6.11.09

seis graus de separação



O jornal i publica, suponho que desde o primeiro número, uma rubricazinha chamada "seis graus de separação". Aí se repete cada dia a seguinte explicação: "A teoria dos seis graus de separação, também conhecida por Human Web, determina que cada pessoa no mundo está ligada a todas as outras através de um máximo de seis ligações. Esta teoria está na base de muitas redes sociais, como o Small World e o Orkut". Diariamente se apresenta o que parece ser tomado como um exemplo da tal teoria.
Por pura bizarria filosófica, interroguei-me sobre o significado deste procedimento. O mais provável é que achem, simplesmente, lá os feitores do jornal, que a coisa tem piada e entretém os leitores. Não obstante, há a remota possibilidade de que alguém pense estar, desse modo, a demonstrar ou a confirmar a "teoria". Nesse remoto cenário, vale um esclarecimento.
Não se pode demonstrar a verdade de uma teoria universal ("cada pessoa no mundo", quer dizer, todas as pessoas) com exemplos: a menos que se possa fazer uma exemplificação exaustiva (demonstrar para cada humano que ele está ligado a cada um de todos os outros humanos de acordo com os requisitos da "teoria"). O número astronómico de casos implicaria, ao ritmo de um exemplo por cada edição do jornal, uma esperança de vida para esse periódico que deve ser considerada irracionalmente optimista.
Pode, contudo, tentar-se de outra forma apreciar a verdade dessa teoria com recurso a exemplos: tentando contra-exemplos. Se pegarmos numa teoria universal e encontrarmos um caso que não se conforma com ela, conseguimos começar a compreender onde é que ela não funciona. Conseguimos saber alguma coisa acerca dela, afinal. Se tentarmos muito, e com muita habilidade, e mesmo assim não conseguirmos encontrar um contra-exemplo, não demonstramos a teoria mas começamos a acomodar-nos à ideia de que ela seja mesmo provavelmente verdadeira. No exemplo mostrado acima podiam, por exemplo, fazer o exercício de me tentar ligar a mim com o Cronenberg: como, provavelmente, isso não seria possível, começariam a aprender algo sobre o valor da tal teoria. Isso faria muito mais sentido do que sugerir que, lá por a teoria funcionar para uns tantos casos, ela é uma teoria verdadeira.
Com um pouco mais de sofisticação, é este raciocínio que está na base da ideia central de Karl Popper acerca do que é uma teoria científica: uma teoria científica é um enunciado universal falsificável, isto é, para o qual podemos procurar contra-exemplos. Não quer dizer que encontremos, mas podemos procurar. Não podemos procurar falsificar um enunciado sem valor empírico, que não diga nada sobre o mundo em que podemos experimentar. E, segundo Popper, o melhor modo de testar uma teoria científica é tentar essa falsificação. Talvez com a esperança de não conseguirmos, mas tentando - por método. Por fidelidade à procura das boas teorias científicas.