A campanha, "soberanista" ou de "esquerda", contra o "Tratado Constitucional" europeu, vivia em grande parte do seguinte dispositivo: atacar coisas que já existem, há muitos anos, como se fossem novidades desse tratado. Porquê? Porque o tratado juntava todas as disposições dispersas por diversos tratados anteriores, que passariam a constar num único texto, com princípio, meio e fim - e que assim seria muito mais fácil de "ler". As oposições mais primárias atacavam então o que aparecia no novo tratado, que eram em geral coisas apenas "copiadas" do ordenamento já existente. Isso permitia também esquecer várias coisas novas, e boas, que também lá estavam.
Assim se explica que uma das novidades do novo "tratado de funcionamento" é que este já não terá esse aspecto sistematizador: será apenas uma lista de "onde se lia X passa a ler-se Y". Muito difícil de compreender para quem não domine o que já consta dos anteriores tratados. Mas nada inconveniente para os eurocratas, que já usam no dia a dia uma coisa chamada "Tratados Consolidados": uma espécie de tratado único construído com todas as alterações acumuladas. Teremos, portanto, um tratado "menos transparente", por assim dizer. Mas apenas porque a demagogia anti-europeia gosta pouco de discutir a substância e prefere o espalhafato verbal.
Essa é, aliás, a mesma razão pela qual todos têm opinião sobre referendar ou não referendar o futuro tratado, embora em geral se preocupem pouco em discutir o concreto das próprias disposições em causa. Porque é difícil fazer demagogia com matérias complexas. E a demagogia só gosta de assuntos a preto e branco, fugindo como o diabo da cruz de qualquer cena a milhões de cores - ou mesmo a 256 tons de cinzento.
(Cartoon original de Marc S.)