31.1.09

acerca de usos que se dão às caixas de comentários (falar do blogue no blogue)


O mundo é mais subtil do que algumas pessoas pensam. E a Terra não recomeça a girar desde o princípio quando essas pessoas aparecem e começam a pedir explicações.

(Com os meus agradecimentos aos que aqui deixam opiniões raciocinadas - tanto os que concordam, como os que discordam.)

30.1.09

Golem, o homem artificial

A República Checa, o país que durante este semestre exerce a presidência da UE, é, curiosamente, um país com temas relevantes para quem se interessa pelas "ciências do artificial". Foi um checo que criou modernamente o termo "robot". Havemos de lembrar isso aqui um destes dias. E também vem desse país, mais precisamente de Praga, uma das mais curiosas lendas de "homens artificiais": o Golem.



Peter Sís, autor de BD e ilustrador que nasceu e cresceu na Checoslováquia, apresenta e ilustra uma das variantes da história do Golem no seu livro The Three Golden Keys, que tivemos oportunidade de comprar na mais recente passagem por Praga. (Outra obra de Sís noutro blogue de que sou editor.) Vamos usar os seus desenhos (desenquadrados), e uma versão rápida do seu texto, para explicar o que era o Golem, esse exemplar longínquo de "homem artificial".




Durante muitos anos, o Ghetto, a parte de Praga onde viviam os judeus, foi um emaranhado de ruelas e casas, encerrado por muralhas.



Há muitos anos viveu aí o Rabi Loew, um famoso líder da comunidade judaica, com fama de Cabalista.



O Rabi Loew procurava melhorar a vida nas condições difíceis do ghetto...




... caracterizadas pelo confinamento a um espaço exíguo para a comunidade, muitas casas a ameaçar ruir, doenças mortais que grassavam, fome, e um grande desespero.



Face à difícil situação, e sem ver outra maneira de ajudar os seus, o Rabi virou-se para a magia da Cabala. Com as lágrimas e os sonhos do seu povo, criou o Golem.



O Golem podia projectar os desejos secretos do povo, sendo visto a flutuar pelas escuras ruelas, dando esperança às pessoas:




... à menina que nunca tinha visto uma borboleta num campo verde...



...ao judeu devoto que era perseguido por um rufia...



...às pessoas que nunca tinham sentido o brilho cálido de uma fogueira...



...ao rapazinho que nunca tinha tido comida em abundância. Mas tudo era ilusão: o rapazinho não era realmente alimentado por aquela visão.



O Rabi percebeu então que tinha de dar mais poderes ao Golem.



Para isso, o Rabi colocou o Shem, uma pedra mágica onde estava inscrito o impronunciável nome de Deus, na fronte do homem artificial.



Agora, o homem artificial era realmente capaz de ajudar o povo. Fazia papa de aveia para toda a gente no ghetto.



Todos se aproximavam, e todos eram alimentados.



O rapazinho estava contente, mas, sendo mesmo um rapazinho, queria mais...



O tempo ia passando. O poderoso Golem ajudava toda a gente rondando a sinagoga.



E também ajudava em casa. Mas o rapazinho andava sempre a magicar como podia obter mais e mais comida do Golem.



O Rabi, para cumprir os preceitos da sua religião, retirava a Shem da fronte do Golem todas as sextas-feiras ao pôr do Sol, para que ele não trabalhasse no Sabbat.



Contudo, numa ocasião, o Rabi esqueceu-se de retirar a pedra. E foi despreocupadamente oficiar o serviço religioso na sexta-feira à tarde.



O rapazito, esfomeado, pediu ao Golem para lhe preparar papas de aveia.



E o Golem assim fez. Só que o rapazinho não sabia como mandá-lo parar. As papas subiram até ao tecto, e depois transbordaram pela porta.



A papa derramou para a sinagoga. O Rabi interrompeu o canto do Salmo 92. Se tivesse deixado passar mais uns instantes, teria começado o Sabbat e o povo teria ficado preso.



Para os salvar, o Rabi levou o povo para o sítio mais alto, o cemitério.



O Golem, esse, desapareceu no meio das papas de aveia. Nunca mais o viram. Alguns dizem que ele ainda está escondido no sótão da sinagoga...

ele diz


Ex-director da Judiciária demitido por este Governo diz ter dado prioridade à investigação do caso Freeport .


