A direita portuguesa é envergonhada. Ou tem vergonha de não ser propriamente social-democrata, ou tem vergonha de não ser bem democrata-cristã e nunca ter chegado a perceber a "doutrina social da Igreja", ou tem vergonha das duas coisas ao mesmo tempo - porque, no fundo, tem-se dedicado mais a "estar" do que a fazer. O resultado disso é que os únicos governos que tiveram condições para ser de direita-à-séria, os de Cavaco Silva, foram afinal apenas governos de gastar o dinheiro "da CEE" da forma mais acomodada possível, comprando acalmia com a ilusão de que "a torneira" tinha vindo para ficar.
Esta circunstância, aliada a um crónico medo do PS em tentar qualquer coisa que pareça demasiado arrojada para o lado da esquerda, teve um péssimo efeito sobre a política portuguesa: as pessoas estão convencidas que "os socialistas" e "a direita" são mais ou menos a mesma coisa. Esse "rotativismo" ameaça os próprios fundamentos do regime democrático. Parecia, inicialmente, que Passos Coelho vinha com vontade de mudar isto: ele teria, imaginava-se, um programa liberal em economia, que prometia romper a continuidade e desassossegar as pessoas, libertando as "forças ocultas da iniciativa individual" - e demónios associados. Isso teria uma grande vantagem: podermos incluir na história política da nossa democracia as feridas que a senhora Thatcher levou ao Reino Unido. As escolhas deixariam de ser tão teóricas, o termo de comparação com o que temos deixaria de ser apenas imaginário. Claro: o problema dessas "experiências sociais" é que elas custam caro, levam muitos anos a corrigir - e, entretanto, alguns atropelados nunca mais terão a sua oportunidade.
De qualquer modo, começo a suspeitar que nos vai escapar de novo essa oportunidade. Passos Coelho tem medo, quer mesmo ganhar as eleições com qualquer discurso e, por isso, anda a tentar esconder o seu programa com eufemismos. Até ensaia o expediente de ter um discurso em inglês e outro em português. Parece que não compreendeu que as revoluções radicais, com que ele às vezes sonhava antes de ir todos os dias à S. Caetano, são baseadas na frontalidade, na capacidade para assumir o programa. Não pode dizer que vai repensar a despesa com o emprego financiado por dinheiros públicos: tem de assumir que quer despedir funcionários públicos. O sangue só é vivo e queima as calçadas quando as pessoas o fazem com um propósito claro. Com as falinhas mansas com que Passos Coelho anda a encriptar o seu programa, a sua revolução vai ser pífia. Se calhar é pena: vai continuar a faltar-nos um módulo prático prático de introdução à governança. Ou não.