25.1.12

Hollande, a esquerda mole e a democracia normal.


François Hollande, o candidato dos socialistas franceses às presidenciais deste ano, fez no passado domingo um discurso que muitos consideram um novo arranque na corrida, depois de muitas hesitações e propostas pouco esclarecidas que tinham confundido o eleitorado. O “discurso de Bourget” centrou-se no “sonho francês”. Na medida em que Hollande está a lutar por ser reconhecido como o candidato capaz de mobilizar a esquerda, por descolar da etiqueta de “esquerda mole” que Martine Aubry lhe tinha colado durante as primárias, é curioso ver como o “sonho da esquerda” e o “sonho nacional” (francês, neste caso) se misturam. Um sinal dos tempos, sem dúvida.
Hollande atirou-se às canelas do mundo da finança desregulada, que definiu como o seu principal adversário, e anotou algumas das suas ideias para esse problema, por exemplo: obrigar à separação das actividades bancárias de crédito e de investimento, uma verdadeira taxa sobre as transações financeiras “com aqueles que na Europa a queiram”, um fundo de intervenção europeu, uma agência de notação europeia. É que, sem atacar essa frente financeira da economia, não vai ser possível voltar ao crescimento e ao emprego, cuidando da equidade, já que Hollande se compromete a controlar a despesa pública e a não aumentar globalmente o número de funcionários.
Embora não tenha usado muito tempo do seu discurso a falar explicitamente da Europa, Hollande não a esqueceu. Como vimos antes, o seu “principal adversário” tem de ser combatido a nível da União. Mais explicitamente, o regresso ao crescimento passa pela Europa. Segundo o candidato socialista, a França tem de “reencontrar a ambição de mudar a orientação da Europa” (subentende-se: ao contrário de Sarkozy, que vai na onda da outra senhora). Para isso, proporá aos parceiros europeus a renegociação do pacto intergovernamental saído do Conselho Europeu do passado 9 de Dezembro (o tal do “compacto fiscal”), para lhe acrescentar a dimensão que lhe falta: a coordenação das políticas económicas; os projectos industriais; o relançamento das grandes obras no domínio da energia; a coordenação contra a especulação; um fundo europeu com capacidade para agir nos mercados; um BCE que meta as mãos na massa da forma mais eficaz e sem estar constrangida por algumas das regras actuais; o lançamento de euro-obrigações para mutualizar uma parte das dívidas soberanas; uma nova política comercial da Europa no mundo, que combata a concorrência desleal através de cláusulas de reciprocidade e de regras estritas em matéria social e ambiental.
Mantendo um pé no sonho francês em termos de liderança da Europa, não esquece o eixo “central”, sem o qual tudo se torna mais difícil, propondo para o início de 2013 um novo tratado de amizade franco-alemão, meio século depois do tratado firmado por De Gaulle e Adenauer.
Claro que Hollande quer fazer um contraponto ao presidente-candidato em exercício, mas nunca o citou. Claro que Hollande quer representar a esquerda, mas a esquerda fora do PS não anda muito satisfeita por Hollande não se mostrar muito disponível para negociar com ela. Claro que Hollande quer ser um candidato galvanizador, mas não está muito no seu tom chegar onde tem de chegar pela via do carisma. Mas esta é a política de hoje: temos de contar com gente normal, assumidamente normal, e deixar de esperar por monstros sagrados. Em tese, isso até seria bom: uma cidade de gente normal, com dirigentes normais, sem expectativas “religiosas” acerca dos líderes. Mas não é fácil todos os dias aceitar essa normalidade, pois não?


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