliás, Cavaco até agradecerá intimamente estes ataques.

veredas


Palmilho a montanha das palavras que possam servir para te falar. E ao fundo, no vale, vejo que correm as ideias com aparente indiferença pela encosta da linguagem. Mas é pura ilusão: não há ideias que nos valham a pena sem palavras ditas ou pensadas, como não é por acaso que o leito da água é no fundo do vale.


jacaré que dorme vira mala, vira mala de jacaré


Kussondolola, Jacaré (1995)


Pedro Passos Coelho é um político realista


Só pede o que sabe que pode ter.

Pede "Um futuro Governo de mudança precisa de mais do que um partido" só porque sabe que já o tem: Assembleia da Madeira vai requerer a inconstitucionalidade do Orçamento.
Se tomar partido é tomar posição, o PSD já tem partidos que cheguem para a tal coligação. Não falo de tendências, nem sequer de sensibilidades: falo de haver grupos dentro do grupo parlamentar a prometer e a fazer coisas diferentes. Em relação a matérias estruturantes da governação, como o orçamento de Estado.

o erro do inteligente cavalo Hans


O "inteligente Hans" era um cavalo que, no princípio do século XX, espantou o público dos espectáculos promovidos pelo seu dono: é que o cavalo mostrava-se capaz de realizar operações aritméticas simples. Por exemplo, as parcelas de uma adição eram escritas num cartaz de forma a que o cavalo as visse e ele batia então com os cascos no chão o número de vezes equivalente à soma correcta. Testes realizados mostraram que o cavalo só dava a resposta certa quando o observador do exercício sabia a resposta. Compreendeu-se assim que o cavalo detectava indicações involuntárias do observador (reacções faciais mínimas, por exemplo) quando atingia o número correcto. O Hans era de facto esperto, mas não por saber aritmética: antes por ser capaz de detectar pistas fornecidas involuntariamente pelo comportamento dos humanos, tendo aprendido que isso equivalia a uma recompensa.
O "erro da inteligência de Hans" exemplifica um tópico interessante em filosofa das ciências do artificial. Quando um programa de computador, ou um robot, exibe um comportamento que parece inteligente - há mesmo inteligência na máquina, ou a inteligência que a máquina mostra é apenas o que os humanos lá colocaram e reconhecem como seu?

Bom, a ideia não é alongar-me aqui em considerações de filosofia das ciências do artificial. Mas esta observação era necessária para introduzir o que aqui me traz.


Só há pouco tempo (falha minha) descobri outra obra do muito apreciado Miguel Rocha, Hans - O cavalo inteligente. Para uma apreciação da BD enquanto tal, há por aí críticas interessantes e mais ilustradas pelo conhecimento do que eu poderia fazer. Por exemplo, aqui, aqui, aqui, ou aqui. Mas não esse o ângulo pelo qual quero ler a coisa hoje.

O que venho aqui dizer é que partimos sempre para uma obra com uma pré-compreensão, um pré-conceito, uma expectativa acerca do que vamos encontrar. Quando já lemos o "Ensaio sobre a Cegueira" de Saramago e pegamos em "A Caverna" - temos (eu tive) uma forte desilusão. Que talvez não fosse tão forte se não conhecesse o autor. Outro tipo de decepção, talvez injustificada, foi a que senti com este Hans - O cavalo inteligente. O álbum é bom, como BD, e corresponde ao elevado padrão a que Miguel Rocha nos habituou. Só que, e aqui está o meu engulho, a leitura quase psicanalítica que nos é servida, por muito interessante que seja, deixa-me com pena que tenha deixado de lado questões mais "comezinhas" ligadas ao tema da inteligência não humana. Foi um encontro um tanto ou quanto falhado, por mea culpa. Não deixo, contudo, de aconselhar aos amantes de BD que, sem os mesmos pré-conceitos que eu, se lancem à leitura. Ou releitura.


(Publicado também aqui.)

4.12.10

é preciso não confundir os originais e as versões



Gustav Klimt, A Virgem



A versão fotográfica que Moisés González fez d'A Virgem, de Klimt


Confundir este post sobre a situação em Espanha com uma análise de esquerda, é confundir alhos com bugalhos. Confusões perigosas. (Vale a pena ler também os comentários.)

10,000 anos depois entre Vénus e Marte


crónicas do controlo social


O efeito do carneiro que não quer ir contra o rebanho.



a difícil técnica de olhar para o lado


O Homem do farol é um blogue que deve ser visitado.

Este é um conselho de amigo.
Não no sentido de eu ser amigo do "homem do farol" (que sou), mas no sentido de estar a ser vosso amigo ao aconselhar esta visita.

