4.11.12

uma escultura de José Pedro Croft.


Não, não é uma mesa de um laboratório de química. Não é uma bancada de ensaios. Veio desses lados do mundo, mas agora é uma escultura. José Pedro Croft continua a pegar nas peças deste mundo corrente para criar o mobiliário de um outro mundo, do mundo que nos propõe existir se outros olhos existirem. Está, aliás, esta peça como se fosse mostrada sobre um plinto onde as esculturas clássicas eram mostradas: só que, desta vez, o plinto não é um elemento exterior à escultura, parece um suporte da escultura mas faz parte da própria escultura. Aliás, um plinto exterior à escultura, um mero suporte de exibição da escultura, não estaria inclinado. Esse elemento denuncia/anuncia que aquele objecto foi lançado em outra vida.

Foi uma mesa de laboratório de química, mas agora é um ponto de vista. O espelho, que Croft já utilizou outras vezes, não permite um olhar único, nem meramente contemplativo. O espelho modifica a peça, à medida da nossa procura; modifica o espaço onde convivemos com a peça; pede que viajemos à procura do nosso olhar. Vi ali um piano onde só poderia tocar se descobrisse outras teclas que não as teclas de um piano (mas eu não sei tocar piano!). Vi ali um barco com velas num mar revolto a levantar-se das águas (mas eu não sou navegador!), a navegar numa cave bem seca e bem iluminada, sem tempestade à vista. Uma peça quieta pode implicar que nos movamos, pode fazer o mundo girar. Croft tem vindo a fazer-nos isso, esta sua escultura faz-nos isso.

"Dois desenhos, uma escultura", de José Pedro Croft, na Appleton Square. Curadoria de João Silvério. As imagens (fotografias com telemóvel) fi-las para voltar a olhar.