4.1.12

contratação colectiva e cenários de cidadania.


Para dizer ao que venho, tenho, antes, de explicar uma pequena peça da maquinaria social e institucional da contratação colectiva. A coisa gira em torno das chamadas "portarias de extensão".
Basicamente (e embora eu não seja especialista) o ponto é este: sendo tão poucos os trabalhadores sindicalizados, e sendo aos sindicatos que cabe fazer acordos com as associações patronais acerca de questões importantes das relações entre empregadores e assalariados, o que interessa à maioria dos trabalhadores (não sindicalizados) o que os sindicatos acordam ou não acordam? O que interessa aos não sindicalizados o que fazem os sindicatos? Parte importante da resposta está nas "portarias de extensão", precisamente.
Mas que coisa é essa das portarias de extensão? Quando certos sindicatos e certas associações de empregadores fazem um acordo, em princípio esse acordo só vale para os respectivos associados. Mas o governo pode generalizar a aplicação desse acordo, alargando o âmbito subjectivo do mesmo a todos os trabalhadores do mesmo sector (ou, pelo menos, alargando-o a todos os trabalhadores que não estejam cobertos por outros acordos negociados por outras organizações representativas). Tradicionalmente, este mecanismo das "portarias de extensão" tem sido encarado como uma forma de tornar geral o que se conquista negocialmente apenas para os sindicalizados.
Paulo Pedroso publicou no seu blogue, recentemente, um texto (Portugal tem um governo de classe, com agenda anti-sindical) onde denuncia que a revisão do memorando de entendimento com a troika, assinada pelo actual governo, contém um expediente visando torpedear este mecanismo de extensão dos benefícios da negociação colectiva. O truque seria arranjar uma desculpa esfarrapada permanente para não aplicar os resultados dos acordos à generalidade dos trabalhadores (para deixar de fazer portarias de extensão).
Concordo com o Paulo, que sabe do que fala, no ponto essencial que está em causa no texto dele: parece tratar-se de uma manha deste governo para tramar a contratação colectiva, se possível tornando-a irrelevante para a enorme massa dos trabalhadores, impedidos de partilharem os seus resultados. Isso confirma que estes liberais de pacotilha jogam na fragmentação social e na atomização das relações laborais, para melhor poderem esmagar os trabalhadores.
Contudo, ainda sugiro que se pode pensar nisso de outro modo.
O que sugiro é que, a prazo, deixando de se recorrer sistematicamente a portarias de extensão, o peso sindical poderia ser renovado. Explico-me. Se eu posso beneficiar de qualquer conquista que o sindicato alcance, mesmo sem ser sindicalizado, mesmo dizendo mal do sindicato todos os dias, mesmo não participando nas lutas - que razão tenho para me sindicalizar, para participar, para reivindicar, para fazer greve? Posso esperar sentado e colher os frutos, cinicamente, não é? As portarias de extensão são o mecanismo que implementa esse egoísmo laboral. Coisa diferente seria se só beneficiassem dos acordos os que participam no esforço, os sindicalizados. Ficar de fora, de braços cruzados, ou mesmo a dizer mal, passaria a ter um preço: não poderia, depois, beneficiar dos resultados da luta e dos acordos. Isso poderia aumentar o grau de consciencialização das pessoas para a vantagem da participação. Isso poderia mostrar às pessoas que nem sempre a força da gravidade é suficiente para fazer cair as maçãs da árvore!
Tudo isto se faria, num dado momento, à custa de maior tensão nas relações sociais. Sim, mas isso não é necessariamente mau. Pelo menos, pior do que isso é o estado geral de bovinidade, onde andamos todos a ver se colhemos os frutos do sacrifício dos outros, mas mantendo-nos quietos à lareira.
Ou estou a ver mal?


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