30.6.11

há coisas que fazem uma diferença do caraças


Como esta: «Mas vai doer ao mexilhão. E mais desta vez, uma vez que o limite mínimo já não é 1500€ mas sim 475€.» Pedro Lains explica.

o programa e o governo

18:58

Quando chegou a vez de Apolónia tive de desligar. Ouvira, até aí, o PM e uma voz por cada um dos partidos que têm deputados por se apresentarem ao eleitorado (que não é, exactamente, o caso dos melancias). As minhas impressões são, talvez por não ter ouvido Apolónia, um pouco difusas.
É cedo para saber quanto durará a simpatia de Passos Coelho, que até parece ter comovido Jerónimo de Sousa. Mas a simpatia não é exactamente a mesma coisa que capacidade negocial. A primeira dá um bom acepipe, sendo necessária a manter a mesa em atitude civilizada (o que não é coisa pouca); a segunda é extremamente necessária para cozinhar o prato principal. É bom, de todos os modos, que o PM tenha, finalmente, percebido que há uma crise internacional.
Maria de Belém Roseira fez, muito bem, um discurso difícil: sabemos bem quais são as nossas responsabilidades, não vamos fugir, mas estamos atentos. E, se o governo tem legitimidade para governar, o PS também tem a legitimidade dos votos que teve. E as perguntas que Maria de Belém fez estão muito para além daquilo que o PM queria, ou podia, responder no momento. São, pois, perguntas que vão "andar por aí".
O principal motivo de expectativa é, para mim, o facto de serem constantes as referências, vindas da maioria, à concertação social. Se for a sério, é importante. E positivo. A ver vamos.

questões de civilização (adenda)

14:50

Quanto a este meu post de ontem, quero acrescentar o seguinte.
Há uma maneira "racional" de tratar com os assuntos humanos que julga que a razão está fora/acima da história, pelo que o significado histórico e tradicional de certas práticas é desprezado e pode simplesmente ser rasurado pela "lei".
Há, por outro lado, uma maneira "comunitária" de lidar com a razão que toma a tradição como um critério absoluto, fechado, que não pode ser repensado - e, desse modo, despreza a possibilidade de raciocinar em conjunto com outras tradições, tendo em conta outros valores e outros aspectos das questões.
Os ortodoxos de certas convicções religiosas, que continuam a achar que não podem comer camarões por causa de uma frase do Livro, praticam esta última espécie de intolerância. Os iluministas - que, além de serem iluministas, acham que já foram eles mesmo pessoalmente iluminados - pertencem à primeira espécie de intolerância. Nenhuma destas espécies de intolerantes suporta indivíduos que não alinhem nessas intolerâncias. Qualquer uma destas espécies de intolerância é uma sobrevivência de tempos remotos em que cada "civilização" estava a milhares de quilómetros das outras, podendo fazer de conta que estava só no mundo.
Claro que, como não somos relativistas, não acreditamos que tudo se resolva pelo diálogo. Mas a alternativa ao relativismo não é o dogmatismo. Nenhum dogmatismo.

coisas preocupantes - e outras nem tanto

12:21

Vai começar daqui a muito poucas horas o debate do programa de governo no parlamento. Em qualquer democracia a sério, seria um momento importante. Espero que seja. Quer dizer: que o governo explique bem ao que vem; que a oposição faça as perguntas pertinentes para perceber o que significa o que está escrito no programa e, quanto ao seu oposicionismo futuro, prometa - para cumprir - que não vai deixar de fiscalizar, mas vai ter sentido da realidade. Sentido da realidade é perceber que nem tudo o que queremos em geral, para a vida de um país, pode ser feito num dado momento.
Entretanto, estou preocupado com a saúde, com a protecção social, com a equidade no mundo do trabalho, com a eventual venda ao desbarato de activos do Estado. Não estou preocupado agora, já estava antes, quando o governo era outro e o Memorando de Entendimento era o mesmo. Entretanto, não estou nada preocupado com o facto de o PM ter sido presidente da JSD, nem com o currículo da licenciatura do PM, nem com a escola em que ele foi docente.
Quero dizer: não abordo a actual governação no mesmo espírito que a governação anterior foi abordada pelos partidos agora no governo (PSD e CDS), de mão dada que nessa altura andavam, nisso, com o PCP e o BE. Quero dizer: se os socialistas se comportarem agora como o PSD e o CDS se comportaram antes - discurso dúplice, jurando com uma mão que apoiam o esforço e, com a outra mão, fazendo uma guerrilha permanente - o "povo", essa entidade mítica, é capaz de não apreciar. E com razão: precisam os socialistas, primeiro, de se encontrar: encontrar uma via que não seja a da ortodoxia dominante na Europa. E, convenhamos, que via é essa ainda está longe de ser claro.

29.6.11

Rock in Law 2011



questões de civilização

11:02


Congresso holandês proíbe o sacrifício ritual de animais por motivos religiosos
.

Os iluministas rejubilarão com esta decisão. Os iluministas detestam "a tradição" e julgam que tudo na vida se rege pela "razão". Conseguindo articular um argumento racional a favor da diminuição do sofrimento dos animais, sentem-se automaticamente justificados para eliminar uma prática tradicional de certos grupos humanos. Alguns iluministas conseguem perceber que este raciocínio funciona mal na análise económica (por exemplo, quanto ao hiper-racionalismo de certas escolas económicas), mas já não se interessam pelo caso quando a tradição é religiosa.

A decisão acima noticiada suscita-me, pelo menos, duas ordens de questões. Primeira: sendo a religião uma prática humana, quer esta decisão significar que valem mais os animais do que os humanos? Será que, afinal, esta decisão não é mais do que uma forma de discriminar religiões minoritárias no país em causa? Segunda: estaria contra o essencial das religiões que elas modificassem as suas tradições à luz de novos valores que vão aparecendo, como seja o valor dos próprios animais como seres capazes de sofrimento?

Questões de civilização. Alguém quer bater na pedra?


[Aditamento. Ricardo, acho pouca piada a textos que argumentam como se salivassem. Mas isso é apenas uma questão de gosto. Quanto a eu ser reaccionário, admito que seja uma questão de opinião, embora ache um pouco triste essa mania de ler de forma simplista o que os outros escrevem. Já quanto a eu escrever coisas pós-modernas, aí acho que o delírio passa os limites da credibilidade que um autor deve exigir de si mesmo.]

