24.6.07

Shakespeare africano: força e significado


A peça de teatro NAMANHA MAKBUNHE parte do muito clássico "Macbeth" de Shakespeare e dá-lhe uma leitura que, permanecendo basicamente fiel ao modelo, se adapta. Se adapta, designadamente, a algumas realidades africanas - para a partir daí nos dar um espectáculo que, continuando a ser de validade universal, assume formas muito belas.

Produzida pelo Teatro Nacional de D. Maria em colaboração com o grupo "Os Fidalgos", da Guiné Bissau, representada por actores africanos, explora magnificamente a contextualização africana. Por exemplo, com as danças das feiticeiras, aquelas ideias que sugerem sonhos de glória aos ambiciosos e assim os levam ao engano e à desgraça, representadas por feiticeiras tanto na versão original como nesta versão. Ou com a música e canto que acompanham o narrador. E com o próprio narrador, o qual, aparecendo como o interlocutor do povo da tabanca, serve de dispositivo de optimização da economia do espectáculo.

Mas ainda, e este exemplo é ainda melhor para ilustrar as novidades desta adaptação e encenação, dando ao Macbeth africano (o guerreiro Makbunhe) duas mulheres, duas Lady Macbeth portanto: uma meiga e desinteressada do poder, virtuosa e pacífica, capaz de amar o seu homem mesmo que ele fosse apenas um camponês - sendo esta adequadamente uma negra roliça, doce e calma; outra impetuosa, acicatando o homem para a luta por todos os meios para alcançar o reinado, activa, pressionando sempre - sendo esta de um tipo físico mais enérgico, mais musculado, mais esguio, apresentada como mais prometedora em termos de dar herdeiros ao seu senhor. Criam uma tensão entre duas tendências de Makbunhe, duas possibilidades de ser, dois caminhos de acção, dois destinos - e materializam essa luta dentro das possibilidades de um ser humano na luta entre duas esposas legítimas de um mesmo marido, uma possibilidade dramatúrgica que Shakespeare não tinha disponível.

A peça, encenada pelo polaco Andrzej Kowalski e que dá a ver o trabalho de actores magníficos, está no Teatro da Trindade só até 1 de Julho e deve ser vista. Imperativamente. Depois não digam que eu não avisei. (Se a coisa não fosse urgente não estaria a escrever aqui ao domingo, note-se.)



(Foto do sítio do TNDM II.)