Há quem defenda que o corte das prestações sociais (designadamente, por desemprego) é bom como "incentivo" ao trabalho. Chris Dillow analisa um pouco esse argumento, no seu blog Stumbling and Mumbling - no contexto da política britânica, mas de modo pertinente também para a lusa arena. Os seus argumentos centrais contra aquele "incentivo ao trabalho" são os seguintes.
Antes de tudo, o que falta não são incentivos ao trabalho, mas oportunidades (basta comparar o número dos que procuram trabalhar e as vagas existentes). Mas porque é que certos políticos dizem aquelas coisas dos incentivos? Dillow explica isso com "ideologia", claro (ideias gerais, e erradas, acerca das maravilhas dos mercados, nomeadamente o mercado de trabalho). Mas adianta mais qualquer coisa, em termos de enviesamentos cognitivos. E faz a seguinte lista.
A falácia da composição. Admitindo que algumas pessoas talvez pudessem encontrar um emprego se se esforçassem mais, o que é verdade para alguns não é necessariamente verdade para todos. Neste caso, se todos se esforçassem mais - não haveria ainda lugar para tantos esforçados!
O erro fundamental da atribuição (que consiste em sobrevalorizar o peso que têm, no comportamento das pessoas, as suas disposições internas ou personalidade, desvalorizando o peso do entorno a influenciar a acção). Neste caso, pessoas que estão em posição de encontrar um emprego desde que o procurem (o que conseguem depende apenas da sua disposição pessoal) convencem-se que isso será assim com toda a gente, o que não é verdade por razões "ambientais" (se há poucos empregos, os muitos que procuram não podem todos conseguir, e nem para todos basta estender o braço).
O efeito de halo (quando uma característica de uma pessoa ou objecto afecta a forma como vemos outras características da mesma pessoa ou objecto, embora nada justifique essa relação; explora-se este enviesamento cognitivo, por exemplo, quando num filme os "bons da fita" são os mais bonitos). Neste caso, Dillow está a criticar o seguinte argumento a favor de baixar as prestações: é justo que quem não está a trabalhar receba menos do que quem está a trabalhar. O efeito de halo aqui quer dizer o seguinte: mesmo que isso seja mais justo, não quer dizer que seja mais eficiente no que toca a resolver os problemas que enfrentamos.
O enviesamento para a acção. Os políticos querem "fazer coisas". Mesmo quando não podem fazer nada de relevante para um dado problema, querem fazer qualquer coisa. Com políticas restritivas, os governos não podem fazer grande coisa para aumentar a oferta de emprego. Mas têm de fazer qualquer coisa - e "dar incentivos" (daquele género mencionado acima) tem o ar de ser "fazer qualquer coisa".
Pode não se concordar com todos os pontos desta análise, mas que ela é desafiadora, acho que sim. O post original está aqui: The ideology of incentives. Vale a pena lê-lo, porque o que deixo aqui não é exactamente um resumo, mas mais uma leitura.