3.7.10

a metafísica do mercado e a virgindade interesseira


Tenho de deixar aqui registados alguns excertos da coluna de Nicolau Santos no suplemento Economia da edição de hoje do Expresso.

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«(...) se há país que mais tem utilizado o poder do Estado para impedir a compra das suas empresas por estrangeiros tem sido precisamente (adivinhem!) Espanha. Os exemplos abundam no sector energético, no sector financeiro, no mercado de combustí veis. Em Itália, Berlusconi impediu que a mesma Telefónica tomasse o controlo da Telecom Itália. E o que fez a Telefónica? Meteu o rabo entre as pernas e veio tentar comer um osso que julgava mais fácil.»
Um aspecto dessa "facilidade": os que, em Portugal, estão sempre de braços abertos a tudo o que "venha de fora".

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« As virgens ofendidas do mercado têm muitos países onde ir morrer longe, inclusive em Inglaterra onde ainda existem golden shares
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« A PT sem a Vivo deixa a Liga de Campeões das telecomunicações e passa a jogar nos campeonatos distritais. Mas Portugal também fica muito pior. Até agora, com a Vivo, a PT é um dos maiores empregadores nacionais., sobretudo ao nível dos jovens engenheiros e gestores formados nas escolas portuguesas; uma das empresas que mais atrai o talento nacional; uma das empresas que mais investe no país, em particular na área da inovação; uma das empresas que mais impostos paga; uma das empresas com mais atividade nas áreas de responsabilidade social. Sem a Vivo, tudo será diferente para a PT e para Portugal. A escala será muito mais reduzida, quase paroquial. É isto que o veto do Estado português ao negócio quer impedir. Por isso, foi muito bem utilizado.»
Mas isso, para os fantasistas do mercado-entidade-metafísica, não conta nada.

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« E [o Estado] muito menos contava com a "traição" de BES, Ongoing (...) e Visabeira (...). Decidiram vender tudo - e também a honra. O Estado viu-se assim obrigado a utilizar a golden share no final da assembleia e não antes. Honra, sim, à Controlinvest de Joaquim Oliveira que votou contra a proposta. Mas faço o meu mea culpa: nunca mais defendo a existência de núcleos duros nacionais para controlar empresas estratégicas. Só há uma maneira de elas não serem adquiridas por estrangeiros: através do controlo, directo ou indirecto do Estado. O resto não existe. »
É que o interesse público existe. Mas o mercado-como-entidade-metafísica não sabe disso.

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« O caso PT/Telefónica coloca em cima da mesa a questão central do papel do Estado na economia, que muitos querem reduzir à função assistencialista dos pobres e desvalidos do progresso. Viu-se na recente crise que, se não fosse o Estado (i.e., o dinheiro dos contribuintes), inúmeros bancos privados se teriam afundado sem remissão. Que depois disso os mercados façam pagar a esses mesmos Estados (i.e., aos cidadãos), com língua de palmo,os apoios à banca e à economia, é de uma revoltante hipocrisia. Como ficou provadíssimo, os mercados são muito imperfeitos e as empresas estão muito longe de se autorregular. O Estado deve, por isso, ser um regulador forte e impiedoso e, ao mesmo tempo, controlar sem medo nem hesitações algumas empresas e áreas de atividade que consideram estratégicas para o país. De outro modo, será o poder do dinheiro e dos mais fortes a mandar em tudo e todos. Ora, esse poder só tem um interesse: o seu. E uma divisa: privatizar lucros, socializar prejuízos. E isso é intolerável.»
Mas não faltam os que querem usar o Estado para dar ainda mais corda a esses interesses de alguns contra todos.