26.4.08

O cérebro em acção - interacção com o ambiente


O ciclo "Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais", organizado pelo Instituto de Sistemas e Robótica (Instituto Superior Técnico), continua na próxima segunda-feira, 28 de Abril, pelas 17:30, com a conferência “O cérebro em acção - interacção com o ambiente”.

A conferência será proferida por Fernando Lopes da Silva, Professor Emérito da Universidade de Amsterdam e Professor Convidado do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

A conferência terá lugar no Anfiteatro do Complexo Interdisciplinar, Instituto Superior Técnico (campus da Alameda). Mais informação sobre localização clicando aqui .

Mais informações sobre esta conferência clicando aqui .

Mais informações sobre o Ciclo de Conferências neste sítio .


Resumo da Conferência
O cérebro em acção - interacção com o ambiente


O cérebro recebe, regista e processa informação proveniente do ambiente e comunica com o ambiente através de actos que, em geral, têm uma expressão motora. Nesta conferência passaremos brevemente em revista alguns aspectos fundamentais do processamento das funções receptivas do cérebro, mas focaremos em especial descobertas recentes que mostram como actividades cerebrais codificam a preparação de actividades motoras específicas, quer estas sejam executadas ou apenas imaginadas.

Isto é, analisaremos como no cérebro a intenção de realizar uma determinada acção se reflecte num determinado tipo de actividade neuronal. Em pormenor passaremos em revista os resultados experimentais que mostram as propriedades dos sinais electroencefalográficos (EEGs) obtidos enquanto um individuo imagina movimentos diferentes, i.e. da mão direita ou esquerda ou do pé. Estes novos dados permitem identificar “estados funcionais” do cérebro de curta duração com características específicas, consoante a natureza do programa motor imaginado.

Este tipo de resultados, e outros semelhantes, levam a pensar que estes “estados funcionais” podem ser utilizados para construir interfaces entre o cérebro e um computador (Brain-Computer Interfaces, BCIs) de modo a aumentar a capacidade de comunicação de indivíduos incapacitados de o fazer por paralisia dos membros com o ambiente. As vantagens e desvantagens da utilização de sinais do EEG (tanto actividade espontânea como evocada por estímulos sensoriais) em comparação com outros sinais neuronais registados directamente de dentro do córtex cerebral em BCI’s serão discutidas.

25.4.08

hipocrisia


25 de Abril: Cavaco Silva "impressionado" com ignorância dos jovens sobre o "Dia da Liberdade".

Cavaco Silva comemora o 25 de Abril a passar raspanetes aos "políticos". Como se ele não fosse um político. Abre muito a boca para falar das responsabilidades dos outros. Como se tivesse caído agora do céu aos trambolhões e não tivesse nada a ver com nada. Deve ter escrito o discurso enquanto andava pela Madeira de braço dado com Jardim, esse herói da democracia, a praticar mais uma modalidade da sua cada vez mais multifacetada hipocrisia. Haja vergonha, senhor presidente. Já chegou o tempo em que o regime assentava na ideia de que os outros eram políticos e o "homem providencial" estava acima disso.

24.4.08

leia isto


35T3 P3QU3N0 T3XTO 53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R COMO NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3 F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35! R3P4R3 N155O! NO COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO, M45 N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GO QU453 4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO, C3RTO? POD3 F1C4R B3M ORGULHO5O D155O! SU4 C4P4C1D4D3 M3R3C3! P4R4BÉN5!

Roubado a Que cena fixe!.
Contudo, este truque é diferente de algo que já mostrámos aqui. Neste caso o que se tenta preservar é a semelhança de formas entre as letras retiradas e os algarismos que as substituiram.

a construção de um candidato

23.4.08

modernizar as relações laborais

16:59

Este é um assunto que muito nos interessa. O governo acaba de tomar novas iniciativas nesta matéria. Haveremos de dizer aqui alguma coisa sobre isso, mas só depois de nos informarmos melhor. Entretanto, como introdução, reproduzimos a seguir um texto publicado a 3/11/2002 no Público. Aparece subscrito na qualidade de ex-Conselheiro para os Assuntos Sociais na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia. Uma vez que andam por aí alguns a dizer que estes e aqueles defendem hoje o que atacaram ontem, exponho aqui o que disse há uns anos e não me importo que se compare o que escrevi então com o que hei-de dizer agora. Um destes dias, à medida que o debate na concertação social for avançando.


DIREITO DO TRABALHO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


1. É normal que seja disputável qual a melhor forma de articular, num dado momento, os valores protegidos pela legislação do trabalho com outros valores socialmente importantes. Admito, pois, que certos aspectos da legislação do trabalho vigente sejam considerados limitativos do desenvolvimento da produtividade e da competitividade das empresas - e rejeito que esse seja um problema "dos patrões". Mas há uma diferença importante entre a óptica da articulação dos valores a proteger e a tentação de usar uma reforma para reforçar fautores de conservantismo imobilista. Sendo a empresa uma comunidade de pessoas, está sempre presente a questão do poder, a qual, crucial em qualquer organização, o é de forma mais premente naquelas cuja racionalidade endógena é relativamente limitada. Ora, muitas empresas são território onde o "patrão" (e não o empresário ou o empreendedor) domina apenas pela "força", não gozando daquela fonte de autoridade que consiste em saber o que fazer para promover o bem comum - nomeadamente, ignora o que fazer para aumentar a produtividade (sua e dos outros) e a competitividade (real, a longo prazo).
Se, aqui, as intenções iniciais do ministro da tutela parece terem sido esquecidas, isso deve-se ao facto de esta direita continuar a achar que o poder de quem sempre o teve é "natural", enquanto as pretensões de ultrapassar o "modelo do salve-se quem puder" carecem de legitimação casuística. Como é nas relações de trabalho onde a questão do poder se apresenta da forma mais crua para a maioria das pessoas (das pessoas concretas cuja vida pode ser destroçada por acontecimentos que resultam da realidade da submissão no local de trabalho), o país precisa da inteligência e da determinação da esquerda - porque esta direita quer o caminho mais simplista e mais imediatista.

2. Que resposta dará a esquerda à questão do equilíbrio do poder dentro da empresa e no mundo do trabalho? Se falarmos em participação dos trabalhadores na gestão ou no controlo da gestão, os arautos da "modernidade" dirão imediatamente que o tempo da revolução já lá vai (confusão simples entre "reforma " e "revolução"). Imaginemos uma organização ligada a interesses empresariais alemães a opinar que a legislação laboral portuguesa devia ser flexibilizada para melhorar a nossa competitividade. Como interpretá-la? Um convite à importação do modelo alemão de co-gestão, onde trabalhadores e suas organizações têm um poder real na gestão das empresas e na regulação global do mercado de trabalho? Um convite a reflectir na utilidade de algum dos modelos de participação dos trabalhadores existentes em países europeus, visando dar conteúdo estratégico à noção de interesses comuns entre empregadores e trabalhadores e, por essa via, elevar o nível de racionalidade endógena do sistema?
Falando de aumentar a racionalidade endógena das empresas, significamos o desenvolvimento nessas empresas dos meios para compreender a situação de mercado em que se encontram, para definir objectivos ambiciosos mas realizáveis susceptíveis de mobilizar todos os agentes cujo interessamento importa, para organizar os caminhos materiais e imateriais de consecução desses objectivos, para manter um equilíbrio evolutivo entre esforço e retorno que satisfaça as condições de sustentabilidade do todo. Ora, um dos nossos problemas é a falta de agentes de racionalidade em largos estratos da actividade económica, enquanto certos "patrões" se constituem em factores privilegiados de delapidação dos meios de racionalização - em parte porque tardam(os) em compreender que os trabalhadores e as suas organizações podem ser agentes de racionalização.
Mas a resposta aos problemas que aí se colocam não pode ser alcançada sem a força do colectivo. Se a palavra "colectivo" assusta, pode dizer-se "mostremos todos maior responsabilidade em prol dos objectivos comuns, como produzir mais com os mesmos recursos, porque isso a todos convém". Mas isso, insisto, quer apenas dizer: reforçar o colectivo e o seu papel. O que passa por reforçar o poder dos trabalhadores organizados dentro da empresa.

