O volume The Moral Authority of Nature, editado por Lorraine Daston e Fernando Vidal (Daston e Vidal 2004a) ilustra, por uma série de estudos de carácter histórico, como se tem de forma recorrente utilizado a ideia de “natureza” para pensar padrões de bem, de belo, de justo, de valioso. Na introdução a esse volume, Daston e Vidal (2004b) sublinham como o mecanismo subjacente requer dois tipos de dispositivos. Por um lado, o que é “natural” é apresentado como irrevogável e/ou perfeito – por contraste com o que aparece como “mera” convenção social ou arranjo político. Assim, a “naturalização” confere universalidade, firmeza, necessidade – numa palavra, a autoridade do dado – ao que de outro modo seria inventado ou produzido. Por outro lado, para que a “natureza” assim funcione como padrão é necessária a existência de “peritos no natural”: poetas, sacerdotes, médicos, filósofos, cientistas. Todos, uns numas épocas outros noutras, se afirmam como intérpretes alegadamente desinteressados dos veredictos da natureza, capazes de mobilizar o significado da natureza para resolver questões controversas e por vezes politicamente carregadas: raça, género, sexualidade, colonialismo, trabalho.
Um aspecto importante é o seguinte. O que é considerado “natural” intervém na marcação da fronteira entre liberdade e necessidade no plano dos humanos. Esse ponto é assinalado por (Cadde 2004), quando precisa o significado do livre-arbítrio na Europa medieval. É que, embora a ordem da “necessidade” estivesse ligada à dinâmica da natureza e a ordem da “liberdade” à esfera moral, o facto é que nem o governo da natureza era considerado absoluto nem a liberdade era da ordem da escolha ou da elaboração autónoma da sua própria realidade política. Desse modo, o livre-arbítrio medieval consistia em alinhar ou não alinhar com a vontade divina, expressa pela ordem da sua Criação. E daí a importância do apuramento do que seria “ o natural”.
Continuaremos a ver, nos próximos dias, outros aspectos desta questão da “autoridade moral da natureza”.
REFERÊNCIAS
(Daston e Vidal 2004a) DASTON, Lorraine e VIDAL, Fernando (eds.), The Moral Authority of Nature, Chicago, The University of Chicago Press, 2004
(Daston e Vidal 2004b), DASTON, Lorraine e VIDAL, Fernando, “Doing What Comes Naturally”, in (Daston e Vidal 2004a), pp. 1-20
(Cadde 2004), CADDE, Joan, “Trouble in the Earthly Paradise: The Regime of Nature in Late Medieval Christian Culture”, in (Daston e Vidal 2004a), pp. 207-231
Um aspecto importante é o seguinte. O que é considerado “natural” intervém na marcação da fronteira entre liberdade e necessidade no plano dos humanos. Esse ponto é assinalado por (Cadde 2004), quando precisa o significado do livre-arbítrio na Europa medieval. É que, embora a ordem da “necessidade” estivesse ligada à dinâmica da natureza e a ordem da “liberdade” à esfera moral, o facto é que nem o governo da natureza era considerado absoluto nem a liberdade era da ordem da escolha ou da elaboração autónoma da sua própria realidade política. Desse modo, o livre-arbítrio medieval consistia em alinhar ou não alinhar com a vontade divina, expressa pela ordem da sua Criação. E daí a importância do apuramento do que seria “ o natural”.
Continuaremos a ver, nos próximos dias, outros aspectos desta questão da “autoridade moral da natureza”.
REFERÊNCIAS
(Daston e Vidal 2004a) DASTON, Lorraine e VIDAL, Fernando (eds.), The Moral Authority of Nature, Chicago, The University of Chicago Press, 2004
(Daston e Vidal 2004b), DASTON, Lorraine e VIDAL, Fernando, “Doing What Comes Naturally”, in (Daston e Vidal 2004a), pp. 1-20
(Cadde 2004), CADDE, Joan, “Trouble in the Earthly Paradise: The Regime of Nature in Late Medieval Christian Culture”, in (Daston e Vidal 2004a), pp. 207-231
Charles Sheeler, The Artist Looks at Nature, 1943