28.6.11

ir ir ir ir


No Museu do Chiado. Inauguração: 30 de Junho, 19 horas.



volta, realidade, estás perdoada


A blogosfera política, um mundo mais pequeno do que parece (vou a uma dúzia de blogues e vejo comentadores de serviço que circulam lestos, alguns mesmo trocando de pseudónimo como quem troca de luvas), mas ainda assim muito divertido, anda um bocado à nora com esta transição de ciclo político. Eu, por mim, com a quantidade de trabalho que tenho em mãos, agradeço este entre-tempo. Vejo, contudo, que outros não querem deixar enferrujar as espadas, nem por nada. E, por isso, contam ministros e secretários de estado, aparentemente impressionados com a falta de palavra do Primeiro-Ministro, quando, acho eu, deveríamos todos ter percebido que, se o homem disse umas coisas sem sentido na campanha eleitoral, terá de as corrigir. Ainda bem que as corrige. E não se deve ignorar a possibilidade de que ele saiba corrigir muita coisa tão bem como resolveu o assunto Fernando Nobre.
Entretanto, o dia de ontem foi de manifesta humilhação pública para blogueiros contadores de secretários de estado: qualquer diatribe exibida num blogue terá parecido muitíssimo decente se comparada com o desempenho do Público, que mudou não sei quantas vezes a contagem das cabeças na edição on line durante a tarde de ontem. Percebe-se: mudar de ramo (ou de galho, se quiserem) é coisa que dá trabalho a qualquer empresa.

27.6.11

experimentum crucis


Uma das "técnicas" do anterior ciclo político (técnica velha, mas levada ao paroxismo pela política do ódio) consistiu em, para não ter que ligar aos argumentos dos adversários, tratar de os desqualificar. Era uma espécie de "tratamento de substituição". No campo dos apoiantes do anterior governo na blogosfera, talvez o mais causticado por esse tipo de ataque tenha sido o Câmara Corporativa. Criou-se uma doutrina, do género informe, segunda a qual "os Abrantes" (um rótulo de ódio, cuja invocação tinha a mesma função dos sininhos que os leprosos eram obrigados a usar para prevenir as gentes de que deviam afastar-se) seriam, disfarçadamente, "assessores pagos pelo erário público para fazer propaganda governamental".
Não estou particularmente interessado na atitude de prolongar as novelas de um ciclo para outro, mas este caso interessa-me, por ser razoavelmente específico como nódulo da guerrilha política recente. Assim sendo, fico à espera para ver que explicação arranjam, agora, aqueles doutrinários, para o facto de "os Abrantes" continuarem a existir. Está em curso, portanto, uma experiência crucial da blogosfera política à portuguesa. Ou o Corporações desaparece rápida e cruelmente, ou aquele expediente devia começar a envergonhar os que a ele recorreram: qualquer dia começo a fazer a lista...

notícias de Santana

"Robôs Ensinam Políticos"


Pedro Lima, Professor no I. S. Técnico e investigador no Instituto de Sistemas e Robótica, publicou no passado sábado um texto muito actual, intitulado "Robôs Ensinam Políticos", no Robotizando, blogue da Sociedade Portuguesa de Robótica no Expresso. A questão de base é ilustrada pelos seguintes excertos:
Nos EUA, a investigação em robótica está no centro das atenções dos media: um senador republicano publicou um relatório onde considera 3 projectos de investigação na área da Robótica como desperdícios, e o Presidente Obama foi à Universidade de Carnegie-Mellon anunciar uma forte aposta na investigação em Robótica nos próximos anos. (...)
Estas duas visões da importância ou não de investir em investigação cujos resultados muitas vezes só se vêem num futuro relativamente distante (ou que nem se vêem de todo) dominam o debate internacional sobre o tema. Portugal não é excepção. (...)
Por exemplo, o leitor já se interrogou alguma vez sobre a utilidade dos enormes montantes gastos para levar um homem à Lua? Para além do aspecto poético da questão, o que ganhámos com isso? Mas a verdade é que muitos dos materiais e dispositivos que usamos agora no nosso dia a dia resultaram da investigação que foi necessária para atingir aquele objectivo.
Vale a pena ler o texto integral, aqui.

Intencionalidade: mecanismo e interacção


Resumo:
Neste ensaio tentamos uma resposta à seguinte questão: tem a intencionalidade de poder ser reduzida a alguma coisa? Propomos que é possível reduzir qualquer variedade de intencionalidade a uma especificação de mecanismos (organização interna dos itens intervenientes num fenómeno intencional) e um esquema histórico de interacção (estrutura das relações mútuas significativas adquiridas historicamente pelos vários itens intervenientes no mesmo processo intencional). Começamos por esclarecemos o sentido desta proposta a partir da abordagem teleosemântica de Ruth Millikan. Depois procuramos avaliar o interesse e a viabilidade da proposta considerando, sucessivamente, o caso do mundo animal e o caso dos humanos; o caso das máquinas; o caso dos colectivos sofisticados especificamente humanos. Terminamos expondo e defendendo o carácter heurístico da redução proposta.

Integral (ficheiro pdf): Porfírio Silva, "Intencionalidade: mecanismo e interacção", in Principia, 14(2), pp. 255-278

22.6.11

invenção?


Disparar primeiro, focar depois.

Então, mas isso não é a prática corrente, falar primeiro e pensar depois?
Ah, está-se a falar de fotografia, está bem.

iliteracia matemática





O fascínio de alguns comentadores-ou-jornalistas-ou-opinadores-ou com o facto de o novo ministro da educação ser matemático, formação que, no entender de alguns, lhe daria uma especial clarividência, não revela nada sobre o ministro, que suponho isento de qualquer responsabilidade nessa fantasia, mas revela muito sobre os autores dessa linha de magnífica admiração. Revela iliteracia matemática: a admiração tola dos ignaros. Quando eu andava nos primeiros anos de escolaridade já havia esse fenómeno: os meninos que suavam horrores só de pensar na aritmética elementar julgavam que os que sabiam multiplicar 9 por 6 sem gaguejar eram uns génios. Mais tarde, a luz que irradiava de quem resolvia um sistema de equações sem necessidade de aspersão com água benta, era uma luz inexistente - mas visível para os que começavam a tremer como varas verdes duas horas antes de uma aula de matemática, que eram os mesmos que se sentavam atrás do mais matulão a ver se passavam longe da vista do setôr de matemática. Esses desterrados das delícias das ciências formais parecem ser legião agora no jornalismo-comentarismo, onde prosseguem a narrativa dos seus medos, agora definitivamente convencidos de que quem sabe matemática é um génio.
Não é necessariamente um génio. E aviso, desde já, os ditos jornalisto-comentadores, para irem meditando no assunto: mesmo que Nuno Crato venha a revelar-se um génio como ministro (os santos o protejam, se já o perdoaram dos radicalismos juvenis), isso não será prova de que ser matemático implique ser um génio.

profetas

14:37

Daniel Cohn-Bendit no Parlamento Europeu em Maio do ano passado.



