7.7.10

outras PTs, outras acções douradas, outros nacionalismos


A propósito desta procissão que ainda vai no adro que é a estória das acções douradas do Estado na PT, e o seu uso no caso da Vivo, parece interessante ir olhando para outras regiões do complexo puzzle que está tecido, designadamente em termos de União Europeia. Por ora, damos aqui alguma informação acerca da chamada "Lei Volkswagen", um imbróglio que está longe de concluído, e que servirá provavelmente para futuras reflexões sobre a matéria.

A “Lei Volkswagen”, promulgada em 1960 e revista várias vezes, foi a via encontrada pela Alemanha para “enquadrar” a privatização da construtora automóvel.
Era aí montado um esquema com vários elementos para proteger a germanidade da empresa. A saber: o Estado Federado da Baixa Saxónia fica com 20% das acções (a República Federal também teve acções, mas vendeu-as entretanto); há um tecto nos direitos de voto dos accionistas: independentemente do número de acções, nenhum accionista pode exercer mais do que 20% dos direitos de voto; qualquer decisão tem de recolher mais de 80% dos votos (contrariamente aos 75% exigidos no caso geral de empresas com uma protecção pública), o que, no contexto destas normas, garante uma espécie de direito de veto das acções detidas pelos poderes públicos; tanto o Estado Federado como a República Federal têm direito a dois lugares no conselho de administração.

Em 2005, a Comissão Europeia colocou a Alemanha no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, acusando-a de que este esquema atentava contra a liberdade de movimento de capitais e contra a liberdade de estabelecimento. Em Outubro de 2007, o Tribunal deu razão à Comissão na questão do movimento de capitais (mas não na questão da liberdade de estabelecimento).

O Tribunal, ao tomar a sua decisão, realça o facto de a dita lei ser considerada uma “medida nacional” por ela ser da exclusiva competência do Estado e só o Estado a poder modificar. E considera que o resultado do esquema, no seu conjunto – mesmo que composto por medidas que individualmente seriam aceitáveis – é limitar injustificadamente a liberdade de circulação de capitais. Especificamente, o Tribunal analisa as justificações apresentadas pela Alemanha: proteger os trabalhadores, proteger os accionistas minoritários, proteger o emprego criado pela actividade da empresa – e conclui que a Alemanha não conseguiu explicar a necessidade daquele esquema para proteger aqueles interesses que até seriam legítimos.

Depois de notificada, a Alemanha modificou a Lei Volkswagen, em Dezembro de 2008. Fê-lo, contudo, de forma que a Comissão Europeia considera insuficiente, designadamente por manter a “minoria de bloqueio” de 20% das acções. A Alemanha argumenta que o Tribunal só condenou a conjugação desse elemento com o tecto de votos limitado a 20%. A Comissão exige o desmantelamento de todos os elementos identificados pelo Tribunal e os serviços da Comissão têm considerado que há base para voltar a ir a Tribunal demandar a Alemanha – só que a Comissão propriamente dita (o colégio de Comissários) ainda não terá decidido o que fazer.

Posto isto, acho oportuno fazer notar algumas lições que este caso nos pode ajudar a extrair.

Noto que não há notícia de qualquer actor público na Alemanha – partidos, sindicatos, associações empresariais, opinião publicada – ter dirigido qualquer crítica ao governo da senhora Merkel por causa da interpretação restritiva que faz do acórdão do Tribunal Europeu.

Noto a ligeireza com que alguns por aí dizem que o "proteccionismo" de Portugal no caso PT lança a desonra sobre o nome do país nos mercados internacionais - quando, nos mercados, a grande desonra é ser tomado por parvo. Não me consta que a Alemanha tenha sido desonrada por casos como este.

Noto que os Estados podem arranjar maneiras de retardar a aplicação de decisões do Tribunal Europeu, ou mesmo de modular essa aplicação por via da interpretação das mesmas - e constato que, por cá, alguns pensam, e anseiam, que o céu nos caia em cima já a 8 de Julho no caso de uma decisão desfavorável. E noto, do mesmo passo, que não se está a dar suficiente peso ao valor da litigação como parte da defesa dos nossos interesses: talvez a Telefónica, se perceber a determinação portuguesa em lhe fazer perder a oportunidade do negócio por via do arrastamento da litigação, se convença a passar da estratégia da agressão para a estratégia da negociação. A não ser que os aliados da Telefónica estejam precisamente na direita portuguesa.

Noto que as razões invocadas para o "proteccionismo" da Lei Volkswagen - proteger os trabalhadores, proteger os accionistas minoritários, proteger o emprego criado pela actividade da empresa - devem parecer estranhas aos capitalistas lusos, que certamente não imaginam que um Estado europeu invoque tais "ninharias" para se dar a tanto trabalho.

(Para referência: o caso da Comissão contra a Alemanha por causa da Lei Volkswagen tem o número C-112/05.)