3. Reforçar o papel do colectivo é reconhecer que as soluções têm de ser encontradas em conjunto - e que não caiem do céu directamente para a cabeça de empregadores impreparados. Para isso é preciso reforçar a negociação colectiva. Por exemplo, pelo alargamento das partes envolvidas. Os sindicatos terão razão em temer que se inventem "partes negociais" moldáveis para os substituir, mas, em muitos casos, a sua representatividade não cobre, por exemplo, os muitos que por malabarismos vários foram atirados fora do barco dos assalariados. E, assim, não se justifica o monopólio sindical da representação - até porque a diversificação dos actores talvez consiga diversificar os tópicos de negociação (outra forma de reforçar a negociação colectiva). Não parece, contudo, que favorecer o estreitamento do horizonte negocial (do sector para a empresa, por exemplo) contribua para reforçar o carácter racionalizador da negociação colectiva.
Reforçar o papel do colectivo é também admitir que o Estado age legitimamente se intervir para proteger os interesses legítimos que têm poucos meios para se fazer valer "espontaneamente". Quando a competitividade exigiria maior autonomia operacional do trabalhador, "o mercado" respondeu com o aumento do peso da subordinação por via de pressões informais (precarização nas suas múltiplas formas, internas às empresas ou derivadas do facto de a rede de empresas se ter tornado o verdadeiro quadro das relações de trabalho). Porque não alargar o campo de eficácia do direito de trabalho, dando aos tribunais um poder reforçado para requalificar o contrato de trabalho, quando ele (ou a ausência dele) tenha resultado de uma imposição da parte mais forte à parte mais fraca, numa forma infiel à relação efectivamente existente?
Conviria também alargar as possibilidades de gestão individual da flexibilidade, ligadas (por exemplo) ao desenvolvimento do direito à formação e à conciliação entre vida familiar e vida profissional. Talvez se pudesse fazer melhor para proteger a continuidade de uma trajectória de estatuto profissional, sem perda de direitos, quando essa trajectória inclui interrupções de carreira, formas atípicas de emprego, mudanças de emprego ou mesmo de carreira, regresso à escola, etc.
É ainda necessário ter em conta que o tempo disponível não é necessariamente tempo de repouso, que o trabalho projecta a sua sombra sobre o tempo disponível e que as obrigações da pessoa enquanto trabalhador não são as suas únicas responsabilidades. Se a flexibilidade é uma ameaça de subordinação acrescida - que é, por muito importante que ela seja para a competitividade das empresas - como se protegem os mais fracos em tudo isto? Talvez seja necessário reforçar as garantias processuais da parte mais fraca, para os casos em que as coisas podem correr mal, e não aligeirá-las, como se tem dito que é preferível.

4. Infelizmente, esta direita parece não perceber como seria importante para o país uma boa reforma da legislação do trabalho. Se percebesse, não desperdiçava a oportunidade fundamental que foi criada por iniciativa do anterior governo (sistematização que, além do seu valor intrínseco em termos de efectividade do direito, facilitaria um debate mais ordenado acerca das mudanças necessárias). Mas esta direita não percebe que uma boa reforma da legislação do trabalho nunca poderá ser aquela com que se identificam os que anseiam por uma "révanche" do capital contra o trabalho. Porque os que se alimentam dessa saudade não têm nada a dar à sustentabilidade real da economia portuguesa - porque nunca saberiam integrar-se na necessária coligação de vontades reformadoras dos que compreendem que a solução tem um traço comum com o problema: não será unilateral nem unidimensional.

[Sobre esta matéria, o Público brinda-nos com um título absolutamente mau, quer dizer, anti-jornalístico: UGT, CGTP e CIP contra e a favor de algumas das propostas de reforma da legislação laboral . Isto é mais ou menos como titular: "o SLB e o SCP ou empataram ou não empataram"...]

22.4.08

combustíveis verdes


(Clicar para ampliar. Cartoon de Marc S.)

a dama de ferro à portuguesa



PSD: Manuela Ferreira Leite vai candidatar-se à liderança .

Aguiar Branco desiste da corrida para apoiar Manuela Ferreira Leite .

Há uma diferença entre "gostar de MFL" e "gostar de que ela seja (ou venha a ser) líder do PSD".
Eu não gosto de MFL. Penso que ela representa uma forma de fazer política assente em princípios que não partilho (uma visão do mundo demasiado limitada pelos mecanicismos das finanças e demasiado distraída de outras dinâmicas) e também penso que ela cede inúmeras vezes ao "politicamente correcto" (dizer em dados momento aquilo que pensa que o seu eleitorado espera ouvir). Os políticos que aprecio são os que ousam dizer aquilo que os seus putativos apoiantes nem sonhavam. Essa é a razão pela qual, apesar de tudo, aprecio Sócrates.
Mas penso que será útil se MFL vier a ser líder do PSD. Porque vai permitir que o PSD ocupe o seu lugar na vida política nacional, começando a discutir coisas com sentido, em vez de passar o tempo a dizer tolices. E, fundamentalmente, porque MFL vai fazer com que o PSD reocupe o seu espaço na política nacional - desse modo obrigando o PS a ser mais rigoroso na sua pretensão de ser "esquerda moderna".
É que, se o PSD voltar aos seus bons tempos, o PS vai precisar de pensar mais, e de articular melhor discurso e prática, para que se perceba o que significa para os socialistas "ser de esquerda" e, ainda mais, ser de "esquerda moderna".
Essas são as dificuldades que dão interesse à democracia.

21.4.08

o canto das sereias e a complexidade do mundo







Homero, no Canto XII da Odisseia, apresenta o episódio do canto das Sereias.
As Sereias, na sua ilha, atraíam com um canto irresistível os marinheiros que navegavam ao largo, que assim se deixavam conduzir a uma armadilha mortal. Ulisses, avisado por Circe, sabendo que também ele e os seus companheiros não resistiriam à tentação, preparou-se para a ocasião explicando a situação à sua tripulação, tapando com cera os ouvidos dos seus marinheiros e ordenando-lhes que o amarrassem ao mastro do navio e que o prendessem ainda com mais cordas quando ele pedisse para o soltarem.
Ulisses não expôs os seus companheiros à tentação e garantiu que ele próprio, concedendo-se a oportunidade de experimentar a situação, seria impedido nessa ocasião de tomar a má decisão que nesse momento haveria de querer tomar: aceder ao armadilhado convite das Sereias.
Esta distribuição do processo de decisão revela uma competência sofisticada para, com antecipação, tornar evitável o que de outro modo (e para os que assim não procedessem) era uma inevitabilidade.

Teremos perdido a prudência inteligente de Ulisses?
Será o mundo já demasiado complicado para nós?


John William Waterhouse, Ulysses and the Sirens (1891)

para perceber melhor a lógica presidencial...

candidato surpresa a presidente do PSD

(Foto de Porfírio Silva. Budapeste, Março de 2006.)


Apesar de todas as movimentações dos do costume, e dos que se preparam agora para no futuro se tornarem os do costume, o que vai desequilibrar a balança é o recém-arribado, e ainda por desembrulhar, candidato-surpresa a presidente do PSD. Nós desvendamos parte do mistério.

[Marcelo exclui-se da candidatura e lança Ferreira Leite como melhor hipótese, isto depois de Patinha Antão também ter anunciado candidatura à liderança do PSD.]

20.4.08

socialistas


Segundo algumas formas de fazer as contas, o PS fez ontem 35 anos.

A propósito, trazemos aqui uma pergunta que, segundo o próprio (*), Mário Cesariny fez um dia a Mário Soares:

«Oh Mário, os socialistas não podem, não sabem ou não querem?».

É necessário reconhecer que muitos de boa fé fazem essa pergunta.

(*) cf. "verso de autografia / mário cesariny", editado por Miguel Gonçalves Mendes, o livro que acompanha o documentário "autografia".


ADENDA: O deputado socialista Vitalino Canas acusou hoje o líder parlamentar do PCP de “má-fé”, ao considerar incompatíveis as suas funções de porta-voz do PS com as de provedor dos trabalhadores temporários. Vitalino Canas diz-se provedor dos trabalhadores e não das empresas. Pode ser. Mas não seria possível evitar confusões entre representação política e representação de interesses, por mais nobres que sejam esses interesses? Aliás, os interesses das empresas, pelo menos em abstracto, são tão nobres como os interesses dos trabalhadores.

19.4.08

Visitantes



(Museu de Pera, Istambul, Março de 2008, Fotos de Porfírio Silva)

outro Pulo do Lobo?