Não é a primeira vez que se coloca aqui este vídeo. Vale, contudo, a pena, repetir - e acrescentar qualquer coisa.

Desde logo, que não são só os medinas carreiras deste mundo que sabem fazer previsões. Cohn-Bendit foi - sem grande esforço, aliás - mais profeta do que muitos que para aí andam. E, como se sabe, Cohn-Bendit não foi o único a ver (não é, sequer, prever) que assim se passariam as coisas: como elas se estão a passar. A vantagem para Cohn-Bendit é que ele indica soluções dentro da UE.

Depois, que a hipocrisia dos "ricos" da UE continua a ser tão grande como era ao tempo - e isso pode ferir mortalmente esta Europa, mesmo que isso para já não se note por causa das solidariedades partidárias (o Partido Popular Europeu, com a sua hegemonia nos governos, ajuda a garantir que ninguém morda as canelas da senhora Merkel, por mais disparates que ela faça - e faz).

Incidentalmente, Barroso faz, neste vídeo, aquilo que passa a vida a fazer: o que lhe interessa é recontar a sua própria narrativa pessoal (empertiga-se para dizer que nunca perdeu as eleições, mas não diz que isso foi por se ter posto a mexer antes de chegar o seu tempo). Nunca antes de Barroso um presidente da Comissão Europeia tinha andado tão aos papéis, barata tonta num terreiro onde tem de fazer de conta que existe quando ninguém lhe liga. Os "grandes da UE" já nem se dão ao trabalho de fazer de conta que o ouvem, que esperam uma iniciativa sua - sequer de lhe arranjar um lugar de figurante na peça. Barroso limita-se a correr atrás das canas para poder dizer que viu os foguetes: provavelmente, já estará a pensar para onde fugir a seguir, talvez mais alto, talvez venha de férias cá para dentro.

Por que será que os nossos séculos XVI acabam sempre cedo demais?

21.6.11

grafitos de Varsóvia




uma pergunta a Assis e Seguro

18:24

símbolos

18:15

Assunção Esteves eleita Presidente da Assembleia por maioria confortável, tornando-se assim na primeira mulher a assumir o cargo que representa a segunda figura do Estado.

Gosto do simbolismo.
Assunção Esteves estará, como qualquer homem estaria, sujeita ao escrutínio do exercício efectivo das suas funções. Não obstante, gosto de ver mulheres lá no alto. Só haverá verdadeira igualdade de género quando houver tantas mulheres incompetentes no altos cargos como homens incompetentes por lá andam.
Valeu, pois, a pena ter votado contra Nobre. O simbolismo do independentismo de pacotilha era uma tolice, mal servida por um vaidoso em difícil equilíbrio no processo de emigrar para a política dos altos voos para que se não tinha preparado.
Passos Coelho, pelo seu lado, continua a falhar tiros mas a encontrar, por vezes, boas correcções de rumo. Se compararmos com os primeiros tempos de Cavaco, Passos Coelho até está muito bem. Toca a trabalhar, portanto.

Portugal não merecia este filme


"Viagem a Portugal", de Sérgio Tréfaut, pinta-nos de forma terrivelmente injusta. Portugal é, de todos os países do mundo, um dos que melhor tratam os seus imigrantes. Este filme pisa essa realidade, construída passo a passo com cuidado e labor, apresentando-nos como um país atroz para os estrangeiros que nos chegam. Para quem, como Sérgio Tréfaut, parece ter a pretensão de fazer um certo cinema social, este filme, estética à parte, é uma bofetada em quantos ajudaram a fazer de Portugal um país mais justos para os imigrantes. Confesso que fiquei revoltado ao ver este filme: parece-me pornográfico tratar de "temas de sociedade" de forma tão insensível ao contexto verdadeiro desses temas.


terrorismo

11:18

Fitch considera “incumprimento” o envolvimento voluntário de privados no novo resgate da Grécia.

O fenómeno dos "indignados" contém sinais contraditórios (espero um destes dias ter tempo e inspiração para escrever sobre isso). Sem rebuços, considero claramente detestável, em tais movimentos, o ataque às instituições representativas, como aconteceu na Catalunha com a ameaça de bloqueio ao parlamento. Sei bem, entretanto, que essas derivas não esgotam a "indignação", nem representam o movimento no seu conjunto.
De qualquer modo, espero que os que se escandalizam com o ataque dos indignados às instituições democráticas se escandalizem, pelo menos com a mesma força, pelo ataque das agências de rating às mesmas instituições democráticas. Defendo que devem ser sentados nos bancos dos réus (já não há réus, apenas arguidos, mas ainda lá têm o banco dos réus, certamente, porque um banco é sempre um banco) devem ser sentados nos bancos dos réus os que atacam os representantes do povo enquanto representantes do povo; defendo que devem ser sentados no banco dos réus os que, escorados em "instituições do mercado", atacam a organização democrática, dos países e das regiões, apenas com critérios de batalha. Financeira. Batalha financeira. Ou, mais precisamente: terrorismo. Terrorismo financeiro.


a vingança de Nobre

10:06

Hoje às sete da manhã ouvi Alberto João Jardim a dizer que ele merecia (corrigiu: "nós merecemos") o prémio de ter o Presidente do Parlamento, pela interposta pessoa de Guilherme Silva. Se Guilherme Silva vier a ser proposto (se for proposto, será eleito), Alberto João Jardim começa este ciclo político com mais um desenvolvimento da sua saga, intitulada "um ditador nesta democracia pode safar-se muito bem". Nesse caso - e não estou a fazer nenhum juízo sobre Guilherme Silva propriamente dito -, Nobre vinga-se muito bem: para substituir o mais descarado equilibrista do ano, o PSD só teria encontrado um embaixador da nódoa do Atlântico.

20.6.11

o Nobre desistido

19:17


Fernando Nobre desiste de ser presidente da AR, mas fica como deputado
.

