10.4.08

Precaridade no trabalho, economia e coisas que faltam por cá

João Abel Manta, muito prazer em conhecer vocelência

Lê-se hoje no Público que o Governo se prepara para alterar leis de modo a reduzir trabalho precário, com o reforço da contratação colectiva e da adaptabilidade interna das empresas.
Não está ainda em cima da mesa um desenho muito concreto das formas que revestirá essa intenção quando levada à prática. Mas o ponto é essencial para reequilibrar a posição do trabalho no esforço nacional.

Até agora, não em todas mas numa imensa maioria das empresas portuguesas, vigora o antigo princípio soviético: "eles fazem de conta que nos pagam, nós fazemos de conta que trabalhamos". Os empresários, que quase sempre são "patrões", não têm nenhuma ideia certa acerca de como fazer progredir a sua empresa em condições de mudança acelerada e, em milhentos casos, são péssimos gestores. Muitos só sobrevivem ainda porque Portugal desbaratou fundos comunitários a tentar evitar a morte de empresas doentes, em vez de os investir em criar ambiente para o surgimentos de novos empreendimentos. Os trabalhadores, muitos deles não apenas carentes de formação profissional, mas também desprovidos daquela qualificação social que resulta da cidadania activa, com direitos e deveres de participação, não são, quase nunca são, tidos nem achados na vida das suas empresas - e pagam isso com desinteresse pela sorte económica dos seus "patrões". Assim, a empresa, que devia ser um lugar de convergência de interesses sociais de pessoas diferentes, nesta época pós-socialismo-real, continua a ser um lugar de cinismo social. Desiludam-se: não estou a falar de algumas empresas. Estou a falar da esmagadora maioria, nomeadamente daquelas tão benzidas PMEs. As outras, embora estejam a ganhar terreno, continuam a ser a minoria muito pequena.

Ora, assim não é possível desenvolver o país. Para desenvolver o país é preciso um novo contrato social entre empresários e assalariados. É preciso mobilizar todos para um esforço maior, mas é preciso garantir que os benefícios resultantes sejam distribuídos equitativamente: quer dizer, dando a cada um o prémio pelo seu esforço, para que nunca mais o dinheiro de todos vá para Ferraris nas mãos de maus patrões. Para isso é preciso reinventar a contratação colectiva, trazer novos temas para a negociação entre empresas e trabalhadores, inventar soluções mais ousadas e mais adaptadas ao ambiente económico mais imprevisível, deixar mais vias abertas para que numa empresa concreta gestão e trabalho decidam entre si como organizar a produção. É preciso deixar mais margem de manobra ao concreto e evitar que a lei, querendo ser protectora, seja um impecilho.

Agora, cautela: para que isto não se torne num grande circo daqueles industriais que estão sempre à procura de alterações legislativas que os deixem ser tiranetes nas suas empresas, mesmo que isso não traga qualquer vantagem económica ao bolo comum; para que se esteja de facto a avançar para uma convergência de interesses em nome do aumento da produtividade, da competitividade, do emprego e da coesão social, da melhoria da posição do trabalho na economia nacional; para isso, a aposta decisiva é reduzir drasticamente a precaridade, apostar em "forças de trabalho" organizadas, com poder e com capacidade para contribuir para o sucesso das empresas. E isso só pode ser conseguido com relações laborais em que a representação dos trabalhadores tenha mais peso, em que os trabalhadores estejam mais protegidos contra a arbitrariedade, em que a lógica económica seja mais reconhecida mas o poder pessoal discricionário dos "patrões" sobre os assalariados seja fortemente limitado.

Claro, para isso precisamos, provavelmente, de outros sindicatos. E, se calhar, para isso precisávamos de ter outra "esquerda" política. Mas isso se calhar já é pedir demais, não será?!