Cavaco Silva: "Não falei com uma única pessoa sobre a crise no PSD".

Mas o Senhor Presidente não dissera antes que tinha opinião sobre a situação no PSD mas só a transmitia em público?
Será que temos agora mais uma versão do cinismo "estive no Pulo do Lobo e portanto não sei de nada"?
Ou muito me engano ou esta crise do PSD ajudará a compreender melhor, para quem não viu os sinais no passado, que tipo de político é Cavaco Silva.

PSD abdicou das directas...

18.4.08

o PSD e as lágrimas de crocodilo

parece que Portugal voltou a ser apetecível para governar

a dama de ferro à portuguesa

política de alianças


Crise social-democrata: Ferreira Leite disponível para candidatura de união no PSD .

Se o PSD encontrar um rumo credível, está definido o tema central do próximo congresso do PS: política de alianças.
Sim, porque uma maioria absoluta do PS, mesmo que tudo lhe corra bem, só é possível com o PSD abaixo dos mínimos. Basta fazer as contas ao método de apuramento votos/deputados nas eleições legislativas.
E já é tempo da democracia amadurecer ao ponto de não serem apenas os governos monocolores a conseguir alguma estabilidade e rumo constante. Os partidos que aspiram a governar devem aprender a negociar uns com os outros, tornando-se capazes de definir programas de governo que combinem várias aspirações.
Como fazem outros países, que concentram grande parte do seu esforço político em "montar" legislaturas coerentes a partir de resultados eleitorais complexos.

17.4.08

manifestar é preciso


(Resistance Training, de James C. Christensen)

Milhares de trabalhadores desfilam até ao Parlamento para dar "aviso geral" ao Governo.

Eu até acho que as manifestações podem ser um instrumento útil para mostrar certas disposições. Só espero, sinceramente, que os sindicatos sejam tão hábeis a negociar como a organizar manifestações. O que eu desejaria mesmo era vê-los tirar da cartola propostas novas que fizessem com que a competitividade económica crescente, por um lado, e os direitos dos trabalhadores mais protegidos, por outro, se tornassem mais claramente duas faces da mesma moeda. Em vez de continuarem a ser vistos como opostos.

Público enviesa


A propósito da assinatura do acordo entre Ministério da Educação e sindicatos, escreve o Público que "por agora, a ficha de auto-avaliação, a assiduidade, o cumprimento do serviço distribuído e a participação em acções de formação contínua são os únicos critérios a aplicar aos cerca de sete mil professores que até ao final do ano lectivo têm de estar avaliados".

O Público tem obrigação de saber que é enganador falar de "apenas" ou "os únicos" quatro critérios, porque a ficha de auto-avaliação, só por si, integra mais de uma dezena de critérios. Isto tem um nome: enviesamento da informação. Com um sentido determinado: dar a ideia de que o ME reduziu a avaliação a quase-nada para salvar a face.
Curiosamente, uma táctica de comunicação que coincide com uma ideia dos sindicatos para optimizar as suas "relações públicas" após o acordo. Ou "entendimento", como eles preferem dizer. Mas essa forma de falar fere o dever de apresentar um informação escorreita aos seus leitores.

qualificar os partidos

11:00
James Christensen, The Listener


[A propósito da situação no PSD: Aguiar Branco disponível para afastar Menezes e defrontar Sócrates. Mas o recado não vai só para , claro.]


A vida política portuguesa, como a de muitas outras democracias representativas, funciona mas tem debilidades estruturais sérias. Em minha opinião, essas debilidades estruturais explicam-se por um traço comum a muitos outros domínios da vida pública naciona: as instituições são fracas.


O que quero dizer com isto é que há, por todo o lado na nossa vida pública, instituições que deveriam cumprir certos e determinados papéis mas não têm os meios necessários, ou estão mal organizadas para o que deveriam, ou passam o tempo a cumprir tarefas menores em lugar de se concentrarem na sua missão central.

Um exemplo: quando um professor universitário passa grande parte dos seus dias em tarefas burocrático-organizativas, porque elas são necessárias às suas iniciativas fora-da-rotina e não há ninguém que as possa executar com fiabilidade, está a gastar tempo pago a "x à peça" numa tarefa que devia ser executada por alguém pago a "x/3 à peça". Esse é um sinal, mesquinho mas muito concreto, de fraqueza das instituições. Como demasiados polícias a preencher papéis. Ou autoridades inspectivas a fazer cumprir regulamentações obsoletas ou descabelhadas, que deveriam ser poupadas a montante por boa legislação em vez de legislação "por atacado".


Ora, a debilidade das instituições, sinal de um sociedade mal organizada, neste caso acompanhada por um Estado fraco que parece que ninguém quer que funcione, essa debilidade das instituições é muito visível também nos partidos políticos.


Só isto: para um partido fazer boa oposição, responsável e sã para o país, precisa de boa informação. Para poder concentrar-se nos assuntos importantes, em vez de se entreter com tolices baratas que chamam a atenção da comunicação social mas nada interessam ao futuro. Para um partido fazer boas propostas, tem de ter quem estude alternativas, quem alimente o debate, quem analise. Para um partido poder fazer promessas realistas em campanha eleitoral, e poder depois cumprir essas promessas sem prejudicar o país, precisa de meios para se preparar, para consultar os melhores, para estar informado do que se passa cá e do que se passa no mundo. E os partidos não devem estar dependentes dos seus amigos espalhados na administração para aceder a essa informação e a esses estudos. Mas, em Portugal, esse exercício é muito débil, inexistente quase.


Assim, se é preciso investir na qualidade da democracia portuguesa, é preciso investir na qualidade dos partidos como instituições capazes de criar alternativas de governação. A minha proposta é simples - e nem sequer é original (imita o modelo alemão). O Estado deve financiar, fortemente e sem dependência de calendários eleitorais, a criação e manutenção de um conjunto de fundações. Essas fundações teriam obrigatoriamente como objecto o estudo dos temas de política geral e das principais políticas públicas pertinentes para a governação. Seria apoiada uma fundação ligada a cada uma das principais correntes de opinião partidária representativas em Portugal (PS, PSD, PCP, CDS, BE). O partido do governo (no momento) teria também a sua, para não depender da espreitadela aos dossiers governamentais para se ilustrar. E todos os partidos da oposição teriam os meios para falar melhor, com mais credibilidade, dos verdadeiros problemas. Quanto mais não seja para não terem de "inventar" temas de oposição.


Aos muitos que clamariam contra "mais dinheiro para os partidos", nem chego a tentar responder. Não percebem o preço da barbárie.

Avisem os faroleiros


Façam o favor de prestar atenção ao blogue Enxuto, que acaba de nascer e que, se não me engano muito, dirá algo relevante sobre o domínio que se propõe lavrar.

Oferece-nos como programa:
«Este blogue destina-se a tratar assuntos relacionados com a língua portuguesa. Para além de ligações a outros blogues e páginas idênticas, pretendemos fazer aqui campanhas mensais para melhorar a qualidade do português e promover debates sobre questões de actualidade. A partir de hoje lançarei o primeiro debate e darei início à campanha do mês de Maio

Não vou aqui explicar o que me leva a ter confiança (mais do que esperança) no que será este blogue, dentro do que se propõe fazer. Mas, por uma vez, podem confiar na minha palavra.

lixo



De acordo com a Folha de S. Paulo (15-04-08), imagens de Agência Espacial Europeia mostram lixo espacial na órbita da Terra.
Que bom que não fizeram muito zoom sobre nós.
(Cada um tome o "nós" na acepção que lhe parecer mais apropriada.)

a vida não cabe na lei, embora as leis tenham de existir


A lei do divórcio foi [ontem] aprovada pela esquerda parlamentar e os votos contra do PSD e do CDS-PP. O diploma teve o voto contra da deputada do PS Matilde Sousa Franco, a abstenção da deputada Teresa Venda e mereceu o voto favorável de sete deputados do PSD e a abstenção de 11, entre os quais Pedro Duarte, da direcção da bancada e Jorge Neto.

