Com este postal termina esta série onde apresentámos experiências realizadas por Castro Caldas (2001) no âmbito do que vimos chamando um teste (com ferramentas de Inteligência Artificial) à “hipótese da ordem social espontânea”.
A questão do poder em agentes artificiais (e talvez também nos naturais)
As segunda e terceira ordens de problemas da solução hobbesiana, tal como identificadas por Castro Caldas (cf. postal anterior desta série), remetem quase directamente para a questão do poder e da sua relação com interesses individuais diferenciados. Uma outra das suas experiências de SMA dirige-se precisamente para esse domínio. Tratemos de descrever os seus elementos essenciais, a partir de um dispositivo básico semelhante ao que encontrámos antes para o problema da cooperação.
Temos de novo um grupo de agentes. Cada agente faz uma contribuição monetária, a qual deve respeitar um mínimo estabelecido. O metagente inspecciona em cada ronda uma certa percentagem dos agentes para verificar o cumprimento desse mínimo e, no caso de detectar incumprimento, impõe uma sanção (uma “multa”) tanto mais pesada quanto maior for o desvio face ao mínimo regular.
A novidade é que cada agente tem uma dimensão (que pode ser interpretada, por exemplo, como o valor da sua participação no financiamento da experiência). A dimensão do agente determina quantos votos tem esse agente em decisões no seio do grupo.
A questão do poder em agentes artificiais (e talvez também nos naturais)
As segunda e terceira ordens de problemas da solução hobbesiana, tal como identificadas por Castro Caldas (cf. postal anterior desta série), remetem quase directamente para a questão do poder e da sua relação com interesses individuais diferenciados. Uma outra das suas experiências de SMA dirige-se precisamente para esse domínio. Tratemos de descrever os seus elementos essenciais, a partir de um dispositivo básico semelhante ao que encontrámos antes para o problema da cooperação.
Temos de novo um grupo de agentes. Cada agente faz uma contribuição monetária, a qual deve respeitar um mínimo estabelecido. O metagente inspecciona em cada ronda uma certa percentagem dos agentes para verificar o cumprimento desse mínimo e, no caso de detectar incumprimento, impõe uma sanção (uma “multa”) tanto mais pesada quanto maior for o desvio face ao mínimo regular.
A novidade é que cada agente tem uma dimensão (que pode ser interpretada, por exemplo, como o valor da sua participação no financiamento da experiência). A dimensão do agente determina quantos votos tem esse agente em decisões no seio do grupo.
O somatório das contribuições é “investido” (multiplicado por 10) e o resultado é repartido por todos os participantes. A repartição pode obedecer a um de dois regimes. Na “repartição utópica”, a parte que cada agente recebe do montante global que resulta do investimento é proporcional à parte da contribuição desse agente no total das contribuições. Na “repartição pragmática”, o pagamento a cada agente é proporcional ao peso da sua “dimensão” no somatório das “dimensões” de todos os agentes. As experiências que vão ser feitas contemplam a possibilidade de ser o próprio colectivo dos agentes a escolher qual dos regimes de repartição aplicar. A experiência no seu conjunto diz respeito à questão de saber como é que os agentes votam quando lhes for apresentada essa escolha e, mais precisamente, como é que a “dimensão” do agente influencia esse voto.
As simulações realizadas começam sempre com uma fase em que o regime de repartição é fixado pelo experimentador (300 gerações com a regra pragmática, 300 gerações com a regra utópica), para que os agentes experimentem as consequências de cada regime para o seu próprio comportamento. Só depois entra em jogo a escolha do regime futuro.
Numa primeira simulação, todos os agentes são “criados iguais”, isto é, todos têm a mesma dimensão. Por isso, as diferenças nos pagamentos percebidos dependem apenas das diferenças nas contribuições individuais. Neste cenário, a fase inicial de regime pragmático imposto exteriormente resulta na recolha de montantes globais (e em pagamentos individuais) relativamente baixos, determinados pela contribuição mínima de praticamente todos os agentes. A fase inicial de regime utópico imposto exteriormente resulta na recolha de montantes globais (e em pagamentos individuais) consideravelmente superiores. O valor que cada regime de repartição assume para cada agente particular é definido pelo pagamento líquido médio que esse agente obteve, no passado, quando vigorava esse regime. É, pois, sem surpresa que, quando os agentes são chamados a votar para escolher o regime de repartição a aplicar no futuro, o voto na regra utópica é unânime.
Numa segunda simulação, com uma distribuição de poder mais realista, o que muda é que os agentes deixam de ter todos a mesma “dimensão”. A dimensão dos agentes é determinada aleatoriamente, assumindo valores entre 0 e 20. Assim, desta vez, o “poder” (dimensão) poderá introduzir diferenças nos pagamentos individuais, sem que essas diferenças sejam resultado da maior ou menor contribuição individual.
A fase inicial desta segunda simulação, com regimes de repartição impostos exteriormente, revela o mesmo comportamento da fase inicial anterior. Contudo, uma diferença assinalável acontece quando os agentes são chamados a votar para escolher o regime de repartição a aplicar no futuro: a regra pragmática vence. Na verdade, mais agentes votaram na regra utópica, mas houve mais votos na regra pragmática, porque são os “grandes” que tendem a votar na regra pragmática, que premeia precisamente o poder e não a contribuição – regra essa que é desvantajosa para os “pequenos”. Note-se ainda que, por causa da menor influência da contribuição individual no pagamento final do mesmo indivíduo no caso em que vigora o regime pragmático, os níveis contributivos gerais baixam nesse regime – mas os “grandes” preferem-no, mesmo assim, porque conseguem pagamentos individuais maiores mesmo quando o montante global disponível é menor.
O poder (aqui representado pela “dimensão”) revela-se, pois, capaz de influenciar o funcionamento dos colectivos – muito para lá de um “interesse comum” ideal que pudesse ser alcançado de uma vez por todas e de forma separável dos interesses diferenciados dos indivíduos.
E assim se revela o carácter abstracto e tintado de irrealismo da hipótese da ordem social espontânea.
REFERÊNCIA
(Castro Caldas 2001) CASTRO CALDAS, José Maria, Escolha e Instituições – Análise Económica e Simulação Multiagentes, Celta Editora, Oeiras, 2001