Está concurso aberto no Público: quem tiver alguma queixa de Sócrates e quiser vir aqui deitar alguma gasolina no fogo, algum ácido na ferida, alguma corda no linchamento, venha que entra pela porta grande, com passadeira vermelha e tudo. E o Público promete que acreditará em tudo o que lhe contem - desde que seja para apertar a corda ao enforcado, não vá ele conseguir que se mostre a verdade.


a pequena história da grande golpada

e Cavaco, está no Pulo do Lobo?

09:05

quando perderei eu o vício de ler o Público?

08:55

AQUI ENTRA TEXTO LINKADO.

Alguns querem que se faça justiça. Que os criminosos, os corruptos, por exemplo, sejam apanhados e castigados.
Outros querem que a justiça seja pretexto para um circo de feras onde os seus adversários sejam esfacelados.
A forma como o Público, mais uma vez, hoje, trata o caso Freeport, classifica esse jornal na segunda das categorias acima mencionadas. Porque continua a montar uma feira com muita quinquilharia que não tem nada a ver com o caso, mas que impressiona os que só querem sangue; porque faz de conta que não percebeu o que Cândida Almeida disse ontem na RTP; porque continua a alimentar os cenários que lhe interessam (como a demissão do governo), pela simples razão... de que isso é o que lhe interessa; porque apresenta os factos conhecidos, e que aconselham a deixar o PM descansado, como se esses factos conhecidos fossem suposições de Sócrates - e continua a apresentar as suposições da direcção editorial do jornal como se fossem factos. JMF sabe que povo somos. E quer viver disso.

excertos resumidos de uma entrevista corajosa (falo de quem a deu)

00:16

Cândida Almeida: Sócrates não está a ser investigado mas consta no processo.


Ontem, Judite de Sousa entrevistou Cândida Almeida sobre o caso Freeport. Isto é uma espécie de resumo à minha responsabilidade, com algumas citações pelo meio.

Judite de Sousa - Sócrates é suspeito?
Cândida Almeida - Não. Não há qual indício do envolvimento de Sócrates. Não está a ser investigado.

Judite de Sousa - A que título era mencionado Sócrates na tal carta anónima?
Cândida Almeida - A referência a Sócrates na carta anónima era despropositada.

Judite de Sousa - E que deram as investigações que se seguiram?
Cândida de Almeida - Não se confirmaram quaisquer indícios relativos a Sócrates.

Judite de Sousa - E os ingleses? Não são eles que falam de suspeitas sobre Sócrates?
Cândida de Almeida - Os ingleses usam os termos que nós usámos na carta rogatória de nossa iniciativa, quando explicávamos porque queríamos a colaboração deles, porque quando pedimos colaboração temos de justificar. E justificámos com alegações que foram suscitadas pela carta anónima.

Judite de Sousa - Que crimes estão em causa?
Cândida de Almeida - Tráfico de influências: invocar o nome de pessoa decisora e pretender que vai influenciar esse decisor. E corrupção, o decisor receber ou pretender receber bens por dar um certo despacho.

Judite de Sousa - Há fortes suspeitas sobre o tio de Sócrates?
Cândida de Almeida - Fortes suspeitas, não.
Judite de Sousa - E suspeitas, sem o "forte"?
Cândida de Almeida - Isso há.

Judite de Sousa - O tio de Sócrates pode ter recebido dinheiro?
Cândida de Almeida - Não há suspeitas fortes nem fundadas, embora haja suspeitas.

Judite de Sousa - E o sobrinho (do tio de Sócrates), há suspeitas de que tenha recebido dinheiro?
Cândida de Almeida - «Não há qualquer suspeita relativamente ao sobrinho que era ministro do ambiente. Absolutamente nenhuma.» (sic)

Judite de Sousa - Sócrates vai ser inquirido?
Cândida de Almeida - Neste momento não é preciso. Mas não posso prever o futuro. E o PM já se colocou à disposição da justiça. Mas de momento não é preciso, Sócrates «neste momento não é sequer peça marginal» do processo.

Judite de Sousa - O que aconteceu para só agora fazerem estas buscas?
Cândida de Almeida - O processo não esteve parado. Mas tem agora meios que não tinha quando estava no Montijo. E quando o processo foi avocado os novos responsáveis acharam necessário fazer essas diligências.

Judite de Sousa - A carta rogatória dos ingleses diz que o PM é suspeito?
Cândida de Almeida - Os ingleses usam na carta deles os termos que nós usamos na nossa carta inicial, para justificar o pedido de que colaboremos com eles. «Não são eles que têm suspeitas», eles usam os termos que nós usámos, dizendo que existem essas alegações, como argumento para justificar o pedido de colaboração. Usam os nossos termos de 2005 na nossa carta rogatória.
Judite de Sousa - Essa dúvida de 2005 mantém-se?
Cândida de Almeida - Não. Não se concretizou. Não se confirmou. Essas expressões hoje não seriam utilizadas. Hoje nem sequer seria usado o nome de Sócrates.