Seria bom para o sistema político que acontecesse mais vezes haver divergências públicas claras, levadas até ao fim (até ao voto), dentro dos grupos parlamentares. A ver se se percebia melhor que os deputados, apesar de alinhados em partidos (como deve ser, acho eu), mantinham uma saudável tradução da diversidade que atravessa a sociedade e que não pode ser reduzida ao "ser do partido X" ou "ser do partido Y". Porque a vida é muito mais complicada. E mais rica. E ainda bem.

rotunda da boavista

16.4.08

truques orientais


Paquistão: percurso da chama olímpica limitado a estádio de Islamabad .

Boa ideia. Podia mesmo fazer-se os jogos olímpicos nos hotéis de alojamento dos atletas. Por enquanto, na China. Mas, se a coisa se complicar, cada um a partir do seu próprio país.
Outras formas de aplicar a mesma boa ideia: em vez de ir de carro para o emprego, ir de roda. Em vez de comer o rebuçado, comer o embrulho. Em vez de ir à praia, lavar a cara.
Ou: em vez de ter um governo, ter uma comissão de gestão. Que é o que muitos queriam que o actual governo fosse.

a ASAE das condições de trabalho


Número de acidentes mortais no trabalho ascende a 29 desde Janeiro, informa o inspector-geral do Trabalho.

Porque é que não dão meios e orientações à Inspecção de Trabalho para que passe a ser tão interveniente como a ASAE?
É que, tirando aqueles que acham que cada indivíduo deve ter a "liberdade de cair abaixo do andaime que lhe apetecer", os demais já estamos fartos de um país em que o respeito pela segurança dos trabalhadores está, em certos sectores, ao nível do terceiro-mundo.

teoria da conspiração em versão "bonecada"

votar suja os dedos



Sim. Meter palavras nesse caldeirão que é a democracia, particularmente quando não se vai na corrente da opinião à boleia do vento, mancha a imagem de candura que alguns preferiam ter.
Mas... é a vida, como dizia o outro.
E devemos orgulhar-nos disso.
Se for preciso, levantando o dedo sujo de votar.

do COGIR ao paradoxo de Monty Hall


O COGIR faz anos.

Faz 2 anos. E lembra-se disso. Confesso que sempre achei engraçado que haja blogueiros que se lembrem dessas coisas. Aliás, até há um blogue que lembra os aniversários dos outros blogues.
Aproveito para sublinhar uma das postas recentes do COGIR. Por revelar algo contra-intuitivo acerca de circunstâncias que podem ser do quotidiano. O Paradoxo de Monty Hall. Sigam o link da Wikipédia e verão como a coisa tem que se lhe diga.

PSL e a vitória de Berlusconi

Autoeuropa

eles têm razão


Para incentivar alunos a participar na vida das escolas:
Associações de estudantes do Básico e Secundário promovem Semana pela Democracia
.

Aqueles que ajudaram a matar o associativismo estudantil, tirando-lhe poder de intervenção sobre questões educativas dentro das escolas e no país, roubando-lhes representatividade a troco de uns trocos para fazer entretenimento, esses são também grandes responsáveis pela degradação das escolas.
As associações de estudantes foram escolas de cidadania para muitos. Mas o poder político míope não descansou enquanto não as infantilizou, "enquadrando-as" como associações recreativas e prestadoras de serviços (do tipo festas da cerveja e serviço de fotocópias). E isso paga-se caro, como sempre se paga caro o défice de participação cidadã.
E as culpas têm muitos consortes: o PS, o PSD e o CDS, visando tapar o caldeirão da contestação; as várias "esquerdas do PS" desejosas de correias de transmissão, manipulando o que devia ser livre.

É, aliás, em parte, também a história da gestão democrática das escolas. Mas essa é outra guerra.

chamem-lhe novo contrato social, se quiserem


O Banco de Portugal avisa que crise orçamental não foi ultrapassada.

É por isso mesmo que é perigoso andar o governo a dar a ideia de que chegámos (outra vez) ao oásis.
O que seria preciso: ser claro acerca dos esforços que ainda estão por fazer; identificar o que isso custa a cada um (cada grupo); precisar o que ganharemos com isso, o país e as pessoas; avançar na base de uma justa distribuição do esforço e de equidade na distribuição dos resultados.
Disso tudo, o que está a ser esquecido?

(Caso contrário, isto pode dar para o torto: Portugueses já estão a pagar taxas de juro mais altas e a situação pode agravar-se. E depois não digam que é sempre o mexilhão que tem a culpa.)

a cegueira pode curar-se com algum pensamento


Clínicas privadas acusadas de discriminar utentes do SNS .

Ainda há quem não perceba por que razão o Estado não pode demitir-se e deixar tudo por conta dos privados. Ainda há quem pense que o Estado só deve ficar com as "funções de soberania", o que, para alguns, seria encarregá-lo apenas daquelas coisas que são necessárias à protecção da propriedade privada e dos contratos. Ainda há quem pense que tudo pode ser negócio. E só negócio.
Quem assim pensa são os cegos.
Perdoem-me os invisuais, se os ofendi.

o skate papal

o fellatio de Marilyn

eu também

15.4.08

De la fe en el mercado a la fe en el Estado

«Incluso los neoliberales más radicales suplican ahora el intervencionismo del Estado en economía y mendigan las donaciones de los contribuyentes. Eso sí, cuando había beneficios, los consideraban diabólicos», escreve Ulrich Beck no El País.

feito na School of the Art Institute of Chicago

Este já era nosso conhecido, não era?




Mas este menos, certamente:



(Clicar, amplia.)

não se brinca com coisas sérias

já não era sem tempo

quem procura o confronto?

a educação da democracia

Ana Benavente, ex-secretária de Estado da Educação do PS, acusa sindicatos de cederem a chantagem sobre a avaliação dos professores. Compreendo: todos aqueles que, no passado, tiveram responsabilidades na Educação (incluindo alguns que estão no actual governo) e "deixaram andar" sem mexer em coisas essenciais, como a avaliação, são capazes de estar incomodados com a coragem da actual Ministra. Alguns engolem, outros preferem evitar que se faça agora o que não souberam, ou não tiveram por bem, fazer no seu tempo.
Entretanto, Fenprof admite não assinar o entendimento com o governo, se não for essa a vontade da maioria. Quer dizer: parece que os problemas da "democracia representativa" não tocam só o poder político propriamente dito. Também tocam os "representantes dos trabalhadores" que se guiam por uma agenda político-partidária, e por umas contas de merceeiro acerca de ganhos e perdas, em vez de pensarem no futuro dos seus representados.
O Marcelo Caetano, lembram-se?, também pensava que, desse no que desse, o regime havia de aguentar. Mas não aguentou. Alguns, hoje em dia, parecem pensar que este regime também há-de aguentar todas as malfeitorias. Mas isso não é certo. Todos os regimes políticos podem morrer. Principalmente se os seus agentes forem deste calibre de responsabilidade.

tinha era obrigação de se dar ao respeito

Tinha era obrigação de se dar ao respeito, em vez de assobiar para o ar. Ou, o que dá o mesmo, meter toda a gente no mesmo saco. É que os que são insultados e discriminados todos os dias pelo ditador não podem ser confundidos com o próprio ditador. Falar simplesmente de "conflitos artificiais" para referir a situação é recusar falar verdade, é esconder-se. E não se espera de certos responsáveis institucionais que se limitem a baixar a cabeça para evitar que a realidade lhes toque. Especialmente quando se encontram no olho do dragão.

se deixar a Europa como deixou Portugal...

nem é preciso chegar ao governo para começar a afiar o lápis azul

14.4.08

a pirâmide deve ser revista

o acordo: acordar ou adormecer?

Ainda o acordo entre o Ministério da Educação e sindicatos sobre a avaliação de docentes:
Quer dizer: variados partidos, que antes reclamavam o diálogo entre as partes, agora dizem que o resultado do diálogo é a derrota de uma dessas partes. A capacidade desses partidos para apresentar uma concepção alternativa (mais construtiva) de diálogo social revela-se nula. Apesar de, nessa frente, até haver espaço para explicar ao governo algumas coisas que este parece não ter compreendido. (Explicar, por exemplo, que a posição dos sindicatos não se traduz automaticamente na posição dos professores.)
Quanto aos que apoiam sem reservas a "nova atitude" do governo (por exemplo os meus amigos que se espantaram por eu não mostrar entusiasmo pelo acordo acima mencionado), sempre lhes deixo a pergunta: dada a actual posição "dialogante" do governo, como é que o PS se vai apresentar às próximas eleições?
Vai pretender que já se fizeram todos os sacrifícios que havia a fazer para relançar o país, enganando o povo acerca da necessidade de fazer mais e novos esforços para nos modernizarmos, e assim abandonando o impulso reformista?
Ou vai "prometer" que, passadas as eleições, voltamos à estratégia do duche escocês, com três anos de gelo seguidos de um ano de águas mornas?
Ou será que alguém fantasia que esta estratégia de "doce após o amargo" pode deixar de ser explicada ao eleitorado?

um reino de cobardes

Cavaco Silva rompe com a tradição ao não ter sessão solene no Parlamento da Madeira. “Eu acho bem não haver uma sessão solene, acho que era dar uma péssima imagem da Madeira mostrar o bando de loucos que está dentro da Assembleia Legislativa”, justificou Jardim no sábado.

