30.11.07

Testar a hipótese da ordem social espontânea (4/5)

Continuamos com outra da série de experiências realizadas por Castro Caldas (2001) no âmbito do que vimos chamando um teste (com ferramentas de Inteligência Artificial) à “hipótese da ordem social espontânea”.



Problema de Cooperação

Vai agora ser introduzida uma nova situação experimental, lidando agora com um problema de cooperação, com um traço que podemos considerar qualitativamente diferente: a presença de um dilema moral (isto é, de uma situação em que o que é melhor para o colectivo não se impõe em si mesmo como melhor para o indivíduo), que implica o abandono do território da indiferença moral.

Caracteriza-se como segue esta situação experimental. Existe um grupo de indivíduos, os quais não podem comunicar entre si; a cada um é pedido que entregue uma contribuição monetária dentro de um envelope fechado e que anuncie (ao experimentador) o seu montante; o somatório das contribuições é multiplicado por um factor positivo (“investido”) e repartido por todos os participantes, na proporção da contribuição anunciada por cada um (sem tomar em conta a contribuição efectiva); a situação será repetida várias vezes. Se a contribuição de um determinado indivíduo for nula mas ele anunciar a contribuição máxima, o seu ganho será maximizado (em qualquer situação, não contribuir é sempre melhor). Resultados experimentais em circunstâncias similares mostram a emergência, com o tempo, do chamado “oportunismo não contributivo” – o que pode significar, a prazo, o fracasso do grupo. Novas simulações com o AG são compatíveis com os resultados obtidos empiricamente, no sentido mencionado.

Se isto é assim, porque é que na realidade existem inúmeras situações de acção colectiva sustentadas e sustentáveis ao longo do tempo e não (apenas) o desastre colectivo que estas experiências indicam que deveriam emergir da mera interacção espontânea de indivíduos egoístas? Castro Caldas vai investigar a resposta testando a “solução hobbesiana”: um contrato social negociado livremente, cuja garantia de cumprimento por todos é tarefa de um soberano. Precisa-se, pois, de um metagente.

Para a respectiva simulação (de novo com o AG-aprendizagem-social), a situação anterior é modificada para que o experimentador funcione como um metagente, no seguinte sentido: controla que a contribuição anunciada por cada indivíduo corresponda à sua contribuição efectiva; garante que a repartição dos resultados do investimento é proporcional à contribuição efectiva e não à anunciada; penaliza as falsas declarações. Mesmo sem concretizar para todos os indivíduos a possibilidade de controlo, o metagente consegue que as contribuições efectivas e declaradas passem grosso modo a coincidir: a “disposição moral” dos agentes torna-se elevada e a viabilidade do grupo é garantida.
Para além deste recurso ao metagente externo, é simulada uma metagência distribuída (controlo dos membros do grupo, no tocante ao respeito das regras partilhadas, por outros membros do grupo) – o que só funciona satisfatoriamente em situações com níveis elevados de “disposição moral” dos participantes (se o incumpridor for indiferente à reprovação dos seus pares, a censura social – na ausência de coação – não orienta o seu comportamento). O Autor conjectura, então, que o desejável seja a combinação da metagência externa com a metagência distribuída, uma vez que as regras sociais de emergência espontânea não parecem ser suficientes e, pelo contrário, parece ser necessária “a invenção deliberada de regras partilhadas que ou são assumidas enquanto obrigações pelos agentes ou lhes são coercivamente impostas” (Castro Caldas 2001:192).

Embora sem entrarmos aqui em detalhes, convém mencionar que Castro Caldas investiga o que chama “problemas da solução hobbesiana”, um dos quais se apresenta como segue. A presença do “soberano”, e a consequente padronização dos comportamentos individuais no respeito pelas regras, se for demasiado rígida pode traduzir-se numa solução não satisfatória para o problema da tensão entre exploração e pesquisa, isto é, pode ser incapaz de conciliar a coordenação inter-individual potenciadora da exploração eficiente dos nichos de recursos conhecidos com a liberdade individual que permite descobrir alternativas e respostas às mutações – sendo que essa liberdade individual tem de incluir o risco de erros e das suas consequências para o grupo. Castro Caldas simula, ainda com o AG-aprendizagem-social, situações que mostram a existência destes problemas e elenca três ordens de problemas da solução hobbesiana: (1) a coação conduz a uma uniformidade de comportamentos que pode traduzir-se em perda de adaptabilidade do grupo às mudanças do ambiente; (2) uma ordem social ineficiente mas vantajosa para uma coligação dominante pode ser sustentada ao longo do tempo; (3) uma ordem eficiente pode ser injusta.


REFERÊNCIA

(Castro Caldas 2001) CASTRO CALDAS, José Maria, Escolha e Instituições – Análise Económica e Simulação Multiagentes, Celta Editora, Oeiras, 2001





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