Política vaticana, mas política.
Amanhã, Domingo, 1 de Maio, o Papa João Paulo II será beatificado. Atropelando as normas, como parece que admite o próprio Vaticano. Para quê? Para ungir com o estrelato eclesial um Papa político no mais alto grau.
João Paulo II fez muitas proclamações sociais que até podem ser, tomadas à letra, consideradas de esquerda. Mas, naquilo em que realmente tinha poder para mudar, a conversa foi outra.
Alimentou uma "moral sexual" indiferente às consequências sociais nefastas de dogmas sem qualquer conteúdo significante no mundo concreto onde supostamente a Igreja anda.
Insistiu no celibato dos padres e na reserva da função para os homens.
Censurou episcopados nacionais e ordens religiosas por terem leituras diferentes da sua oficial leitura.
Fez uma campanha sem dó nem piedade contra a "teologia da libertação", talvez marcado demais pelo seu passado de luta anticomunista, talvez por isso com um enviesamento que os verdadeiramente grandes são capazes de evitar.
Silenciou vozes que pensavam diferente, reduziu teólogos ao silêncio ou a reescrever os seus livros, ou proibiu-os de ensinar, ou isso tudo junto. Falamos de intelectuais como Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Tyssa Balasuriya, Eugen Drewermann ou Jacques Dupuis.
Meios demasiado humanos para tanta beatitude.
Vaticana política, servida por uma extraordinária máquina de comunicação e pelo jeito pessoal de Karol Wojtyla para o espectáculo.
Vaticana política que amanhã promove mais uma estrela para ter mais um instrumento de propaganda da sua própria visão do mundo, da igreja, da fé, de Deus ou dos deuses.
Eu, que nem me movo por nenhum particular ódio às religiões, nem às igrejas, e que até tenho grande falta de paciência para a militância anti-religião, tenho de confessar que sinto alguma repugnância por este espectáculo mundano da beatificação. Parece-me truque demasiado evidente, demasiado ao jeito da espuma dos dias, mesmo que meta beato e futuro santo e tudo isso.
(A imagem é de um grafito de Madrid. Bento XVI, o actual Papa, beatificador do antecessor, é o grafitado. A foto é de Porfírio Silva.)