Num país que se preze (que se prezasse) os cobardes que, por cá, justificam e acomodam o ditador, seriam banidos pelo desprezo público. Mas não, eles não só sobrevivem como continuam a candidatar-se e a ser eleitos.

13.4.08

aprisionar os contribuintes


Ficamos, por vezes, espantados com coisas a que não estamos habituados. Mas, pensando bem, se calhar temos de alinhar as nossas percepções gerais com o seguinte critério: deve ser mais fortemente perseguido aquilo que mais fortemente prejudica a comunidade. E, aí,muitos casos mudam de figura.
É que os crimes não são como os pecados: os pecados (para certos entendimentos religiosos) dizem respeito à obediência a uma entidade imutável, enquanto os crimes dizem respeito à sociedade. E esta muda, pela nossa acção e pela dos outros. E, também por nossa acção, certos incumprimentos, que até podem ter sido veniais no passado, tornaram-se capitais. Por demasiado praticados avolumaram-se em grande prejuízo para a comunidade.
É esse o ponto onde as nossas antigas percepções se calhar devem mudar. E onde se calhar teremos de reconhecer que o choque que certas medidas nos causam mostra, melhor do que nada, que os antigos procedimentos e compadecimentos talvez tenham de ser revistos.

12.4.08

Luís Filipe Alberto João Menezes Jardim

O presidente do PSD, Luís Filipe Menezes, depois de ter estado tentado a desfilar avenida abaixo ao lado dos professores contra a Ministra da Educação (por pouco não se filiava num sindicato para disfarçar), diz agora que "o acordo entre professores e Ministério da Educação é mais um sinal de recuo e da capitulação do Governo". Será que o homem, apesar de declarada intenção de copiar o estilo Alberto João, nem esse consegue imitar?

violência e política

No gratuito Sexta, escrevia ontem Joana Amaral Dias, a propósito do julgamento de cabeças rapadas, algo que vale a pena sublinhar: "Há mais de duas décadas que [em Portugal] só existe violência política com origem na extrema-direita: desde matar um sindicalista por esfaqueamento até assassinar um português por ser mulato."

avaliação de um país

Sindicatos e Ministério da Educação chegaram a acordo. O acordo em si e o processo para lá chegar dizem muito sobre a qualidade da vida pública portuguesa.

Primeiro. Quando trabalhadores do serviço público (professores) anunciam publicamente que não vão cumprir a lei (vão recusar fazer a avaliação prevista por lei), e os sindicatos fazem voz grossa a anunciar até quando toleram que a ministra seja ministra, está tudo dito. De hoje a amanhã os polícias só prendem se lhes apetecer e por aí adiante. E as oposições, tanto de direita como de esquerda, agradecem que os sindicatos façam o trabalho de que elas não são capazes. A função de governar e de discutir a governação (política) e a função de representar interesses laborais (sindicalismo) estão baralhadas e já ninguém se espanta com isso.

Segundo. A negociação mostra onde está a cabeça dos sindicatos. O que seria desejável numa negociação era que ambas as partes defendessem as soluções mais capazes de conciliar o seu interesse próprio com o interesse comum. Por exemplo, eu veria os professores, que se queixam (provavelmente com razão) de falta de condições para cumprir muitas das suas missões, a exigir que uma avaliação mais exigente fosse acompanhada de estas e aquelas concretas melhorias nas suas condições de trabalho e de exercício funcional. Mas não: no momento de negociar, que é sempre um momento de troca por troca, todas essas queixas se desvanecem face ao objectivo de adiar e aligeirar tanto quanto possível a dita (e indispensável) avaliação. É a lógica de fazer com que as negociações resultem sempre num degrau descido, em vez de resultarem num degrau subido. A Ministra, por seu lado, atreveu-se a uma guerra e agora espera que os mortos e feridos sirvam para alguma coisa em futuras batalhas. E, certamente, o seu comportamento foi gerido pela nova fase da governação: a campanha eleitoral.

Grande país. Quem contará a história aos netos?

11.4.08

Europa a menos

"Estamos preocupados com a divergência das taxas de juro no âmbito do crédito ao consumo", afirmou a comissária europeia para os direitos dos consumidores Meglena Kuneva, dando como exemplo a taxa aplicada em Portugal, que em 2007 superou os 12 por cento, "o dobro da taxa mais baixa da União Europeia ". "Esta divergência das taxas de juro evidencia o enorme potencial de um mercado interno da UE funcionar correctamente", afirmou a comissária hoje em Lisboa.
Quer dizer: a maioria das transacções continua a ter ligação aos mercados nacionais, deixando os consumidores de cada país presos à oferta de crédito nacional, sem poder usufruir de maior concorrência entre entidades oferecendo crédito no plano europeu.
Isto é: mais um exemplo de "Europa a menos".
Se ao menos a esquerda anti-europeia percebesse isto...

morrer por uma ideia

Uma das coisas que mostram que estou mais velho é que deixei de achar nobre "morrer por uma ideia". Na minha juventude achava essa expressão o representante máximo do idealismo. Hoje tenho a impressão que se trata do representante máximo da estupidez (ou da classe das ideologias de ferro). Actualmente tendo a crer que só vale a pena morrer por pessoas concretas. Ou causas concretas, se "causas" puder ser traduzido por um conjunto de pessoas concretas numa situação concreta. É assim a velhice.

indisciplina

"Caso Carolina Michaëlis: DREN apresenta queixa contra uso público do vídeo", informa o Público. É que a Directora Regional de Educação do Norte considera que as imagens são violadoras da privacidade dos envolvidos.
E tem toda a razão. Há indisciplina na escola, há sim senhor e isso é reflexo de muita coisa que está mal na nossa civilização e não apenas na escola. É que a necessidade de "autoridade" não é uma invenção da direita, como alguma "esquerda" imagina. Mas não é só na escola que há indisciplina.
Que os órgãos de comunicação social se comportem, em alguns casos, como se os seus interesses de audiência estivessem acima de tudo e de todos, isso também é um sinal do mesmo tipo de indisciplina. Aquela indisciplina que reflecte a falta de valores, ou valores desordenados. Aquela indisciplina que mina a verdadeira autoridade, porque despreza a pessoa.
Por isso digo: ainda bem que, ao arrepio das conveniências mediáticas, alguns servidores do Estado se batem contra o abuso que consiste em explorar os problemas de pessoas concretas até à exaustão, apenas em obediência ao ditame das audiências. Ainda bem que se batem contra o circo, mesmo que esse circo seja muito popular.

serviço público

Até concordo com muitas coisas que se têm estado a tentar fazer quanto ao papel e às condições dos que são por profissão servidores do "Estado". Mas sinto sempre que há algo de essencial que passa ao lado.
O país precisava de uma administração com valor próprio, com voz própria - onde não sejam os assessores e adjuntos dos gabinetes governamentais (invocando, por vezes em falso, o "santo nome" de "sua excelência") a ditar aos directores-gerais a "linha justa".
O país carece de uma administração onde seja claro que ninguém sobe por favor - e que ninguém desce por discordar; de uma administração onde os lugares de topo sejam ocupados por gente de topo, indivíduos invejados não pelo seu lugar mas pela sua competência, disputados pelo sector privado mas desinteressados da mudança por terem boas condições e por pertemcerem à ética do serviço público.
O país necessita de uma administração onde predominem as grandes carreiras: gente que tenha escolhido, para a vida, o ponto de vista do serviço público. Sem prejuízo de ocupação temporária de funções noutros enquadramentos, mas sempre respeitando regras estritas e obedecendo sempre ao princípio de "primeiro o serviço público".
Queremos ter directores-gerais, para só falar neles, que fiquem muitos anos nos seus cargos, apesar de mudarem os governos e de mudarem os ventos. Porque eles devem lá estar para ajudar a formar boas decisões, informadas e substanciadas, e não para se acomodarem à política do momento. Sem prejuízo, claro, da lealdade devida às legítimas "políticas do momento".
Carecemos de uma administração com recursos humanos suficientes para cumprir as suas missões, com gente suficiente para formar boas equipas para enfrentar qualquer tarefa essencial à preparação de uma boa decisão, sem estar sempre a recorrer a consultores e a empresas exteriores para fazer coisas essenciais à orientação da acção do Estado.
Um país relativamente pobre, face aos seus vizinhos e parceiros mais directos, precisa de um Estado forte. E para isso precisa de uma administração pública forte. E para isso não basta "pôr os funcionários na ordem". Para isso não basta a ideologia do défice (embora eu seja favorável a contas públicas sãs e ao esforço para lá chegar). E para isso não bastam as lojas do cidadão: atender bem o cidadão é importante e ainda bem que se percebeu isso. Mas também é importante que a administração pública seja um banco de inteligência, actualizada e mobilizável ao serviço do país. E nessa direcção não vejo grandes sinais de esperança.