Saiu a sorte grande ao PSD.
Passos Coelho fez o papel de homem de palavra e levou Nobre à votação; até insistiu, levando-o à segunda votação; mas o homem não passou. Aliás, dá a impressão que o chumbo de Nobre foi devidamente preparado nas hostes da maioria: o CDS nunca deixou de falar claro contra ele; em nenhuma das duas votações Nobre teve sequer todos os votos da sua bancada (os faltosos à votação eram do PS); da primeira para a segunda votação, Nobre perdeu um voto: parece que da própria bancada do PSD saíram desertores, talvez para compensar aqueles que nas insistências amolecem e tendem a deixar resolver o problema.
Nobre não foi eleito e, com isso, o PSD, se talvez passou hoje uma pequena vergonha, poupou provavelmente muitas vergonhas futuras. (Se calhar era por tudo isto que António Costa achava que o PS devia votar Nobre.) E, diga-se, o PSD tem lá grandes presidentes do parlamento para apresentar e vencer.
Nobre, esse, como fez duas promessas contraditórias (sair se não fosse presidente, ficar mesmo não sendo presidente), acabará por cumprir uma.
Tudo está bem quando acaba bem.

Post Scriptum: Já agora, o título do Público: o homem não desistiu de ser presidente, desistiu de tentar. Quanto a ser presidente, não desistiu - foi desistido.



o Partido Socialista

11:15

Quando o PS estava no governo, eu defendia que o país precisava de uma oposição forte. Agora que a direita está no governo, defendo que o país precisa de uma oposição forte, quer dizer, que ofereça ao país alternativas, credíveis e realizáveis, ao que vai fazendo quem está no governo. E acrescento que o PS terá de ser pedra fundamental nesse serviço ao país.
É por isso que estou pasmado com o que já se viu do processo de “renovação interna” do PS. Aparentemente, Carlos César é o único líder regional que ainda não tomou posição por Seguro ou por Assis. O que quer isso dizer? Quer dizer que toda a gente dentro do PS sabe muito bem o que valem e o que pensam Assis e Seguro, mas César é um negociador e está a falar com um e com outro só para aferir o preço que cada um está disposto a pagar? Se isso for assim, não será grande novidade, mas fica um bocado pior do que o costume na fotografia, já que parece que todos os outros líderes regionais se inclinaram expedita e mui informadamente. Ou a dita especificidade de César quererá dizer, pelo contrário, que o líder do PS nos Açores é o único dentro desse partido que tem consciência de quanto soa ridículo, aos olhos do país, que toda a gente corra a lançar-se nos braços de Assis ou de Seguro mesmo antes de Assis ou Seguro, generalidades à parte, dizerem minimamente ao país ao que vêm?
Que Assis e Seguro vêm ao cargo de secretário-geral do PS, já se percebeu. É até honroso: querer exercer essa responsabilidade neste momento difícil é uma disposição louvável. Que, certamente, cada um deles sabe muito bem o que quer fazer do PS, quero crer que sim: é o mínimo que tenho de acreditar para crer que os socialistas – pelo menos esses dois – não ensandeceram. Que os militantes do PS saibam bem o que pensam Seguro e Assis, e tenham na ponta da língua para os enunciar quais os critérios para os distinguir e preferir um ao outro, tenho de admitir que seja verdade. Só que, do ponto de vista do país – os partidos fazem sentido para o país, para os que não estão por dentro, para os que esperam perceber como se preparam as alternativas – do ponto de vista do país parece-me bizarro que se dê a entender que toda a gente dentro do PS já está a ser arregimentada em exércitos diversos sem que, de qualquer forma entendível para os não iniciados, se perceba quais as diferenças políticas que justificam essa correria aos apoios aos candidatos em presença.
Ou, então, sou eu que estou (ou sou) distraído.

17.6.11

novo governo

23:21

Os governos são como os melões: só se sabe como são depois de abertos. Embora pareça que Passos Coelho não terá tido exactamente os ministros que queria, isso finalmente não quer dizer nada: mais vale um ministro que sai melhor do que a encomenda, do que uma estrela que foge passados três meses para não perder uma reforma. Os "verdes" são, provavelmente, mais genuínos e combativos do que as estrelas - e disso o governo precisa, certamente. Veremos.
Como oposicionista, prefiro que o governo seja competente: assim, a oposição pode centrar-se nas opções políticas, em vez de se perder tempo com os disparates deste ou daquele personagem. É assim que entendo as coisas. Daí que, com toda a franqueza, deseje sinceramente que o governo seja um bom governo - do ponto de vista do programa com que foi eleito. Isso, evidentemente, pede uma boa oposição: capaz de brilhar pelo mérito das alternativas que apresenta, não por ter muitas oportunidades de chacota dos pecadilhos dos governantes.


já não se fazem milagres como antigamente





16.6.11

desta vez não vai haver discurso da tanga?

afinal, já há quem tenha informação fresca sobre ministros do governo em formação


A germânica e democrata-cristã Fundação Konrad Adenauer, no âmbito de uma das suas actividades em Portugal, está a convidar para uma iniciativa em Lisboa no próximo dia 24 de Junho, em cujo programa anuncia uma intervenção de Paulo Portas. Título: "A new Parliament, a new Government – what kind of changes can we expect in Portugal?".

Paulo Portas é descrito como líder do CDS-PP, claro. Há mais, contudo: Paulo Portas é apresentado como "designated Portuguese Minister of Foreign Affairs".

Passos Coelho já sabe que Paulo Portas será o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros? E o Presidente Cavaco? Ou ainda só contaram para os alemães?

o grafito


Em qualquer cidade por onde ando vou sempre atento aos grafitos, especialmente os que denotem alguma especificidade local. Em alguma cidades mais "limpas", os grafitos são empurrados para as margens, o que significa que a deambulação tem de nos tirar do centro para encontrarmos alguma coisa relevante. Foi também isso que me aconteceu na recente ida a Cracóvia. Este apontamento é para notar uma técnica que não conhecia.
Este bicharoco aparece em duas paredes que estão a uma certa distância, metade em cada uma. O conjunto do bicharoco só se vê colocando-nos numa certa posição. Deste modo, o grafito organiza o espaço de uma forma específica. Pede-nos uma certa colocação, uma certa atenção, para se deixar ver organicamente: duas metades aproximadamente justapostas.



