7.9.09

Esquerda Moderníssima


Reproduz-se de seguida um texto que João Galamba publicou no blogue SIMplex no já longínquo dia 4 de Agosto p.p. - por ser ainda e sempre muito conveniente pensar no que aí se diz.


"O governo do PS foi um dos fiéis seguidores da ideologia neoliberal que promove um Estado minimalista. No momento da crise, no entanto, predominou a nacionalização do prejuízo. O capital quer a receita de sempre: espoliação do Estado e esmagamento dos direitos dos mais desprotegidos. Chega a hora de o governo prestar contas pelo aumento do desemprego e da precariedade, pela redução dos salários e pensões, por um código do trabalho que aprofundou o retrocesso civilizacional iniciado por Bagão Félix, pelas privatizações, pelas desigualdades sociais e pela degradação dos serviços públicos. Passados quatro anos de governação, temos um país mais desigual e socialmente mais inseguro, onde o medo impera em muitas empresas e serviços" (Programa do Bloco de Esquerda para as legislativas, pp. 11)


1. Aumento do desemprego: Apesar da modernização do país, o PS não fez nada para reduzir o desemprego. A crise financeira também é irrelevante. A culpa é toda do PS. Se o bloco estivesse no governo não haveria desemprego e a economia estaria a crescer ao nível da China;

2. Precariedade: Não chega penalizar fiscalmente o recurso a recibos verdes. Não chega combater os falsos recibos verdes. Se o bloco estivesse no governo os recibos verdes. seriam proibidos. A precariedade seria ilegalizada. Se o desemprego disparasse, a culpa seria obviamente dos patrões;

3. Redução dos salários: Esta é uma acusação a priori: enquanto o PS estiver no governo, os salários descem, por definição. A luta de classes é uma necessidade lógica. e a redução dos salários é um axioma Não interessa que o PS tenha aumentado o salário mínimo para 450 euros. Ou melhor, temos de ignorar este facto, caso contrário deixamos de poder acusar o PS de ser um dos mais fíeis seguidores do neoliberalismo. Se o Bloco estivesse no governo, os salários seriam iguais aos da Suécia;

4-Redução das pensões: A reforma da segurança social era totalmente desnecessária, pois a história da sua ruptura financeira é uma mentira inventada pelo PS e pela direita neoliberal. Que a reforma feita por Vieira da Silva tenha sido amplamente elogiada, só mostra como os neoliberais estão em todo o lado. Se o Bloco estivesse no governo, não só não teria feito qualquer reforma, como teria aumentado a pensão mínima para 500 euros, ou até um pouco mais — tanto quanto necessário;

5. O código do trabalho que é um retrocesso civilizacional. Não interessa a criação da licença parental. Nem interessa que o PS tenha optado por flexibilizar o tempo de trabalho em vez de liberalizar os despedimentos. Para o Bloco, o éden laboral era aquele que existia em 1975. Desde então, tem sido sempre a retroceder. Qualquer tipo de flexibilização, é neoliberalismo — e o neoliberalismo é pecado. Se o BE estivesse no governo, não só proibiria os despedimentos, como tornaria a admissão de trabalhadores numa obrigação legal. Como o Bloco não é um partido revolucionário, a criação da sua Utopia depende de um simples acto administrativo. Tivessem eles o poder e tudo se resolvia num ápice;

6. Privatizações. São sempre erradas. Se o Bloco estivesse no governo, nacionalizava a Galp e a EDP. Não interessa que o PS tenha nacionalizado a COSEC. Como o PS não nacionalizaou aquilo que o BE acha que deve ser nacionalizado, é neoliberal;

7-Desigualdades: Isto é mais um chavão do que uma crítica empiricamente fundamentada. Todos os dados disponíveis mostram que a desigualdade efectivamente diminuiu durante o governo PS, e tal deveu-se uma aposta em políticas sociais, como o complemento social para idosos, o aumento do salário mínimo e o reforço da acção social escolar. Se o Bloco estivesse no governo o importante não era tomar medidas cujos resultados se traduzissem numa redução desigualdades. O importante seria Acabar com as Desigualdades, que é algo inteiramente distinto dos gradualismos e das prudências burguesas do PS.

8-Degradação dos serviços públicos: Não interessa que o PS tenha procurado salvar o SNS, Não interessa que tenha substituido os Hospitais SA. pelos EPE. Não interessa a aposta no reforço do SNS, com a reforma dos cuidados primários e a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados. Como o PS fechou maternidades, é neoliberal. Se o Bloco estivesse no governo havia maternidades em cada casa e um hospital em cada aldeia, vila e cidade de Portugal.

O diagnóstico do Bloco à governação PS não decorre de qualquer leitura da realidade. O bloco prefere inventar a sua própria realidade, e o retrato do PS é sobretudo uma forma a priori que o Bloco usa para desqualificar os seus adversários. Ou seja, como Bloco é contra o neoliberalismo, e como o PS não embarca na irresponsabilidade, no populismo, na demagogia e no radicalismo do Bloco, o PS é necessariamente neoliberal. Em política não há compromissos.

João Galamba, Esquerda Moderníssima, in SIMplex