(Ler no Público.)

os ideólogos de serviço e o divórcio

A propósito do projecto de lei do PS sobre o divórcio há um fervilhar de críticas, na blogosfera e nos comentários nos sítios de notícias, acusando-o de paternalismo, de querer proteger por via legislativa o que é do domínio do amor, de concepção orwelliana do Estado, etc., etc.. Trata-se, apenas, digo eu, de refugo ideológico do liberalismo radical e mal (in)formado.
Esse cego ideológico está distraído do facto de que todas as evanescentes e etéreas e sublimes relações humanas não seriam nada disso se vivessemos na selva. Na selva não há o puro amor desinteressado por que pugnam aqueles a quem horroriza que se protejam os mais fracos contra o abuso dos mais fortes. E o abuso da força, do domínio, do poder impositivo, o abuso da capacidade de amachucar, é algo que muito frequentemente se mostra ao mundo precisamente a propósito do amor: nomeadamente, quando o amor acaba. E o divórcio - ou a sofrida ausência dele, ou as nódias na alma que dele ficam - sobrevém.
Poderiam, por uma vez, os ideólogos de serviço atender um pouco ao concreto, ao que realmente se passa na vida das pessoas banais, deixando de lado o pecado das grandes generalizações?

10.4.08

professores: o princípio da regressão na carreira

(Porto, Rua de Santa Catarina, Maio de 2006, Foto de Porfírio Silva)

"Sindicatos admitem apenas avaliação simplificada e uniforme dos professores contratados", titula o Público. E acrescenta: "Depois do Ministério da Educação (ME), foi a vez da plataforma que reúne todos os sindicatos dos professores dar um passo atrás nas suas exigências".

Este é o estado da negociação colectiva em Portugal: tanto o Estado como os patrões são incentivados a tentar impor soluções que nunca passam por verdadeiras negociações.

Em primeiro lugar, porque na maior parte dos casos os representantes dos trabalhadores, nomeadamente sindicatos, também não têm nada para negociar e apenas tentam manter o estado de coisas, assentes numa mentalidade de retaguarda que só pensa "manter tanto tempo quanto possível o que já temos", em vez de pensar "que novos direitos serão mais consentâneos com as novas realidades". Assim, quem quer mudar alguma coisa tem, na maior parte dos casos, de forçar a mão.

Mas, e em segundo lugar, na maior parte dos casos também os representantes do Estado e os representantes dos patrões não têm ideias novas acerca de como colocar uma negociação em bases que fujam das alternativas estafadas. O caso dos professores é um bom exemplo de como perdemos, ou nunca chegámos a ter, o bom hábito de verdadeiramente negociar. Se calhar somos demasiado manhosos para isso.

Face a isto, quando parece que já só se trata de "salvar a face", apetece introduzir uma "progressão na carreira ao contrário". Se os sindicatos só aceitam que sejam avaliados os professores que disso precisam para progredir, então introduzimos o princípio da regressão na carreira: quem não for avaliado, "avança para trás". Depois talvez os sindicatos concordem com a avaliação de todos aqueles que estejam em risco de "recuar na carreira".

divórcio

A propósito da proposta do PS para a revisão da lei do divórcio, o Público noticia que o PS quer que os pais participem em todos os “actos de particular importância” da educação dos filhos e que passe a constituir crime de desobediência o incumprimento do “exercício conjunto das responsabilidades parentais” no que toca aos “actos de particular importância". Mais se informa que, a ser aprovada a nova lei, ela estabelecerá, no tocante à atribuição de alimentos entre ex-cônjuges, o princípio de que cada um “deve prover à sua subsistência” e que “a obrigação de alimentos tem um carácter temporário, embora possa ser renovada periodicamente”. E ainda que o credor de alimentos não terá automaticamente o direito de manter o padrão de vida que gozou enquanto esteve casado.
Assim, pela amostra, talvez estivessem equivocados aqueles que já anunciavam que a nova proposta do PS se destinaria, principal se não exclusivamente, a fazer do casamento uma rebaldaria que qualquer um poderia descartar a seu bel-prazer. Vejamos.

Ler a notíciai do Público em linha aqui.

Precaridade no trabalho, economia e coisas que faltam por cá

09:09
João Abel Manta, muito prazer em conhecer vocelência

Lê-se hoje no Público que o Governo se prepara para alterar leis de modo a reduzir trabalho precário, com o reforço da contratação colectiva e da adaptabilidade interna das empresas.
Não está ainda em cima da mesa um desenho muito concreto das formas que revestirá essa intenção quando levada à prática. Mas o ponto é essencial para reequilibrar a posição do trabalho no esforço nacional.

Até agora, não em todas mas numa imensa maioria das empresas portuguesas, vigora o antigo princípio soviético: "eles fazem de conta que nos pagam, nós fazemos de conta que trabalhamos". Os empresários, que quase sempre são "patrões", não têm nenhuma ideia certa acerca de como fazer progredir a sua empresa em condições de mudança acelerada e, em milhentos casos, são péssimos gestores. Muitos só sobrevivem ainda porque Portugal desbaratou fundos comunitários a tentar evitar a morte de empresas doentes, em vez de os investir em criar ambiente para o surgimentos de novos empreendimentos. Os trabalhadores, muitos deles não apenas carentes de formação profissional, mas também desprovidos daquela qualificação social que resulta da cidadania activa, com direitos e deveres de participação, não são, quase nunca são, tidos nem achados na vida das suas empresas - e pagam isso com desinteresse pela sorte económica dos seus "patrões". Assim, a empresa, que devia ser um lugar de convergência de interesses sociais de pessoas diferentes, nesta época pós-socialismo-real, continua a ser um lugar de cinismo social. Desiludam-se: não estou a falar de algumas empresas. Estou a falar da esmagadora maioria, nomeadamente daquelas tão benzidas PMEs. As outras, embora estejam a ganhar terreno, continuam a ser a minoria muito pequena.

Ora, assim não é possível desenvolver o país. Para desenvolver o país é preciso um novo contrato social entre empresários e assalariados. É preciso mobilizar todos para um esforço maior, mas é preciso garantir que os benefícios resultantes sejam distribuídos equitativamente: quer dizer, dando a cada um o prémio pelo seu esforço, para que nunca mais o dinheiro de todos vá para Ferraris nas mãos de maus patrões. Para isso é preciso reinventar a contratação colectiva, trazer novos temas para a negociação entre empresas e trabalhadores, inventar soluções mais ousadas e mais adaptadas ao ambiente económico mais imprevisível, deixar mais vias abertas para que numa empresa concreta gestão e trabalho decidam entre si como organizar a produção. É preciso deixar mais margem de manobra ao concreto e evitar que a lei, querendo ser protectora, seja um impecilho.