Entretanto, eu gostaria de ver experimentada uma variante desta técnica: usando metades de tamanhos (adequadamente) diferentes, a perspectiva induzida pela distância daria ao passante, apenas se ele se colocasse num ponto exacto, um bicharoco perfeito com duas metades igualmente dimensionadas (por efeito das distâncias relativas). Estará isto presente neste exemplo de algum modo que me escapou? Ou, de facto, este autor não explorou esta possibilidade?

reflexões pouco apaixonadas entre ciclos políticos

15:15

Chamo "estar na política" a qualquer forma de intervenção pública que vise contribuir para que o país se oriente num determinado sentido (ou vise, pelo menos, que o país não vá por determinados caminhos). Pode estar-se na política militando num partido, escrevendo para ser lido, participando em alguma forma de fazer ouvir certas opiniões. Nesse sentido, "estou na política".
De entre as várias formas de "estar na política" prefiro as que são escrutináveis. Um militante partidário assume uma história, com as respectivas responsabilidades: não pode vir dizer "deviam fazer isto ou aquilo" com ligeireza, porque lhe podem perguntar "qual a razão para o teu partido não ter feito antes isso que agora apregoas". Um tipo que escreve regularmente num blogue é escrutinável pelo histórico dos seus escritos: em termos de coerência, por exemplo. É essa sujeição ao escrutínio que, a meu ver, falta nas formas mais inorgânicas de "independência". Quem nunca se compromete com nada, pode sempre criticar tudo, mas pelas más razões: a sua tarefa é puramente destrutiva. É o modelo da inutilidade prática. Pode dizer mal de tudo, sem rumo e sem linha - mas nunca produzirá, enquanto assim for, o compromisso com os outros que é sustento necessário à vida em comum.
Para os comprometidos, há basicamente duas formas de estar na política. Podemos julgar que "os nossos" são a única peça que é necessária à máquina para funcionar. Ou podemos acreditar que nós representamos uma parte das boas razões, crendo ao mesmo tempo que os nossos adversários representam outra parte das boas razões - e, ainda, que sempre se misturam algumas más razões às boas razões. Para quem, como eu, vai mais pela segunda via (diferentes forças e programas políticos são necessários à capacidade da comunidade para explorar diferentes caminhos e possibilidades), impõe-se uma expectativa positiva para o próximo governo.
Credo, o homem vendeu-se à direita!
Nada disso. Simplesmente, embora receoso das receitas ditadas pela ideologia dos novos governantes que aí vêm, espero que eles sejam capazes de pensar bem no que devem fazer, sejam determinados sem intolerância, não sejam tão ideológicos que esqueçam a força da realidade, sejam ponderados a decidir e competentes a executar o que decidiram. Quer isto dizer que espero não haver motivos para oposição? De modo nenhum. Quer, apenas, dizer que a relação entre governo e oposição pode ser uma relação de qualidade, mesmo no meio das maiores divergências programáticas. E Portugal precisa disso. Sempre precisou, mas agora precisa mais do que nunca nos últimos anos.

15.6.11

olhar para a lua



Em noite de eclipse.


(Certo: tenho de estudar melhor a questão de fotografar a Lua.)

o congresso do PS vai correr bem com toda a certeza



Vladimir Tatlin, Monumento à III Internacional, 1920

Um destes dias, um destacadíssimo dirigente do PS dizia que esse Partido não terá dificuldade em encontrar um bom secretário-geral. Queria ele dizer na dele que não era preciso estarem amofinados por ele próprio não ser candidato. Ao mesmo tempo que se justificava, dava essa nota optimista de que o PS tem muitos e bons, a colheita não deixará ninguém com fome.
Um raciocínio perigoso.
Vejam Portugal. Não há-de por aí faltar quem desse um excelente Presidente da República. E temos o que temos.
O problema das boas searas é que elas não procedem à colheita espontaneamente.

(Pareço um bocadinho cínico quanto à eleição do SG do PS, que é o Partido da minha escolha? Isto passa. Estou só à espera das propostas programáticas...)

passo a citar

basta-nos um robô Einstein ou precisamos do Einstein propriamente dito?


O robô Einstein, projectado segundo a linha de robôs hiper-realistas da Hanson Robotics e desenvolvido pelo Laboratório de Percepção para Máquinas da Universidade da Califórnia em San Diego, pretende ser uma máquina emocionalmente inteligente.
O modelo do famoso físico (ou melhor, da sua cabeça), produz um vasto leque de expressões faciais diferenciadas (graças a 31 motores internos que movem os "músculos" da "face"), segue os movimentos dos olhos dos humanos que se colocam como seus interlocutores, reconhece pistas auditivas e certos gestos (como o abanar da cabeça), reconhece expressões faciais dos humanos e trata de imitá-las, reconhece pistas sobre a idade e o género dos humanos que o rodeiam, bem como certas indicações particulares sobre os mesmos (como usarem ou não óculos).



Nota. Esta coisa do robô Einstein vs. o próprio Einstein não tem nada a ver com a política nacional...

14.6.11

por falar em ciclos políticos

17:44

Cabe agora à direita governar. Ao PSD e ao CDS chegou, de novo, a responsabilidade de mostrar como se marca o rumo.
Contudo, isso não esgota o arco das responsabilidades que mudam com esta mudança de ciclo.
Cabe ao PS mostrar que se pode fazer oposição de outra maneira. Uma contribuição importante dos socialistas para a vida pública nacional será mostrar, na prática, como se faz a oposição responsável que faltou muito no anterior ciclo político.
Não faltarão oportunidades. Mas cada oportunidade é também a possibilidade de perder uma oportunidade.

imagens



Nossa Senhora das Dores com S. João Evangelista, Silésia, c. 1500 (vista parcial)


Tríptico com a Família da Virgem Maria, Silésia, princípio do século XVI (pormenor)


Tríptico com a Família da Virgem Maria, Silésia, princípio do século XVI (pormenor)


Tríptico da crucificação, Wrocław, 1498

Museu Nacional, Varsóvia. Fotografias de Porfírio Silva.

13.6.11

os três candidatos à liderança do PS

21:24

Se há coisa que detesto em política é deixar que o juízo sobre as pessoas envolvidas tolde a capacidade de compreensão política. Conhecendo os três candidatos à liderança do PS (embora, pelo critério de António Costa, nenhum deles, provavelmente, me conheça), temo que a tarefa de opinar sobre essa corrida seja, para mim, um exercício arriscado. Mas tentarei, não como "homem de partido", mas como cidadão interessado no que o PS tenha a dizer à sociedade portuguesa.

