20.12.10

iniciativa cidadania europeia sobre eurobonds


Um problema central da actual crise financeira internacional é que ela constitui um ataque sem precedentes à soberania: a representação política democrática, que directa ou indirectamente emana das escolhas dos cidadãos, é forçada a vergar-se aos interesses imediatos do dinheiro que faz dinheiro só pelo dinheiro e sem qualquer contemplação pela economia real. Esse ataque é lançado a partir do carácter global da actividade financeira, que faz com que Estados isolados, ou mal coordenados, possam ser atacados um a um, até que caiam sucessivamente como peças de um dominó. A esse mecanismo global só se pode responder efectivamente recorrendo a mecanismos de cooperação regional que subtraiam os atacados à voracidade imediatista da meia dúzia de agentes que mexem os cordelinhos dos "mercados". Todos pensávamos que estávamos na União Europeia e no Euro para isso: para não sermos vítimas cândidas da famigerada globalização. Entretanto, graças à miopia de alguns dos grandes na Europa, continuamos a apalpar terreno, sem deitar mãos a mecanismos que façam a Europa usar o seu potencial. É o caso dos eurobonds (obrigações europeias), com a Alemanha a tentar bloquear a discussão sobre o seu lançamento. Estaremos condenados a sussurrar quando o tema da conversa não interesse à senhora Merkel?
Talvez não.
O primeiro-ministro grego anunciou que vai recorrer à Iniciativa Cidadania Europeia para intervir nesse debate. A Iniciativa Cidadania Europeia significa que um milhão de cidadãos europeus (de entre os que podem votar para o Parlamento Europeu) podem propor à Comissão Europeia que lance uma iniciativa legislativa sobre uma determinada questão. Esse milhão de proponentes tem de representar (de forma especificada num regulamento) uma parte significativa dos povos dos Estados Membros.
Ora, o que George Papandreou disse no sábado é que vai lançar ou apoiar uma Iniciativa dessas para levar a Comissão Europeia a propor legislação sobre as obrigações europeias.
A Iniciativa Cidadania Europeia é um resultado directo do Tratado de Lisboa. O primeiro-ministro grego, um socialista a tentar salvar o país da enorme trapalhada em que o governo de direita meteu a Grécia, continua a mostrar que podemos continuar a pensar democraticamente no meio da tempestade (já que partir montras pode ser o máximo pensamento político que certas correntes são capazes de parir, mas não constrói futuro nenhum para ninguém). E, nessa linha, se conseguirmos livrar-nos do eurocepticismo (esse efeito perverso da morte acidentada do internacionalismo proletário), talvez não estejamos de mãos atadas. Mais cidadania activa, também ao nível global, também ao nível europeu, é do que necessitamos. E, felizmente, temos novos e mais mobilizadores instrumentos para isso. Reforçar a participação a nível europeu, sobre temas europeus de interesse europeu, em luta por soluções europeias para problemas europeus, contra os egoísmos nacionais de vistas curtas, é necessário para dar novo sentido à soberania. A soberania isolacionista que alguns proclamam é a soberania a fingir, de Estados que teoricamente podem fazer tudo, apesar de nenhum efeito poderem obter em acção isolada. A soberania partilhada, em que os Estados agem concertadamente para conseguirem de facto moldar o mundo segundo as escolhas dos seus cidadãos, é o que mais precisamos na Europa. E essa Europa tem de passar pela mobilização cidadã.
Não estamos condenados a este "governo da UE" dominado pelo Partido Popular Europeu, com os amigos de Passos Coelho e Paulo Portas ao volante: quer dizer, com a senhora Merkel e o seu mandatário Barroso a tomar conta do quintal.

Camarada Papandreou, onde assinamos?