A difícil técnica de olhar para o lado.

corporações

12:17

É preciso não esquecer que a defesa de privilégios de grupo, quando extremada e em clara falta de sintonia com a situação das pessoas "de fora" do grupo, pode levar a conflitos sérios. Não esperávamos que se chegasse tão depressa à mobilização militar, mas essa parece ser uma eventualidade.




Los controladores quedan "movilizados", pasan a tener condición de militares, e incurrirán en desobediencia si no trabajan.
La Fiscalía investiga posibles delitos de sedición.

andamos todos a dias


Os Linda Martini, com "Mulher a Dias".


vamos lá dar os peixinhos pequenos aos mercados que isso fará bem à nossa saúde de peixes graúdos


Pois. Pode ser que sim. Ou que não.


(Cartoon de Marc S.)

3.12.10

o estado do mercado | o mercado do estado

22:02
Frases que merecem reflexão.

« Pensar em termos de uma dicotomização do mundo institucional, que coloca em oposição "os mercados" e " estado", é tão grosseiramente inadequado e estéril que é surpreendente como essa dicotomia sobrevive como forma básica de organização, quer de estudos académicos quer de aconselhamento político. Uma simplificação exagerada das opções de design [institucional] que estão ao nosso alcance é perigosa, na medida em que esconde, mais do que revela, as peças necessárias para a concepção de instituições efectivas e sustentáveis.»

Elinor Ostrom, Understanding Institutional Diversity, 2005 (tradução livre)

já chegámos à Madeira?

alguém tem de advogar os interesses dos privados quando eles se opõem ao interesse do Estado, dos nossos impostos e do bem comum

10:45

Marques Mendes considera nova empresa pública para gerir as Parcerias Público-Privadas “uma provocação” e um “escândalo”. «“Mais uma EP o que é? São mais lugares de administradores; são mais lugares de directores, assessores e secretárias; são mais automóveis topo de gama. Tudo à custa do zé-povinho, o que aperta o cinto”, afirmou o ex-líder do PSD, no seu comentário habitual na Edição da Dez da TVI24.»

Fez-se um grande burburinho em torno do livro de Carlos Moreno, "Como o Estado gasta o nosso dinheiro". O livro merece uma leitura que escape às boutades de ocasião, já que a mensagem que ele contém não é tão simplista como parece. Voltaremos a isso.
Entretanto, há certamente um aspecto central em qualquer leitura do "relatório" de Carlos Moreno: o Estado não está suficientemente habilitado para as duras negociações com os privados precisamente por não ter organizado, concentrado, acumulado e rentabilizado o conhecimento de que devia dispor por ter estado envolvido em tantas negociações de PPP. Recorrendo muitas vezes a sociedades de advogados para lidar com as negociações, paga o trabalho e depois deixa ir o conhecimento e experiência que assim se ganhou; se recorresse a meios próprios, acumulava esse conhecimento e essa experiência, podendo mobilizá-la em ocasiões sucessivas. E, provavelmente, com menos riscos de contaminação de interesses. Outras vezes o problema é a dispersão: equipas espalhadas por diferentes serviços ou empresas públicas lidam cada uma com um caso particular, em vez de se concentrar e cruzar o conhecimento dos escolhos e soluções que a defesa do interesse comum enfrenta nesse tipo de negociações - negociações difíceis para as quais as partes privadas se preparam olimpicamente, como lhes cabe. Esse mau uso do investimento em conhecimento, por parte do Estado enquanto parte das PPP, parece, segundo Carlos Moreno, ser uma das explicações mais pesadas para a forma como o interesse público foi maltratado em muitas das tais parcerias.
O que o governo agora diz que vai fazer é, em princípio, um bom passo no sentido de melhorar a defesa do interesse público nas PPP. Organizar as tropas para ganhar mais batalhas, com menos baixas e com menos custos.
Marques Mendes, se declarou aquilo que o Público diz que ele declarou, das duas uma: ou não percebeu aquela explicação simples de Carlos Moreno; ou está aborrecido por o Estado estar a fazer alguma coisa para que o interesse público seja defendido como deve ser nas Parcerias Público-Privadas. Assim se vê como o "discurso da tanga", inventado por Durão Barroso mas que está sempre a voltar ao PSD (e à sociedade portuguesa, como caldo de cultura), não é um discurso inocente. Serve interesses objectivos. Serve para meter tudo no mesmo saco, embrulhado em fumaça, e proteger enviesadamente aquilo que não se tem coragem para defender claramente, à luz do dia.