3.11.09

gravitas




O PS, seguindo uma prática já vetusta para os ciclos da política nacional, apresenta como programa de governo, ao Parlamento, o programa que propôs aos eleitores. Tendo sido na base desse programa que recolheu os votos que o levam ao governo, nada parece mais saudável do que a transparência deste procedimento. Nem todos concordam, contudo. Um coro de críticas troou contra este, dizem alguns, ignorar dos resultados eleitorais. O líder parlamentar do PSD, em particular, fez uns malabarismos verbais para dizer que o programa do governo é "absoluto". Até fez umas ameaças para o futuro, no caso de o Orçamento de Estado também ser "absoluto". Mentiria se escrevesse que isto me espanta: já nada me espanta nesta oposição. Vale a pena, não obstante, tentar perceber o significado último deste ataque a esse acto de transparência que consiste em um partido apresentar ao Parlamento o programa com que pediu o voto popular.
Creio que a oposição ainda não percebeu que acabaram as facilidades para a oposição. É fácil clamar contra a maioria absoluta, mas ela protege os partidos da oposição na sua própria irresponsabilidade. Votar aquilo que lhes parece mais popular num dado momento, sem que isso tenha quaisquer consequências, por se poder imputar toda a responsabilidade ao partido maioritário, é um truque que deixou de funcionar. Quando o voto da oposição pode "governar" o país, bloqueando medida após medida, a coisa pia mais fino. A vida está hoje mais complicada para a coligação negativa que funcionou nos últimos anos com o mero fito de dificultar a governação.
É a essa realidade nova que a oposição custa a habituar-se. Como a oposição não percebeu isto, ainda, queria que fosse o PS a fazer o trabalho dos outros partidos: queria que fosse o PS a assumir, não apenas a sua parte, mas também a parte dos outros partidos, e talvez também a parte do mediador. A oposição queria que o PS apresentasse um programa de governo negociado - sem o ter negociado, por falta de parceiros. A oposição queria que o PS apresentasse um programa de um governo de coligação - sem coligação. A oposição queria desnatar o programa de governo mais votado pelo eleitorado - sem mexer um dedo para discutir o como e o por quê. Isto é o que significa esta reacção das oposições. (O sinal mais claro de que Marcelo ainda pensa ser líder do PSD é ter vindo demarcar-se da posição do seu partido nesta matéria: ele não quer que a sua futura liderança seja ensombrada por este disparate.)
Assumir as responsabilidades é, por vezes, doloroso. É bom que a oposição se habitue a isso. Por que é no Parlamento que vão jogar-se os argumentos e os votos, agora que tudo isso tem muito mais peso e gravidade na realidade da governação. Uma gravidade de que esta oposição já se tinha esquecido. Ficar sentado à espera que o artista em palco se espalhe, para depois vender os cacos pelo melhor preço, deixou de ser a opção simples para uma oposição que só saiba repetir o apelo ao diálogo para esconder a sua própria rigidez. Chegou o momento de saber onde está verdadeiramente a arrogância...