A fechar o dia de reflexão para as eleições legislativas deste ano de 2009, no Sábado passado, rumamos ao Teatro da Cornucópia, onde vemos o que para nós continua a ser o melhor teatro que se faz no burgo.
Ifigénia na Táurida, de Goethe, para este espectáculo traduzido em "recriação poética" por Frederico Lourenço, é um drama que se desenrola no íntimo das personagens e longe da acção. Complexo como tudo o que supõe uma viagem às raízes clássicas da nossa cultura, por se enredar nas mais mirabolantes peripécias de famílias que misturam deuses e homens, mas mais ainda por tocar o nervo de dificuldades que continuam a apoquentar-nos, pode afinal ser lido com muita nitidez de um certo ângulo.
O ângulo que supomos fornece a mais límpida leitura é o da impureza da acção: tratando-se de saber se essa impureza é necessária ou contingente às nossas fraquezas. Ifigénia não desarma da sua determinação de fidelidade a uma máxima de vida: "A lei que me fala e que me leva a desobedecer-te é outra: é a lei segundo a qual toda a vida humana é sagrada". O ponto é que a pura determinação de Ifigénia parece estar ligada ao seu desligamento do mundo: ela, sacerdotisa de Diana, vive fechada no templo e nos circundantes espaços sagrados, longe dos campos de batalha e de labuta. Ela, virgem, nem da mais básica célula da sociedade participa. Quem governa um povo, tal como esse mesmo povo, não pode dar-se ao luxo dos mesmos deslaçamentos que a virgem sacerdotisa. A pureza não casa bem com a acção, com o mundo. Será? É nessa questão que vale a pena embarcar para a leitura deste espectáculo.
O espectáculo não contém elemento algum que nos possa distrair das palavras e da consciência das personagens: assim se explica o despojamento do cenário, sem um grão de pó a mais do que o necessário.
Como já sabemos que tem de ser, Luís Miguel Cintra e Beatriz Batarda, nos principais papéis, transportam-nos à síntese da emoção com a compreensão. Sublime.
Pela Companhia de Teatro da Cornucópia, no Teatro do Bairro Alto, até 1 de Novembro.
Como já sabemos que tem de ser, Luís Miguel Cintra e Beatriz Batarda, nos principais papéis, transportam-nos à síntese da emoção com a compreensão. Sublime.
Pela Companhia de Teatro da Cornucópia, no Teatro do Bairro Alto, até 1 de Novembro.