(A referência, acima, aos "três candidatos", não foi um lapso. A ausência de António Costa desta corrida não é surpreendente: há muitos anos que deixa outros correrem por ele, quando o assunto não lhe interessa excessivamente. É por isso que, ainda hoje, muita gente, jornalistas incluídos, pensa que ele foi líder da JS, quando nunca foi sequer candidato. Mas, ao mesmo tempo, desdenhar da corrida à liderança do PS, neste momento, pode ter custos elevados para António Costa: muitos militantes do PS não acharão graça nenhuma que ele se preserve tão ostensivamente neste momento difícil. Assim sendo, num certo sentido, a não-candidatura de Costa poder também ir a votos nesta corrida. Quanto melhor se acha que ele poderia ser como SG, talvez mais difícil seja aceitar de bom grado que ele não se apresente. E as tentativas de o "entronizar", no género "agora presidente do partido, à espera para mais tarde ser primeiro-ministro", só poderão suscitar sorrisos escarninhos nos que efectivamente se apresentam ao combate.)

SZTUKA Z ESTONII. Oswajanie modernizmu \ Prowokacje i konfrontacje.
























Marko Mäetamm, Pequenos Dramas (instalação, pormenor), 2009-2010.
A Arte da Estónia, Adaptando a Modernidade, Provocações e Confrontações, 
patente no Museu Nacional, Varsóvia, até 3 de Julho.

gente da casa





Inês Alvim, no Le Cool (issue 569), a propósito do concerto de Nno Mar, quinta-feira passada:
Apaixonei-me por ele antes de o ouvir. Apaixonei-me por ele, aliás, muito antes de o ver (coisa que nunca fiz). Apaixonei-me da única maneira que é total: platónica, intangível, sem saber se é baixote, careca ou corcunda. Apaixonei-me quando me explicou que a sua música explora a relação entre música, fotografia e escrita. E aqui pensei ‘Bem pode ser baixote, careca, corcunda’. A música a que dá vida é orgânica, instrumental, paisagista. Utiliza o som para fotografar uma paisagem e cristalizá-la em palavras e harmonias sonoras. Faz da música um vértice criativo de artes, com várias camadas e leituras transversais, com vida, força anímica, personalidade. Hoje a melhor vista de Lisboa é secundária. Hoje a melhor vista de Lisboa é reduzida a palco e cenário de Nno Mar.
Do "género", ele diz ser "Alternativa / Experimental / Progressivo". Ouça-se aqui.

grafitos de Varsóvia



Mais visões deste grafito gigante aqui (Facebook).


8.6.11

se os socialistas começam a dizer disparates

17:41

7.6.11

comunicado


Os répteis do costume, que vêm à caixa de comentários tentando empurrar-me para fora do país pela mera circunstância de a candidatura da minha preferência ter perdido as eleições, escusam de perder tempo. Tendo algo de útil para fazer, dediquem-se, em vez de virem aqui perder tempo: neste blogue debate-se com quem concorda e com quem discorda, mas não há aqui espaco nem tempo nenhum para dar paleio a torradeiras.
Ah, e por favor, sejam felizes, a ver se deixam os outros em paz: é que a infelicidade pessoal dá seres terrivelmente associais, por vezes. Uma lástima.

o velho sonho da AD, mas com molho


Governo de gestão deve começar a aplicar acordo da troika, diz Barroso.

O velho sonho da direita portuguesa era, afinal, simples: uma maioria, um governo, um presidente. Esse já está.
Agora, pia mais fino: uma maioria, um governo, um presidente da república, um presidente da comissão europeia.
Com o picante especial de o quarto vértice do triângulo não ser eleito pelo mesmo colégio.


6.6.11

o ajustamento estrutural de um ministro de saída?


«A economia portuguesa precisa de um choque liberal, porque a dinâmica de integração da economia europeia foi muito subordinada a uma matriz ideológica mais liberal», defendeu Luís Amado.

Portanto, a lógica é: se chove a potes, e isso dá cabo das culturas agrícolas, arranja-se mais água para engrossar o caudal. E as culturas que se danem.

Quer dizer: se eles estão a vencer, junta-te a eles.

(Manifestamente, a passagem à oposição estraga o miolo a muita gente. Nunca pensei é que o fenómeno só demorasse umas horas a revelar-se.)


balanço e contas

10:06

(Emmeric James Konrad, Innocence Lost)


1. Apoiei o PS nas eleições de ontem, é sabido. Estou, portanto, entre os derrotados. Nada que, pessoalmente, me aflija. O meu ponto é o país e a democracia, disso falo a seguir.

2. O PS perdeu, o que não é muito de estranhar na crise que se vive por todo o lado. Sócrates estava no governo há seis anos, é um período após o qual é normal que o poder mude de mãos, especialmente em tempo de vacas magras, como se tem visto em outros países. Nada de trágico. Contudo, isso não explica tudo, nem dispensa reflexão.

3. Esta derrota começou a acontecer quando o PS e Sócrates, a seguir às anteriores eleições, fizeram de conta que convidavam todos os outros partidos para uma "maioria total", quando, na verdade, estavam apenas a justificar a opção por um governo minoritário. Não era preciso saber mais do que somar 2 com 2 para perceber que governar em minoria no meio da tormenta é ficar à mercê dos adversários; era evidente que querer enfrentar uma crise desta magnitude sem um governo sólido era uma temeridade que se haveria de pagar caro. Como pagou. O PS e o país. Infelizmente, entre os socialistas é muito popular a teoria do "orgulhosamente sós". Obviamente, os demais partidos, designadamente o BE e o PSD, agradeceram intimamente que o PS não fizesse nenhum esforço real para os obrigar a optar. O PSD aproveitou a circunstância, o BE nem por isso, mas essas são outras contas.

