29.12.09

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«E a gravidade do caso de Hans Castorp, o seu grau de enfermidade, mal lhe davam o direito de exigir uma atenção especial. A Srª. Stohr, por exemplo, por mais estúpida e inculta que fosse, estava indubitavelmente muito mais enferma do que ele, sem falar do Dr. Blumenkohl. Seria faltar a todo senso de hierarquia e de distância não observar, no caso de Hans Castorp, uma reserva modesta, tendo-se ainda em conta que tal mentalidade estava de acordo com os usos da casa. Os levemente doentes não contavam, como Hans Castorp deduzia de muitas conversas que ouvira. Falava-se deles com desdém, segundo a escala de valores ali usada; eram olhados de revés, não só por parte dos doentes graves, mas também por aqueles que eram igualmente “leves”. Agindo assim, esses menosprezavam-se na verdade a si próprios, mas ao mesmo tempo salvaguardavam a sua dignidade, por se submeterem à referida escala de valores. Era humano. “Ora este sujeito!”, pareciam dizer uns aos outros. “No fundo, não sofre de nada. Mal tem o direito de estar aqui. Nem sequer tem cavernas...” Tal era o espírito que reinava no sanatório; era aristocrático à sua maneira e Hans Castorp inclinava-se diante dele, por um inato respeito à lei e à ordem, fosse qual fosse a sua natureza.»

Thomas Mann, A Montanha Mágica