Nuno Santos demite-se de director de informação da RTP depois de a PSP ter pedido imagens da carga policial na noite da última greve.
O ainda chefe da Igreja de Inglaterra, comentando a decisão do sínodo da sua igreja que recusou a possibilidade de mulheres poderem ser bisp@s, afirmou que ela mostra cegueira face ao que importa no momento presente à sociedade secular. Muitas instituições deveriam pensar nesses termos: pode viver-se neste mundo sem ser deste mundo? Dito de outro modo: até que ponto podemos tolerar que certos aspectos da nossa vida colectiva funcionem em flagrante desprezo por princípios que consideramos fundamentais? Até que ponto devemos conviver com esse desprezo sem ficarmos e nos mostrarmos incomodados?
Esta pergunta pode - e deve - estender-se a muitos domínios.
As notícias de que a televisão pública pode ter facilitado o uso de imagens colhidas em reportagem sobre manifestações políticas para servirem o trabalho policial - ou, "apenas", de que para isso terá sido solicitada - entra na categoria dos acontecimentos com os quais não podemos conviver. Percebo que a polícia tenha de fazer o seu trabalho. Mas exijo, por outro lado, que informar não seja confundido com policiar, que um trabalhador da informação a tratar de me manter a par do que se passa na rua não seja transformado nos olhos ou nos ouvidos da polícia. Andam por aí estas meias-informações, certamente com contornos suficientemente complicados para já provocarem demissões, e nós fazemos de conta que podemos conviver com isto?
Não, não podemos conviver com a cultura securitária, na medida em que ela é uma cultura totalitária. Uma cultura totalitária é aquela que alimenta a ambição de organizar todo o mundo em função de um único ponto de vista. Mesmo que esse ponto de vista seja legítimo (defender a segurança pública é legítimo), a cultura totalitária tende a destruir a legitimidade de todos os outros pontos de vista e a submetê-los à condição de instrumentos. E isso afecta nuclearmente o nosso ecossistema de liberdade, que será insustentável se algum protector, iluminado ou não, pretender ter olhos e ouvidos por todo o lado. A tentação da omnipresença é uma tentação fatal, que nos obriga a estar atentos a estas notícias.