Agora, cautela: para que isto não se torne num grande circo daqueles industriais que estão sempre à procura de alterações legislativas que os deixem ser tiranetes nas suas empresas, mesmo que isso não traga qualquer vantagem económica ao bolo comum; para que se esteja de facto a avançar para uma convergência de interesses em nome do aumento da produtividade, da competitividade, do emprego e da coesão social, da melhoria da posição do trabalho na economia nacional; para isso, a aposta decisiva é reduzir drasticamente a precaridade, apostar em "forças de trabalho" organizadas, com poder e com capacidade para contribuir para o sucesso das empresas. E isso só pode ser conseguido com relações laborais em que a representação dos trabalhadores tenha mais peso, em que os trabalhadores estejam mais protegidos contra a arbitrariedade, em que a lógica económica seja mais reconhecida mas o poder pessoal discricionário dos "patrões" sobre os assalariados seja fortemente limitado.

Claro, para isso precisamos, provavelmente, de outros sindicatos. E, se calhar, para isso precisávamos de ter outra "esquerda" política. Mas isso se calhar já é pedir demais, não será?!

se há países emergentes, também haverá... imergentes?

(Cartoon de Marc S.)

9.4.08

saúde: proximidade, em vez de industrialização

O Público noticia hoje que "Médicos de centros de saúde voltam a estar disponíveis para ir fazer consultas a casa". Isso acontece no quadro da reforma dos serviços de saúde (Unidades de Saúde Familiar).
Essas são as coisas que importam, longe do burburinho dos conflitos pontuais que vendem jornais e telejornais. Esse é o país que avança - e que por isso não interessa aos vendedores de milagres.
Essas são as coisas importantes: que tiram os momentos mais difíceis das nossas vidas da lógica fabril e os passam para a lógica do círculo de intimidade, conforto, proximidade.

8.4.08

banda desenhada

No blogue Divulgando Banda Desenhada, em posta datada de 23 de Março e intitulada “Falando de Blogues, Sítios e Portais de Banda Desenhada”, escreve-se sobre o Machina Speculatrix no contexto de uma recolha aprofundada de sítios que têm interesse para apreciadores de BD. Ficamos honrados com essa referência é claro.

Escreve-se lá o seguinte: Machina Speculatrix - Qualquer visitante se interrogará por que motivo, a seguir à alínea 9 não se segue a 10, mas a X, dedicada a "Banda Desenhada e outros temas", e nela estarem visíveis oito erótico-pornográficas pranchas da obra "A Metamorfose de Lúcio", desenhada por Milo Manara. Porfírio Silva, o bloguista, investigador científico, conhece bem Apuleio, "o último grande autor da Antiguidade pagã", e por isso tem aqui este interessante devaneio, através de comentários e imagens por ele seleccionadas.

Muito haveria a dizer sobre isto, nomeadamente sobre o "erótico-pornográfico", mas não cabe de momento. Mas lá que agradecemos a menção, isso é verdade.

a chama olímpica prossegue a sua marcha...

... protegida por diversas espécies de cinismo e hipocrisia.

(Cartoon de Marc S.)

7.4.08

Ciências do Artificial

O Ciclo de Conferências “Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais” suscitou um número interessante de reacções em variados locais na rede, designadamente (mas não apenas) em blogues. Por exemplo:

no De Rerum Natura
em Ciência.PT
no Diferencial, jornal dos estudantes do Técnico
no Ciência ao Natural
em Ciência Viva
em JoanaRSSousa
na página do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa
no Páginas de Filosofia
no Telegrapho de Hermes
no Muita Terra
no A ver o mundo .

Um aspecto interessante de muitas reacções ao tema é, para dizer o mínimo, desconfiança. Outro aspecto, menos interessante mas muito espalhado na blogosfera, é a ignorância arrogante: a partir de informação zero fazem-se inúmeras afirmações categóricas.

Com respeito pela desconfiança, e com alguma comiseração pela ignorância arrogante (o que me choca não é a ignorância, porque todos somos ignorantes de quase tudo; o que me choca é a arrogância, mesmo quando não é ignorante) acho útil dizer qualquer coisa a bem de quem queira ir além das ideias gerais sobre estas questões.

Assim, e para começar, gostava de esclarecer o que segue: os cientistas e filósofos que estudam as questões do artificial (inteligência artificial, vida artificial, "animats", etc.) não têm todos a mesma perspectiva sobre o que se faz nesses campos, nem sobre o que se deve fazer, e muito menos sobre o significado do que se anda a fazer.
Alguns acham que já se compreende o essencial, outros acham que ainda não se compreende praticamente nada.
Uns acham que o que é típico do humano é ser "calculador" e isso pode ser reproduzido facilmente em máquinas, outros acham que o artificial não atinge o "significado" e por isso não chegará longe.
Uns acham que a investigação sobre o artificial é perigosa, outros acham que ela é necessária para compreender o que já hoje se faz e as consequências que daí podem advir.
E, afinal, o que se pensa sobre o artificial tem, as mais das vezes, muito a ver com o que se pensa sobre o humano.
Assim sendo, o que eu sugiro é que não nos devemos convencer facilmente de que já sabemos o que é o "artificial" hoje em dia.
Para começar, quase como "pré-interrogação", sugiro as seguintes postas de um antigo blogue meu, inactivo há muito:
O xadez dos computadores
Breve história da máquina de Turing
Robots futebolistas em Lisboa

E neste blogue actual, por exemplo:
Vida Artificial, o que é isso? 1/4
Vida Artificial, o que é isso? 2/4
Vida Artificial, o que é isso? 3/4
Vida Artificial, o que é isso? 4/4

Uma introdução a ELIZA
ELIZA, o psicoterapeuta automático
Uma consulta de ELIZA
O mecanismo interno de ELIZA
O que os computadores podem mas não devem fazer
Onde ELIZA leva à questão ética

Ou ainda, para ver uma amostra das possibilidades de ligação entre natural e artificial, o seguinte apontamento:

Controlo mental

Ou para um exemplo dos robots que existem nesta selva de "artificial":
Certos robots que por aí andam

Depois desta viagem, mesmo assim muito ligeira e muito fragmentária, por alguns dos terrenos das "ciências do artificial", um diálogo será mais informado e mais produtivo. E, para esse, quando aparecer, cá estaremos.

4.4.08

Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais

Reproduz-se de seguida o texto que constitui o rationale do ciclo de conferências com o título genérico acima, que começa já na próxima segunda-feira no Instituto de Sistemas e Robótica - Instituto Superior Técnico. Mais informação clicando aqui.

1. As ciências do artificial

Podemos designar por “ciências do artificial” aquelas teorias e práticas científicas que procuram realizar em máquinas concebidas ou construídas pelos humanos certos comportamentos ou capacidades que tenham sido definidas como objecto de atenção por terem sido consideradas típicas dos próprios humanos ou de outros animais que encontramos na natureza. Exemplifiquemos.
Em 1997, Garry Kasparov, considerado por muitos dos seus pares como o maior xadrezista de todos os tempos, foi vencido por uma máquina programada. O Deep Blue, com hardware e software concebido especificamente para derrotar um humano no jogo de xadrez, foi o primeiro computador a vencer um campeão mundial da modalidade num encontro organizado de acordo com as condições tradicionais de torneio.
O xadrez, uma actividade altamente intelectual, um jogo que até pode dispensar um suporte físico (há jogadores capazes de jogar “às cegas”, sem tabuleiro e sem peças, retendo apenas na memória toda a informação necessária lance após lance), foi considerado um representante digno da racionalidade humana, tendo essa consideração estimulado o xadrez computacional que produziu o Deep Blue – e, depois dele, muitos programas “banais”, hoje disponíveis comercialmente por preços irrisórios, capazes de correr em qualquer computador pessoal nas nossas casas, que desesperam qualquer médio jogador humano de xadrez por serem extremamente difíceis de vencer.
O xadrez computacional é um representante ilustre de uma abordagem conhecida (desde 1956) por “Inteligência Artificial” (IA).
Em 2004, enquanto equipas de humanos jogadores de futebol disputavam em várias cidades portuguesas o Campeonato da Europa de Futebol (o Euro 2004), equipas de robots jogadores de futebol disputaram em Lisboa o RoboCup 2004 – a edição anual do Campeonato Mundial de Futebol Robótico. Para alguns dos cientistas que inspiraram originalmente esta iniciativa internacional de investigação e educação em Inteligência Artificial e Robótica, o objectivo é que até certa de 2050 uma equipa de robots humanóides vença num jogo de futebol a equipa humana campeã do mundo da modalidade, segundo os regulamentos da respectiva federação internacional.

