Houve por aí muito boa gente a aprovar a condenação das Pussy Riot lá para as bandas de Moscovo. O argumento era: elas cometeram um crime. Suponho que o crime seria um acto de vandalismo: elas fizeram uma actuação relâmpago numa igreja para protestar contra o conluio entre a Igreja Ortodoxa Russa e Putin. O conluio passou por uma implicação oficial e explícita dos líderes religiosos nas eleições, com clara indicação de voto no ex-presidente e novo presidente que usa uns truques tipo Isaltino de Morais para se perpetuar no poder.
Defendi, em conversas por aí na rede, que a actuação das Pussy Riot não era um acto de vandalismo contra um lugar de culto, nem um ataque anti-religioso. Eu também seria contra um ataque à igreja, se fosse isso que estivesse em causa. O que julgo é que não era esse o caso. O protesto era contra uma entorse à democracia cometida com a cumplicidade activa dos dirigentes religiosos. Foi isso que as Pussy Riot declararam, as circunstâncias tornavam perfeitamente credível o objectivo declarado das cantoras punk. Defender as liberdades, mesmo na Rússia, justifica meios extraordinários para situações extraordinárias - e a situação da democracia e dos direitos humanos na Rússia é uma emergência. Falar como se a actuação das Pussy Riot fosse equivalente a, no dia de hoje, os Homens da Luta invadirem a Sé de Lisboa, é não perceber nada do que está a acontecer na Rússia de hoje comandada por um ex-KGB (Putin).
O que está em causa torna-se cada vez mais evidente. À luz de "avanços legislativos" destinados a favorecer o controlo social por parte da Igreja Ortodoxa, Igreja que está a ser um aliado fundamental de Putin no cerceamento progressivo da democracia, avançam em várias frentes os movimentos de censura. Agora querem proibir o símbolo da Apple, a maçã dentada, porque faz lembrar o episódio da maçã no Génesis bíblico. Não contentes com o delírio, querem que a Apple use a cruz como novo símbolo.
É isto que está em causa: Putin, que já disse ser contra a separação entre a Igreja e o Estado, tem um projecto ditatorial que envolve a Igreja Ortodoxa como máquina de controlo ideológico e como tenaz para esmagar as ideias inconvenientes. Do ponto de vista da democracia, está é uma situação excepcionalmente perigosa. Para situações excepcionais, actos excepcionais. Os que trataram o caso das Pussy Riot como um "caso de tribunal" não perceberam isto. Infelizmente, creio que o tempo acabará por abrir os olhos aos bem intencionados que subscrevem essa tese. Não podemos é ficar à espera enquanto são distraídos por juridismos fora do mundo.
Russian Christians Demand Apple Change 'Offensive' Logo to Cross.
Russian Christians boosted by Pussy Riot law spank 'sinful' Apple logo
(agradeço os links à Palmira)