1.10.12

ponto de ordem à mesa.


Leio no Público: «O presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), Manuel Meirinho, anunciou um inquérito disciplinar ao aluno que, na semana passada, insultou o primeiro-ministro durante a homenagem a Adriano Moreira.»

Os tempos que vivemos exigem-nos clareza nestas coisas. Deixo, portanto, a minha declaração sobre a matéria.

(1) Sou, fui (em governos anteriores) e serei contra a perseguição "popular" pessoalizada aos políticos de quem discordamos. Discordo das "esperas" sistemáticas que têm como objectivo impedir os governantes de sair à rua e que transformam qualquer acto público numa pateada. Esses actos são, em geral, falsamente espontâneos. Sou, fui e serei contra o recurso ao insulto para manifestar oposição política. Basta de degradar as condições do debate político, que já são quase inexistentes, com mais ódio apresentado como linha politica. Este clima serve, apenas, para impedir o debate da situação séria e complexa em que nos encontramos. Com este clima só se fazem ouvir as soluções extremas: os austeritários cegos e surdos que justificam todos os disparates com o chavão "não há alternativa"; os loucos da outra ala, que querem fazer-nos crer que há alternativas simples, fáceis e de sucesso garantido, sem sacrifícios, ao virar da esquina. O que esses dois campos querem é que não se ouça mais nada, que não se analisem os outros caminhos, por muito tortuosos que sejam. Este clima de radicalização só serve esses irmãos siameses que são os ódios radicais, distintos nas cores mas simétricos nas consequências degradantes da coisa pública.

(2) Algumas das vítimas destas manifestações de ódio público foram, quando lhes convinha, coniventes com o mesmo tipo de manifestações que visavam então os seus adversários políticos. Poderia, pois, dizer-se que estão a provar do seu próprio veneno. É verdade que estão, mas isso não me move: o que quero preservar, além das pessoas visadas, é um bem comum, a saber: a capacidade de uma comunidade política discutir com razoabilidade o que fazer à nossa vida colectiva. Esse é o bem comum que a estratégia do ódio acaba por matar; por isso estou contra essa estratégia do ódio.

(3) Dito isto, acho estranho que uma escola do ensino superior aceite que a polícia (a segurança de um governante) identifique pessoas (alunos ou professores) dentro das suas instalações e, ainda por cima, exerça a sua autoridade disciplinar académica com base nos dados fornecidos por essa polícia nesse acto de invasão. Todos vimos a atitude desproporcionada que esse polícia teve nessa ocasião, designadamente na forma como se dirigiu a um operador de câmara de uma televisão, com um à-vontade verbal e gestual que faz lembrar as polícias que se sentem acima da lei. Ao mesmo tempo, e por outro lado, acho disparatado que o jornal Público sublinhe que o director da escola foi eleito deputado nas listas do PSD, como se o director da escola pudesse deixar de fazer aquilo que acha que deve fazer só por ser da mesma cor política de um dos intervenientes no incidente (neste caso, o primeiro-ministro).

A vida está difícil e os disparates do governo só têm contribuído para a tornar ainda mais difícil. Contudo, não é acabando com o que resta das condições de serenidade para debatermos as saídas para a crise que podemos chegar a bom porto. Os últimos tempos estimularam os radicalismos apressados a tentarem apossar-se do mal-estar das pessoas, mas não podemos confundir as vozes mais exaltadas com as vozes da maioria. Nem podemos esquecer que todos pagaremos com língua de palmo o que correr mal: os que estão convencidos que o governo é a muralha única a derrubar para chegarmos ao paraíso pós-crise, seria aconselhável começarem a fazer melhor as contas à vida.