15.11.07

Compreender o papel das instituições na vida social (para lá da teoria económica neoclássica) - 5/5

Andámos a fazer uma leitura da crítica institucionalista de Geoffrey M. Hodgson à teoria económica neoclássica, em três pontos:
Primeiro, uma crítica do individualismo metodológico;
Segundo, uma crítica da hipótese da maximização;
Terceiro, uma crítica do conceito racionalista de acção.

Ora, estas críticas convergem para a necessidade de considerar a existência e o papel das instituições na vida económica e social – porque não existem indivíduos como átomos constituídos de forma absoluta fora da interacção social. As motivações económicas são formadas ou moldadas pelas mais variadas circunstâncias sociais e históricas. Uma economia moderna não funciona sem instituições: as trocas não são apenas transferências de bens, serviços e dinheiro entre agentes. Na verdade envolvem muitas instituições, como, por exemplo, direitos de propriedade, que são protegidos pelo Estado, por um sistema legal, por precedentes que tomam força de lei; os próprios contratos obedecem a certas regras, em parte legais e em parte sociais, que os enquadram; certas profissões são regidas por obrigações morais que ultrapassam as disposições contratuais formais (o juramento de Hipócrates para os médicos, por exemplo); a compra e venda de força de trabalho envolve a dignidade da pessoa humana, fazendo com que a generalidade dos países civilizados regule essa troca de forma que tem em consideração muito mais do que o seu interesse económico; o próprio dinheiro é uma complexa instituição social.



Um aspecto importante da abordagem institucionalista é que ela rejeita o determinismo. As instituições não determinam unívoca ou estritamente o comportamento dos indivíduos. Os indivíduos são constituídos pelas instituições, mas também participam na sua constituição. As instituições têm estabilidade e inércia, nascem de processos rotinizados partilhados por conjuntos de indivíduos de uma mesma sociedade e reforçam essas rotinas, tornando-as duradouras. Uma parte importante do papel das instituições é o seu peso cognitivo: estabelecem quadros de interpretação dos dados sensoriais e da informação, criando caminhos de construção do conhecimento. Até certo ponto as instituições fazem os indivíduos ver o mundo de certa maneira, em formas habituais. Isso não significa, contudo, que as instituições não possam mudar.




Um aspecto da dinâmica dessas mudanças, e do papel que os indivíduos nela desempenham, é discutido por Hodgson noutra obra (Hodgson 1993: capítulo 16). Há uma interacção complexa entre instituições formais (por exemplo, organizações explícitas) e instituições informais (hábitos, costumes). Por exemplo, uma empresa tem uma hierarquia e certas regras explícitas codificadas, mas também comporta relações pessoais entre indivíduos, quer pertençam ao mesmo nível hierárquico, quer pertençam a níveis diferentes – e tanto o aspecto formal como o aspecto informal contribuem para o impacte da empresa no mundo e para influenciar a acção individual.



As instituições mudam, mas de forma complexa e de acordo com ritmos diferenciados, combinando elementos de estabilidade e de instabilidade. Por um lado, por vezes a mudança institucional formal é mais difícil do que a mudança dos comportamentos individuais, provocando até a percepção de um desfasamento entre as instituições vigentes e novos desafios. Isso pode dever-se, por exemplo, à dificuldade de alcançar acordos entre os indivíduos para actualizar as instituições. Por outro lado, é por vezes mais fácil mudar as regras formais de funcionamento de uma instituição (por exemplo, o regulamento de um organismo) do que mudar os hábitos e rotinas que estão enraizadas de forma não explícita. Por vezes a mudança institucional faz-se com as mesmas pessoas (que mudam de comportamento), enquanto outras vezes a mudança só se torna efectiva quando mudam as pessoas (quando chegam novos indivíduos sem memória dos hábitos antigos). Estes exemplos reforçam, portanto, a ideia de que as instituições não são máquinas que determinam o comportamento dos indivíduos, comportando uma mistura de poder e de flexibilidade, de inércia e de potencial modificação, que agem sobre os indivíduos mas que também são afectáveis pelos seus membros individuais.


REFERÊNCIA
(Hodgson 1993) HODGSON, Geoffrey M., Economics and Evolution: Bringing Life Back into Economics (todas as referências são para a tradução portuguesa, Economia e Evolução: O Regresso da Vida à Teoria Económica, Oeiras, Celta Editora, 1997)


Esta série fica por aqui. Já de seguida (mais ou menos...) vamos dar outros desenvolvimentos a esta viagem. Voltem e verão. Proximamente começaremos uma série intitulada “Testar a hipótese da ordem social espontânea em Simulação Multi-Agentes”.


***