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O debate que corre no parlamento sobre o programa do governo está a mostrar que as oposições enchem a boca com a demanda de que o PS e o PM se consciencializem de já não terem maioria absoluta - pela simples razão de não saberem como lidar com as suas novas responsabilidades.
Tirando o CDS/PP, que logo na primeira intervenção fez uma demonstração de como podem as minorias jogar responsavelmente o novo jogo e vir a capitalizar com isso, as oposições mostram não perceber que não chega repetir até à exaustão o discurso eleitoral. (O CDS fez aquela demonstração no caso da avaliação dos professores, aceitando uma parte do que quer o governo - não suspender sem alternativa - e dando publicamente o seu próprio menu de exigências, algumas fáceis de aceitar, outras para deixar cair, outras que lhe darão óptimos troféus de caça).
Na verdade, deixando de lado o PCP, que há muitos anos não tem nada a ver com as verdadeiras decisões que se vão tomando em política nacional (Sócrates já nem se preocupa em lhe dar rebuçados, enquanto quer sempre tirar as palavras da boca a Louçã), os demais, PSD e BE, estão seriamente preocupados com as suas novas responsabilidades - por estarem a ver, e bem, que Sócrates não os vai deixar fugir com o rabo à seringa, agora que todos os partidos contam. O novo quadro de responsabilidades partilhadas cria dificuldades estratégicas essenciais à coligação negativa. O risco que corre a oposição é de ser ridicularizada, se, e quando, Sócrates mostrar que percebeu melhor do que eles o que é uma cultura de negociação. E isso é bem possível, porque Sócrates não é um letrado mas aprende depressa.
Contudo, e a pensar no horizonte da legislatura, há um ponto que certas forças de oposição e certos comentadores têm levantado e onde tocam na ferida. Ainda não se sabe bem o que Sócrates propôs aos demais partidos, mas, de qualquer modo, que o tenha feito a todos, provavelmente nos mesmos termos, demonstrou falta de uma coisa que o SG do PS tanto preza: rumo. Ou seja: nesse "avanço" faltou, pela própria natureza do cenário, uma ideia do que se queria. Porque não se queria, certamente, uma coligação total: tudo ao molho na "maioria".
Como alguém defendeu já, e eu concordo, o PS devia ter proposto um acordo à esquerda, devia ter feito isso claramente - e devia ter pedido negociações sérias, reservadas, concretas e detalhadas, se tivesse surgido um sinal de abertura, por mais frágil que ele fosse. E só se devia ter virado para outras possibilidades depois disto falhar. Eventualmente, para o próprio PSD. (Não cabe aqui explicar-me acerca desta opção. Já o fiz há muito tempo, provavelmente voltarei a isso, mas isso são contas de outro rosário.)
Curiosamente, o CDS é o único partido que fala claramente deste problema. Curiosamente, mas não estranhamente. É que o CDS, ao contrário de outros, já percebeu a lógica da actual situação. É que o CDS será, provavelmente, o único partido que, nas circunstâncias adequadas, poderá agarrar com ambas as mãos uma proposta dessas, caso ela lhe seja feita. Nas circunstâncias adequadas, repito. Só que, e nisso residem as tais "circunstâncias adequadas", não pode mostrar-se demasiado interessado, para não baixar o preço.
Isto, claro, enquanto a cultura de negociação entre os agentes políticos não der um salto em frente, que terá de ser gigantesco. Até lá, enquanto todos estiverem convencidos de que as melhores soluções são as quimicamente puras, todos quererão mostrar-se limpos do pecado de falar com os parceiros.
[também n'A Regra do Jogo, com ilustração alternativa]