Talvez à primeira vista possa parecer que jogar futebol não deveria contar como uma actividade muito representativa dos comportamentos e capacidades dos humanos. Contudo, se não sobrevalorizarmos as actividades mais intelectuais e dermos o devido valor às competências encorpadas como parte da inteligência sofisticada que gostamos de identificar na nossa espécie, podemos ver a questão de outra maneira. Afinal, há certamente mais humanos capazes de jogarem futebol do que humanos capazes de jogarem xadrez (mesmo sem considerações acerca da perícia que conseguem exibir). O futebol robótico, que implica comportamentos fisicamente realizados num espaço real a três dimensões, requer competências que nos parecem correntes em criaturas naturais do reino animal, mas requer também um comportamento colectivo de uma equipa em competição com outra equipa – dimensões que, estando ausentes do xadrez dos computadores, também implicam alguma forma de inteligência.
O futebol robótico enquadra-se numa abordagem designada genericamente por “Nova Robótica”.
Ora, tanto a Inteligência Artificial como a Nova Robótica pertencem às “ciências do artificial” – a par de outras linhas de investigação, como a “Vida Artificial” que, explorando a ideia de que não são os materiais, mas as formas, que mais importam no fenómeno da vida, procura “formas de vida” em computador.

2. A robótica colectiva

Há toda uma história que medeia entre a IA clássica, exemplificada pelo xadrez computacional, e a robótica colectiva, exemplificada pelo RoboCup, enquanto modalidades diferentes da tentativa para construir máquinas capazes de suplantar o humano em actividades que consideramos próprias da nossa espécie.
Uma forma de pensar essa história consiste em, primeiro, assinalar que no cerne da IA clássica estão três grandes esquecimentos: esquecimento do corpo, esquecimento do mundo, esquecimento dos outros. E, depois, sublinhar que a Robótica Colectiva pode ser vista como uma forma de superar num mesmo movimento esses três esquecimentos. Em vez da inteligência sem corpo, encarada como algo puramente mental, a robótica colectiva corporiza a inteligência em robots fisicamente realizados. Em vez da inteligência sem mundo, realizada num software encerrado num computador pousado numa mesa, a robótica colectiva coloca os robots em ambientes físicos em larga medida naturais. Em vez da inteligência fechada na “cabeça” como sala de controlo central interior de um indivíduo isolado, a robótica colectiva coloca a inteligência no colectivo, como inteligência da interacção. Deste modo, a robótica colectiva posiciona-se, actualmente, como um dos domínios mais prometedores da nova vaga das ciências do artificial.
O Instituto de Sistemas e Robótica, através dos seus projectos de investigação ligados à Robótica, e especificamente à Robótica Colectiva, tem sido um participante activo neste empreendimento – nomeadamente no movimento do RoboCup, tanto a nível nacional como internacional.

3. Da inspiração biológica à inspiração social

A robótica colectiva investiga as formas de estruturar múltiplos robots num mesmo cenário e de os controlar em vista à concretização de uma dada tarefa. Desse modo, além de participar num tipo de investigação que aceita o lugar do corpo na inteligência, contribui para ultrapassar o paradigma da inteligência como fenómeno puramente individual e para começar a pensar a inteligência como inteligência da relação em colectivos de alguma complexidade. Esta nova orientação, ao constituir em alguma medida uma ruptura, limita o interesse de continuar a recorrer às velhas metáforas da IA clássica. A “metáfora do computador”, que concebe a inteligência basicamente como processamento de informação dentro da cabeça, perde muito do seu apelo. O jogo de xadrez como exemplo por excelência da inteligência já não ajuda muito. A robótica colectiva teve de procurar outras metáforas.
Essas novas metáforas começaram por ser metáforas biológicas. Enquanto outras disciplinas se inspiram em processos físicos para conceber técnicas de optimização ou de resolução de problemas (é o caso da “recristalização simulada”, simulated annealing, popular na comunidade da Investigação Operacional, por exemplo), nas ciências do artificial, e especificamente na robótica colectiva, a inspiração biológica foi uma das forças associadas ao surgimento de alternativas à IA clássica, simbólica. Essa força da inspiração biológica engrossa os efeitos da crise do programa funcionalista, que desconsiderava radicalmente a implementação de um sistema. É assim que entram em jogo conceitos como a bio-robótica (ver os animais como máquinas, construir robots como simulações de certos animais considerados adequados para certas tarefas), a inteligência de enxame (modelada a partir da robustez e flexibilidade com que colónias de insectos sociais, como certas formigas, certas abelhas ou certas vespas, realizam certas actividades complexas apenas com base em interacções simples entre comportamentos individuais geneticamente instalados), ou a tentativa de projectar o controlo de milhares de pequenos robots imitando a capacidade do sistema imune humano para combinar, por um lado, um mecanismo genérico de resposta rápida a situações comuns com, por outro lado, mecanismos especializados de resposta a tipos específicos de situações que não podiam ser previstas aquando do lançamento do sistema.
Contudo, a inspiração biológica pode revelar alguns limites quando se pretenda que tenha força explicativa sobre formas sociais. A tentativa de perceber fenómenos com algum tipo de dimensão social apenas à custa da biologia, ou de “sociedades biológicas” (colectivos em que provavelmente tudo o que nos parece social é biologicamente determinado), pode deixar-nos longe de qualquer compreensão mais séria de sociedades sofisticadas, de sociedades em cuja constituição e manutenção joga algum papel a deliberação de agentes autónomos com um grau elevado de individualidade. É, então, compreensível que, depois das metáforas biológicas, a robótica colectiva chegue a uma nova geração de metáforas inspiradoras: a inspiração que se encontra nas ciências da sociedade. Algumas experiências de robótica colectiva recorreram, por exemplo, a modelos económicos para alcançar esse alargamento da inspiração.
É dentro desse alargamento das formas inspiradoras que o Instituto de Sistemas e Robótica tem desde há alguns anos desenvolvido projectos de robótica colectiva que usam ferramentas conceptuais concebidas para analisar e sintetizar “sociedades artificiais”. Mais recentemente iniciou investigação directamente inspirada em conceitos sugeridos por determinadas abordagens no campo do pensamento económico.

4. Aprofundar a fertilização cruzada entre disciplinas

As ciências do artificial não são uma disciplina científica, mas uma constelação de disciplinas científicas: uma constelação complexa e em evolução. Antes de 1956, ano em que foi cunhada a expressão “inteligência artificial”, diversas disciplinas científicas estavam empenhadas em tentativas para compreender a inteligência, questão que tem permanecido no centro da problemática das ciências do artificial. Devem contar-se, designadamente, as seguintes: neurofisiologia, matemática, lógica, ciências da computação, física. Se quisermos considerar a constelação mais recente do início da revolução das ciências cognitivas, a Inteligência Artificial toma aí um lugar em diálogo com disciplinas como a psicologia, a linguística, as neurociências, a filosofia. Como acima se mencionou, mais recentemente as ciências do artificial, e a robótica colectiva em particular, têm mantido um diálogo com as ciências da vida e com as ciências da sociedade.
Esses cruzamentos, se não se têm revelado “milagrosos” – não há soluções prontas a usar quando se trata de cruzar saberes com outros domínios de investigação – têm constituído fonte de enriquecimento mútuo. E precisamos que continuem a sê-lo.
Essa é a razão de ser deste ciclo de conferências. Subordinado ao tema geral DAS SOCIEDADES HUMANAS ÀS SOCIEDADES ARTIFICIAIS, reúne investigadores em economia, biologia, neurociências, filosofia, engenharia. Não estando as conferências centradas em nenhum tema específico das ciências do artificial, destinam-se, isso sim, a ajudar a esclarecer aspectos que interessam ao projecto de sistemas de múltiplos agentes artificiais: desde a maneira como mecanismos cerebrais dão forma a alguns dos nossos comportamentos, até ao modo como “colectivos biológicos” realizam obras de elevada complexidade, passando pelo papel das instituições nas sociedades humanas e nas sociedades artificiais ou pelo esclarecimento de problemas básicos de quem se coloque na posição de programador de um sistema computacional (como é o caso da ontologia de um sistema).
Além do valor próprio que cada conferência terá – uma certeza que resulta da reconhecida qualidade dos conferencistas – este ciclo contará com um leque de comentadores que ajudarão a enriquecer o debate e a tornar ainda mais consistente o que teremos ocasião de aprender nestes encontros: cada um por si e na sua globalidade.