4. Em todo o caso, o PS e Sócrates perderam também por causas mais próximas. Faltou, nos últimos tempos, humildade democrática: era preciso ter assumido que, em tempos de grande incerteza, é fácil cometer erros, é fácil falhar previsões, não está tudo nas mãos dos governantes, nem sequer nas mãos do país. Sócrates tentou convencer o país que, quando era pequeno, caiu no caldeirão da poção mágica, como o Obélix, e detinha, em consequência disso, poderes extraordinários. Só que, nestes tempos conturbados, já ninguém acredita muito nas estórias de Astérix. O PS deixou-se apanhar na armadilha do Memorando de Entendimento com a troika: ao mesmo tempo, deixou que se desse a ideia que estava a esconder coisas ao país (a novela das pseudo-versões do Memorando), e deu a ideia que não tinha nenhuma ideia de governo para além do compromisso com os emprestadores. O PSD, apoiado nessa fraqueza do PS, colocou-se, ao mesmo tempo, e paradoxalmente, na posição de quem prometia ser o melhor executor do Memorando e de quem mais fazia de conta que podia fazer maravilhas apesar do Memorando. O PS devia ter tomado a seu cargo a tarefa política de explicar em mais detalhe o que estava em causa e ser mais frontal quanto aos aspectos em que havia e não havia margem de manobra – mas falhou esse exercício.

5. A homenagem devida a Sócrates – foi um grande lutador durante estes seis anos – sabe a amargo nesta ponta final, porque a determinação se tornou, em certa medida, teimosia: repetir “vamos ganhar estas eleições” é, provavelmente, a afirmação mais desprovida de sentido que um líder político pode fazer em campanha eleitoral, porque é confundir as causas com os efeitos de uma acção. Mesmo assim, Sócrates fez o melhor discurso da noite eleitoral, despediu-se em grande, sublinhando que não quer dificultar os necessários compromissos, nisso dando uma lição aos líderes da direita que recusaram qualquer entendimento com ele. Sai por baixo, mas convém não esquecer que, daqui para a frente, aqueles que o criticaram com excessiva facilidade terão de comparar-se com os indicadores dos seus anos de governação – e talvez descubram que não será tão fácil brilhar nesse ponto como julgavam quando estavam na oposição.

6. O PSD com o CDS fazem maioria absoluta, uma maioria coerente. Isso é bom, para eles e para o país. O PSD não foi tão longe como poderia ter ido nas actuais circunstâncias, Paulo Portas cresceu pouco para as ambições que tinha. Nenhum pode rir-se do outro, isso deve facilitar a coligação. Paulo Portas é um líder pragmático, sabe que o que lhe cabe mostrar é que não cria problemas. E não vai criar. Passos Coelho tem sorte em não ter maioria absoluta, porque nesse caso teria a responsabilidade absoluta. Seria melhor para a direita que precisassem do PS para fazer maioria, porque seria mais fácil para o PSD e o CDS se pudessem meter o PS no mesmo barco, coisa que assim não acontecerá. Nos próximos dois anos, o PS terá de ir pela sombra, porque assinou o Memorando que será a base do programa de governo. E ninguém compreenderia que o PS fizesse à direita a mesma coisa que a direita fez ao PS: fazer de conta que apoia, mas aproveitar todos os pretextos para dificultar! Mas, daqui a dois anos, se não estivermos na desgraçada situação dos gregos, o capital de queixa que entretanto se terá acumulado será grande e aquilo que Portas ontem chamava, com grande hipocrisia, "o novo PS", estará em plena navegação oposicionista. Teria sido melhor para o PSD e o CSD que ambos tivessem dito, durante a campanha, que o PS era necessário ao governo do país: mas não disseram e diabolizaram os socialistas, que, agora, agradecem. De qualquer modo, espero que Passos Coelho se mostre bem melhor como PM do que como candidato: o pais precisa disso e quero acreditar que será o caso.

7. Quanto à esquerda da esquerda, ninguém se acusa de nada. O PCP está muito contente com os resultados, não cheguei a perceber muito bem por quê. O BE atingiu todos os objectivos que a sua acção política teria logicamente de provocar: levar a direita ao poder, derrotar o PS, mostrar que este Bloco é uma inutilidade política. A derrota do BE não terá nenhuma consequência; pelo menos Louçã tudo fará para que assim seja, já que os deuses nunca se enganam, só os seus profetas: o facto de ele ser ao mesmo tempo o deus e o profeta do seu mundo permite-lhe esconder-se ora atrás de uma condição, ora atrás da outra. O que quer dizer que a esquerda radical desperdiçou dez anos de vida política do país, onde poderia ter ganho um papel na governação e, afinal, se revelou uma parideira de maiorias de direita.

8. Entretanto, todos os grandes debates estão por fazer. Nada há que se possa fazer numa óptica puramente nacional, todos os debates são europeus, todas as possibilidades de acção consequente estão ao nível europeu. Ora, o próximo governo PSD/CDS será o governo dos amigos da senhora Merkel, que só tem dados tiros no pé da Europa desde que a crise começou. O PCP e o BE continuam a ser, fundamentalmente, partidos anti-europeus, incapazes de pensar a nível global e sem qualquer contribuição prática para mobilizar forças progressistas na Europa para uma governação alternativa (continuando a deixar escapar os descontentamentos para o Rossio e outras praças inorgânicas). O PS, com os socialistas europeus, é – são – hoje, a nível internacional, um cão que ladra mas não morde: estão na oposição em praticamente todos os países europeus.

9. De todos os modos, espero sinceramente que toda a classe política tenha aprendido alguma coisa com os últimos anos. A classe política formal e a classe política escondida: no final do discurso de Sócrates na noite eleitoral, uma jornalista perguntou a Sócrates se ele esperava que, deixando de ser PM, viria a ter novos problemas com a justiça. Estava aí, passado todo este tempo, um resquício exemplar da política de ódio que foi, desde sempre, a arma de uma certa classe política contra Sócrates, política do ódio que teve numa certa comunicação social a marionete (pouco inocente) de serviço. Se estas eleições tiverem servido para acabar com essa guerra civil fratricida, já não será mau.

10. Vêm aí tempos difíceis. E, agora, nem os dinamarqueses nem os americanos podem deitar para cima de Sócrates a culpa pela recessão global. A grande desculpa terminou. Um alívio.

5.6.11

voar na noite



(1 de Junho de 2011, Terreiro do Paço, abertura das Festas de Lisboa. Mais aqui.)

