A abordagem míope à crise na Europa está a dar os seus frutos.
(Não estou a falar dos comentadores portugueses que continuam a tentar vender a novela de que tudo isto é culpa de Sócrates, esquecendo que foi um governo desse homem que levou as finanças públicas ao ponto de maior equilíbrio em décadas. Esses estão lá na sua agenda paroquial, sonham com a autarcia bolorenta de outros tempos, ou no sentido de que pensam que ela ainda existe, ou no sentido de que acham que ela seria a nossa salvação. Desse paroquialismo nem vale a pena falar aqui, os tempos estão demasiado sérios para o mundo para que se perca muito tempo com isso.)
A tentativa de deixar cair, um por um, alguns países que não encaixam no padrão agradável à senhora Merkel, está a dar resultados espectaculares.
(O padrão agradável à senhora Merkel é simples: quando a Alemanha esteve em desrespeito dos critérios da zona euro, impediu que a penalizassem segundo os critérios, e fê-lo à má fila, como se estivesse disposta a bater com o sapato em cima da mesa do Conselho em Bruxelas, com a boa educação de Krutchev na ONU nos idos dos anos 60 do século passado.)
Era a Grécia, é a Irlanda, pode ser Portugal, pode ser a Espanha, já se fala da Bélgica, já se fala da França, a ser assim a Itália pode vir a seguir... Alguns ainda acham mal que se fale mal dos mercados, como se a "mão invisível" fosse a mão castigadora de Deus ou a astúcia da razão - quando é apenas o negócio de alguns, o ataque que alguns esperam quase definitivo contra a soberania. A liberdade definitiva para o dinheiro.
Entretanto, a "Europa" continua a não ver o que tem de ver. Sem pedir milagres, quer-se que o Banco Central Europeu não faça muito pior do que a Reserva Federal americana - mas parece que o BCE, e os Merkel deste continente, esperam mais sangue. Querem, nomeadamente, que com mais sangue seja mais fácil a imposição da sua austeridade mortífera para a economia. A crise, sendo crise do capitalismo extremo, quer-se agora nas mãos... das mesmas concepções que criaram este mundo de loucos. A crise até pode dar jeito, para obrigar os mais reticentes a afogarem o que resta do Estado social: já nem querem a sua reforma, querem que passe à história.
Curiosamente, ao mesmo tempo, alguma esquerda que andou anos a fio a dizer cobras e lagartos da Europa, agora quer a intervenção decidida da Europa. Percebeu, finalmente, que pode ser complicado ser deixado sozinho no meio do mar encapelado. Isso, pelo menos, pode ter algumas virtualidades para o futuro.
Mas qual futuro? Se os ideólogos de sempre, agarrados à igreja do mercado, continuarem a mexer os cordelinhos, vamos ter mais em que pensar no futuro.