29.1.12

poesia e ciência (1).


A insustentável leveza de quê?



Ao Gonçalo

“O poema não é mais verdadeiro nem mais
consciente do que uma teoria científica
(provavelmente, é-o menos) o poema não contém
atrito por definir o mundo ou desvendar a
metafísica. O atrito do poema tem a ver com o
corpo, a distância e a lentidão.”
Pedro Eiras – A Lenta Volúpia de Cair


Deixar cair uma maçã com toda a força;
Não estamos aqui pela gravidade, mas porque
Amamos o chão – a terra – se possível, metemo-la
toda na boca, perdi um bloco de notas que me
compraste no museu do Galileu, nele tinha notas sobre a
aflição e o atrito – a ligação entre poesia e ciência, a Vontade
de estar dentro de Ti. A maçã contínua cai – sem que
Newton ou um poeta suicida – Esqueci-me do número do
andar – tenham ainda o sabor da razão na boca, azedo e
verde, sem ter asas, nem querer voar:
A insustentável leveza de quê? O atrito do
ar enquanto desces e perdes toda a poesia e a
inocência, a vontade de cair naquilo que nunca será
ciência – falo da razão – 
está nos teus olhos, dentes e boca.

Nuno Brito, Créme de la Creme, Porto, Planeta Vivo, 2011