3.6.11

declaração de voto

18:29


Não, hoje a Europa não está connosco. A Europa da crise é a Europa governada, na esmagadora maioria dos países, pela direita. A Europa com pressa de cometer disparates e muito lenta a perceber o mundo. A Europa dos egoísmos nacionais e regionais, a Europa dos governantes dos países "centrais" que se esqueceram do que nos devem a todos. A pressa da Alemanha a apontar o dedo aos pepinos espanhóis, com se viu sem ter fundamento para isso, prejudicando gravemente a economia espanhola, é um retrato ridículo da torpe miopia dos que já não percebem nada do projecto europeu para lá do tamanho do seu próprio nariz. A Europa europeísta faz, contudo, cada vez mais falta. Ninguém da Europa pode vencer nesta globalização desregrada sem que a Europa volte a ser europeísta, volte a ter noção do "interesse comum" para lá do mero somatório de interesses nacionais. Sair da crise só vai ser possível no quadro de uma solução europeia.
É por isso que o voto nas eleições de domingo tem de ser o voto em quem tem mostrado saber agir a nível europeu. Votar na direita, votar no PSD e no CDS, é votar na corrente política europeia que se tem multiplicado em disparates que aprofundam passo a passo a crise comum, com a sucessiva aplicação de receitas mal sucedidas. Votar na esquerda que pensa que a renegociação da dívida é uma saída cor de rosa para a crise, que pensa que Portugal pode trilhar esse caminho sozinho, é votar na esquerda que continua a ser essencialmente anti-europeia e não compreende que é no barco europeu que temos de remar para encontrar um caminho marítimo acolhedor para todos. Votarei PS por ser o partido que, mesmo com erros de avaliação, está certo no essencial: apostou no passado, e continuará a apostar, numa solução europeia de conjunto, a única onde Portugal pode estar confortável. Esse caminho não será sem espinhos, é certo. Mas é o único caminho viável. Por isso voto no Partido Socialista no próximo domingo.

mundo novo

1.6.11

a política dos interesses

19:07

quando o verdadeiro Passos Coelho ainda existia

18:42

Passos Coelho, e alguns dos seus companheiros, estão em pleno tempo de disfarce. Hoje não defendem nada do que já defenderam. Escondem-se atrás de palavras obscuras. Quando Passos Coelho, num discurso de ontem ou anteontem, dizia que os médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico - "eles", na expressão de Passos - é que, organizando-se, iriam salvar o Serviço Nacional de Saúde, estava apenas a mostrar gato escondido com o rabo de fora. "Eles", organizando-se, é que vão salvar o SNS?! Claro, "eles" - não o Estado - é que vão tratar do assunto; "organizando-se", quer dizer, criando alternativas fora do SNS. Tudo embrulhado, a ver se ninguém entende muito bem o que ele diz, no meio do barulho da luzes - mas Passos Coelho vai deixando cair o seu real programa. Embora, com sumo descaramento, vá dizendo que isso é que é o "Estado social".
Tudo se percebe olhando para o que ele dizia quando não estava em campanha eleitoral: «Ferreira Leite e Passos Coelho querem fim do SNS gratuito para todos». Tudo no jornal oficial do militante nº 1 do PSD.

a política do ódio, outra vez, agora por todos os meios

18:12

Parece que a direita está mais assustada do que podíamos perceber com o andar da campanha eleitoral: só assim se pode entender o extremar do esterco por parte de certa imprensa.

O caso Freeport, que nasceu de uma conspiração entre políticos de direita, polícias e jornalistas (como foi provado em tribunal), já tinha servido para duas campanhas eleitorais. Apesar de, na justiça, nunca ter dado nada, esse processo foi, durante anos, a arma principal da política de ódio contra Sócrates. Foi um verdadeiro regabofe. Só por desespero se pode querer revalidar a mesma novela e usá-la contra Sócrates numa terceira campanha eleitoral. O jornal i presta-se a isso.


Como não podia deixar de ser - como sempre foi neste processo - o ataque a Sócrates por via deste processo só funciona com base na mentira e na manipulação. O título que podemos ver acima, com aquele destaque todo, sugere que o "ex-ministro de Guterres" aponta o dedo acusador a Sócrates. Só que, quando vamos a ver, não foi nada disso que disse Júlio Castro Caldas: o que ele diz é que, já que colocaram Sócrates sob suspeita, teriam garantido melhor o seu direito a defender-se se o tivessem constituído arguido. Sim, porque, tal como fizeram, Sócrates foi mais mal tratado do que se tivesse sido arguido: tinha todas as desvantagens da "suspeita sem rosto", velha de anos, sem ter os direitos processuais próprios de um arguido.

O Correio da Manhã dá outro exemplo: usa a primeira página para fazer campanha pelos partidos da direita. Não interessa qual: o que interessa é que vote num deles.


O inefável Público não podia ficar de fora: se alguém manobra para boicotar as acções de campanha do PS, não se critica os que boicotam, critica-se o PS. Vejamos a história. O Externato de Penafirme faz, institucionalmente, campanha contra o PS e contra o BE (como se vê no panfleto abaixo, que o Miguel encontrou).


O Externato de Penafirme não tem dinheiro para pagar a professores (ou faz de conta que não tem, para se fazer de mártir face ao governo), mas tem dinheiro para alugar aviões para interferir na campanha eleitoral (vídeo abaixo).



Dentro do estilo de "educação esmerada" que o dito colégio privado promove, o Externato de Penafirme promoveu a infiltração num almoço de campanha do PS: «quatro pessoas ligadas ao Externato (dois pais e dois jovens alunos), que tinham reservado uma mesa para oito pessoas, estavam sentados à espera de Sócrates. (...) "A ideia seria levantarmo-nos quando Sócrates começasse a falar".» Devem ter sido convencidos da bondade de boicotar actividades de campanha do PS pelas palavras compreensivas de Passos Coelho, que manifestamente dirige os seus pensamentos piedosos mais para quem boicota do que para quem é boicotado.
Os jornalistas do Público seguem a moda: «Enquanto Sócrates falava dentro de um restaurante, em Torres Vedras, vários “jotinhas” e dois autarcas locais rodeavam e berravam contra quatro manifestantes de uma escola com contrato de associação.»
Quer dizer, não lavaram os pés com água de malvas nem ofereceram licorosos aos penetras que se infiltraram numa actividade de campanha eleitoral do PS para a boicotar, parecem lamentar-se os repórteres do Público. Já para não falar da boçalidade, bastante espalhada, de tratar por "jotinhas" os jovens que participam na campanha: quer dizer, que não participam nas campanhas que os jornalistas de serviço idealizam como sendo as campanhas que deviam existir.

Tristemente, anda gente espalhada pelos órgãos de comunicação social que não usa um mínimo de coluna vertebral.

Mais tristemente ainda, certas forças políticas prosseguem a sua campanha de ódio, cada vez mais por todos os meios (por todos os media) - que não se torna menos repugnante por haver "boas almas" que tudo desculpam com o "calor da batalha".