Aquela que poderia ser uma das mais impressionantes casas barrocas do país é... só fachada. A Casa das Obras, também conhecida por Obras do Fidalgo, fica em Vila Boa de Quires, próximo de Marco de Canaveses, e se é verdade que não passa de uma dramática e imponente ruína, não deixa também de fazer adivinhar o ambicioso projecto pensado para o local há 250 anos.
(Fotos de Porfírio Silva. Janeiro de 2009)
Tivesse sido concluído e, hoje, não haveria grandes dúvidas em considerar o palácio mandado edificar pelo fidalgo António de Vasconcelos Carvalho e Menezes em Vila Boa de Quires, por volta de 1750, como uma das mais belas e imponentes casas construídas em Portugal durante o período barroco. Ficou-se, no entanto, pela fachada. Monumental. Grandiosa. Cenográfica...Mas, mesmo tendo em conta que nos encontramos perante “uma das mais impressionantes construções barrocas do país”, é dramática e inverosimilmente apenas uma fachada...
Conhece-se pouco sobre a história deste insólito monumento. As suas características artísticas, entre as quais se salienta a riquíssima decoração rocaille das portas e janelas, não deixam grandes dúvidas quanto ao arranque da construção em meados do século XVIII. Sabe-se, de resto, que aquando do terramoto de 1755 já decorria a construção.
O fidalgo responsável pela edificação da mansão pensou, seguramente, numa construção de dimensões consideráveis. Tal é evidente não só no impacto que ainda hoje a frontaria transmite, mas também na invulgar espessura das paredes que não raramente atinge os sete palmos. Adivinha-se, portanto, com alguma facilidade o ambicioso projecto pensado para o palácio. A verdade porém é que a edificação se ficou pela fachada.
Mas, que motivos terão levado António de Vasconcelos Carvalho e Menezes, Fidalgo da Casa Real, a suspender a construção?
Não há também respostas para esta questão e as explicações misturam muitas vezes factos reais com outros que possuem já o estatuto de lendários.
Afastada está a hipótese das obras terem terminado por morte do fidalgo uma vez que este faleceu apenas em finais de 1799 numa altura em que a construção há muito estaria parada. Popularmente conta-se que o promotor da obra se teria desinteressado do projecto quando, culminando uma série de acidentes que se vinham registando na construção (e há, de facto, referências à morte de pelo menos um operário por queda “abaixo das obras”), é o próprio arquitecto que, durante uma visita, perde a vida na sequência também de uma queda. Não há, no entanto, qualquer prova histórica da ocorrência deste episódio.
Outra possibilidade muitas vezes apontada é a do projecto se ter revelado bastante dispendioso, abalando os recursos financeiros de António Carvalho e Menezes. É possível que esta hipótese tenha algum fundamento. Mas não explica tudo. Pensamos, de resto, que a explicação residirá provavelmente numa conjugação de vários factores onde se deverá ter também em linha de conta o facto do fidalgo não ter tido filhos legítimos “nem ilegítimos”, como salienta o seu testamento. Sem descendentes directos a quem deixar o seu sonhado palácio, ter-se-á desinteressado do projecto deixando a fachada ao seu irmão.
O facto de nenhum dos proprietários seguintes ter equacionado a hipótese de completar o palácio fez com que a ruína se tenha perpetuado no tempo como uma obra inacabada estando, de resto, na origem do nome pela qual é tradicionalmente conhecida: Casas das Obras ou Obras do Fidalgo – uma das mais imponentes e belas construções barrocas do país, mas também um dos seus monumentos mais inverosímeis e patéticos. O suficiente para há algumas décadas um milionário norte-americano ter querido comprar a fachada para a desmontar e erguer, posteriormente, numa sua propriedade na América.
(Excertos do texto, de Joel CLETO e Suzana FARO, "A Casa das Obras em Vila Boa de Quires: É só fachada", in O Comércio do Porto. Revista Domingo, 6 Junho 1999, p.21-22.)
(Republicação. Publiquei este texto aqui a 5 de Janeiro de 2009. Mas, vá lá saber-se por quê, tive ganas de o dizer de novo.)