5.11.09

fintar o tratado de lisboa




Depois de muitas peripécias, o Tratado de Lisboa está em condições de entrar em vigor. Ainda bem, porque as regras de funcionamento dos colectivos são tão importantes como as questões substantivas que mais facilmente se encaram como o verdadeiro objecto desses colectivos. E, tudo somado, o Tratado de Lisboa, mais do que mexer nas políticas, foi pensado para arrumar a casa.

Um dos mais relevantes aspectos institucionais renovados pelo Tratado de Lisboa está relacionado com a liderança da União Europeia, e com a respectiva visibilidade, quer em termos internos quer em termos globais. A ideia seria ter, além de um Presidente da Comissão (a garantir a coesão do braço comunitário), um Presidente do Conselho Europeu em vez das presidências rotativas (a garantir a continuidade da componente intergovernamental) e um Alto Representante para a Política Externa (pertencendo simultaneamente à Comissão e ao Conselho, a garantir que o resto do mundo saiba para quem deve "telefonar" querendo falar com a UE). O desejável seria que estes três líderes de topo da União Europeia fossem, todos, figuras com marcada personalidade própria, com o conjunto a traduzir a riqueza complexa da dinâmica comunitária.

Entretanto, o que se está a passar é que, com Barroso já sentado na cadeira do executivo, tudo se cozinha para que sejam figuras relativamente fracas a ocupar os dois outros lugares de liderança. Os fortes têm sempre desvantagens - e por elas morrem. Por exemplo, Blair seria, certamente, uma personalidade marcante no lugar de Presidente do Conselho Europeu. Mas, argumentam alguns, está ligado ao erro iraquiano. Pois está. E Barroso não está? Vi um membro do governo luxemburguês a fazer esta barragem a Blair, provavelmente para tentar abrir caminho a Jean-Claude Juncker, PM desse país. Mas, claro, como Juncker apareceu a barrar Blair, essa oposição provavelmente queimará também Juncker. Com o derrube dos gigantes, avolumam-se os pequenos que entretanto vão subindo as escadas da oportunidade: os primeiros-ministros da Holanda ou da Bélgica, por exemplo.

Pode dizer-se: Jacques Delors, um dos melhores presidentes da Comissão Europeia destas décadas, também lá chegou como uma alternativa "menor" aos pesos-pesados que causavam dissensões entre os Estados-Membros - e deu a volta a esse estatuto. É certo. E, que os deuses nos ouçam, isso pode sempre voltar a acontecer. Mas não há milagres todos os dias. E, entretanto, vai-se cumprindo o sonho de Barroso, que é afirmar-se como a única referência da União Europeia, com base na sua experiência e por contraste com figuras pouco firmes e muito desconhecidas que, provavelmente, os líderes europeus vão colocar nos outros lugares de comando.
Se as coisas se passarem assim, o Tratado de Lisboa começou cedo a ser fintado.