Friedrich von Hayek, o economista vienense nascido em 1899 e que foi prémio Nobel em 1974, publicou em 1952 um texto sobre Scientism and the study of Society (que lemos na versão francesa indicada abaixo) onde analisa o fascínio das “ciências da sociedade” pelas “ciências da natureza”. O que temos vindo a abordar como “autoridade moral da natureza” é um exemplo desse fascínio, pelo menos quando vem dentro do embrulho de “ciência”.
Hayek esclarece: ele não está contra a ciência, está contra um processo que consiste basicamente em duas operações: primeiro, uma forma dogmática de delimitar o que é ciência; depois, pretender que todos os ramos da ciência tenham que se conformar aos métodos da “verdadeira ciência”. Isto tem querido dizer, nomeadamente, que as ciências da sociedade (por exemplo a economia) só são científicas quando empregam os mesmos métodos das ciências da natureza (física, por exemplo).
Logo no primeiro capítulo do mencionado trabalho, Hayek lembra como se passou de uma concepção lata de ciência, em que não havia uma distinção estrita (nem estreita) entre filosofia e ciência, para uma concepção “técnica” e separatista. Dá exemplos de obras científicas de antes do cisma: “New System of Chemical Philosophy”, de J. Dalton (1809); “Philosophie zoologique”, de Lamarck (1809); “Philosophie chimique”, de Fourcroy (1806). Depois de 1831, quando se formou a British Association for the Advancement of Science, nunca deixou de ganhar peso o uso estreito do termo ciência, eliminando o anterior uso de chamar “filosófica” a uma investigação que se interessasse pelos aspectos fundamentais e mais gerais de um assunto que se procurava conhecer.
Ora, é precisamente nesse movimento, que acontece na primeira metade do século XIX, que se dá uma restrição dos modelos do que se considera ciência, colocando no pedestal as disciplinas físicas e biológicas. E é nessa vaga que as ciências da sociedade pensam que têm de conquistar a sua legitimidade por imitação das ciências naturais. Segundo Hayek, a imitação metodológica das ciências naturais pelas ciências da sociedade não deu resultados interessantes: não contribuiu grande coisa para o conhecimento dos fenómenos sociais. Hayek, polémico, afirma mesmo que aqueles que historicamente defenderam visões dogmáticas das ciências, como Francis Bacon ou Auguste Comte, não deixaram de ser exemplos de quão falível era a sua ortodoxia cientista: Francis Bacon (que alguém considerou o protótipo do “demagogo da ciência”) opôs-se à astronomia copernicana e Comte considerava perniciosa a observação pelo microscópio.
Assim, Hayek, um economista que sempre se opôs às tendências de outros “neoclássicos” para a “física social”, depende a necessidade de que o estudo da sociedade respeite o seu objecto e não o confunda com os objectos naturais, onde não há “autonomia das partículas” como ela existe nas sociedades humanas (por muito relativa que seja essa autonomia).
REFERÊNCIA
Friedrich von Hayek, Scientisme et Sciences Sociales, Paris, Plon, 1956 (tradução de Raymond Barre)
***
Apontamentos anteriores desta série:
A autoridade moral da natureza (5/6)
A autoridade moral da natureza (4/6)
A autoridade moral da natureza (3/6)