9.4.10

tecnologia da equidade


A crítica ao "pensamento único" (que usualmente é uma crítica à pretensão da ortodoxia neoclássica a ser aceite como única forma de pensar a economia, bem como à pretensão de reduzir as escolhas de sociedade ao quadro mental desenhado pela econometria) também tem os seus escolhos. Um desses escolhos é iludir o facto de que dois "pensamentos únicos" (cada um deles candidato a ser bitola exclusiva) não constituem um horizonte mais saudável só por si, na medida em que continuem a fechar as portas de procura de soluções. Este confronto de "pensamentos únicos em dose múltipla" está muitas vezes presente na questão do Estado, com alguns a quererem "mais" e outros a quererem "menos" Estado, assim "simplesmente", como se essa alternativa não fosse - como é - insuficiente e redutora.

Elinor Ostrom (Prémio Nobel da Economia em 2009), uma das pensadoras que têm a vantagem de perceber que a ciência económica não é a "teoria de tudo" para as sociedades, mas "apenas" parte de um conjunto de disciplinas que têm de colaborar para compreender os colectivos humanos, tem um (já velhinho) livro (Governing the Commons, 1990) em que procura perceber algumas das questões atinentes à acção colectiva e onde estuda alguns casos concretos de "design institucional" que dão que pensar.

Ostrom estuda nesse livro vários casos de organização dos próprios interessados para gerir um bem natural escasso vital para as suas vidas, sem recurso ao Leviatã exterior e sem crença na bondade universal da propriedade privada. Um dos casos são as Zanjera, organizações comunitárias tradicionais de uma região do norte das Filipinas, que gerem a água para os terrenos agrícolas. Sem entrar agora em pormenores, um dos pontos interessantes deste trabalho de Ostrom é o sublinhado da importância de que as soluções institucionais sejam adequadas às condições concretas do problema e das pessoas, assentes no conhecimento dos que realmente se confrontam com aquela realidade e em condições de serem reconhecidas como respostas justas pelos próprios. Assim se auto-legitima o desenho institucional, de forma essencial à sua própria eficiência. Para que isso aconteça é precisa uma certa capacidade para desenhar "expedientes" que na prática resultem apropriados ao problema e aos valores capazes de suportar uma comunidade. Vejamos um detalhe interessante da organização das Zanjera, a mostrar isso mesmo.



Citemos Ostrom (p. 83):
A área é dividida em três ou mais grandes secções. Cada agricultor recebe um lote em cada secção. Todos os membros estão, portanto, em posições fundamentalmente simétricas uns em relação aos outros. Não apenas têm o direito de explorar quantidades iguais de terra, mas todos eles cultivam algum terreno na localização mais vantajosa perto da parte superior do sistema e algum terreno na parte inferior. Nos anos em que a precipitação não é suficiente para irrigar todas as parcelas, uma decisão sobre a partilha do ónus da escassez pode ser tomada rapidamente e de forma equitativa, simplesmente decidindo não irrigar a secção inferior do lote.
Valeria a pena darmos alguma atenção ao desenho da equidade. Que, claro, não é tecnologia.