Judite de Sousa - As contas bancárias do PM vão ser investigadas?
Cândida de Almeida - Se vier a ser suspeito, sim.
Judite de Sousa - E isso já foi pedido sobre outras pessoas?
Cândida de Almeida - Já.
Judite de Sousa - Quantas pessoas estão visadas?
Cândida de Almeida - 20 no máximo, portugueses e ingleses.
Judite de Sousa - O dinheiro que saiu de Inglaterra para Portugal, foi para quê?
Cândida de Almeida - Pagamento de serviços. Temos é de descobrir se não havia aí luvas escondidas.

Judite de Sousa - Viu o DVD?
Cândida de Almeida - Não vi nem quero ver, porque é uma prova absolutamente nula, a menos que os intervenientes o autorizem.

Judite de Sousa - O comunicado da PGR diz que a carta rogatória não tem nenhum elemento novo nem juridicamente relevante. Mas pelo que disse aqui, tem.
Cândida de Almeida - Não. Os elementos dela constantes nem são novos nem são juridicamente relevantes.

Judite de Sousa - Conseguirão fazer prova de alguma coisa?
Cândida de Almeida - Vamos chegar a conclusões. E a alguém.

Judite de Sousa - E as declarações do tio?
Cândida de Almeida - Lança suspeitas, tem de dar indícios. Não basta afirmar, é preciso fornecer indícios que credibilizem as afirmações.

Judite de Sousa - Que importância tem o email que o primo de Sócrates enviou a tentar ser recompensado pelas facilidades de contacto que terá promovido?
Cândida de Almeida - Esse email, «a existir» pode não ter importância nenhuma, porque pode ser só lobbie, intermediar um encontro não tem importância nenhuma, ou pode ser um indício de tráfico de influências.

Judite de Sousa - O tio de Sócrates não devia ter denunciado à polícia a corrupção que agora sugere ter existido?
Cândida de Almeida - Se for verdade... «Se existiu...» «Tem-se dito tanta coisa...»

Judite de Sousa - O PM manifesta alguma estranheza pelas coincidências do tema Freeport com períodos eleitorais...
Cândida de Almeida - As coincidências não são da investigação, são mediáticas. Mediatismo que, conhecendo eu o processo, considero exagerado.

Judite de Sousa - O PM tem falado de "campanha negra"...
Cândida de Almeida - «Eu, se fosse um cidadão na situação dele, eu pensava isso.» «Pensava que eram coincidências a mais.» Mas não é o MP que procura isso.

Judite de Sousa - As palavras do PM intimidam os magistrados?
Cândida de Almeida - Não. Essas palavras não são para nós.

29.1.09

ensaio sobre a cegueira


Cândida Almeida: Sócrates não está a ser investigado mas consta no processo.


Só não ficou esclarecido quem não quis ouvir. Mesmo sem revelar o que em concreto está no processo, Cândida Almeida explicou bem a falta de fundamento da campanha em curso. E até declarou compreender a reacção de Sócrates ao sentir-se perseguido por "coincidência eleitorais" repetidas. Explicou que o nome de Sócrates é metido nisto, na célebre carta anónima, de forma um tanto atabalhoada, num parágrafo da carta que parece caído do céu aos trambolhões. E explicou o uso incorrecto que se tem andado a fazer da noção de "suspeito". E desmontou a "pista inglesa", como se lá estivesse a "garganta funda" a justificar este alarido todo agora. E explicou que não é por alguém dizer uma alarvidade que passou a haver um crime ao cimo da terra. E explicou que pode haver crimes, mas de que Sócrates seja a vítima e não o agente. E repetiu que não há nada que aponte para qualquer malfeitoria de Sócrates.
Mas claro, nenhum razão calará os esbirros. Na Idade Média, alguém acendia as fogueiras. Elas não se acendiam por si mesmas. Andam por aí os herdeiros dos que acendiam essas fogueiras. Não mudaram muito. Só que agora escrevem nos jornais. E na blogosfera.


carta aos esquecidos

22:30

Proença de Carvalho acaba de lembrar na RTP-N: Este caso (Freeport) nasceu de uma conspiração entre um polícia, um jornalista e um político adversário de Sócrates. E essa conspiração foi levada a julgamento e provada em tribunal.
Mas os esquecidos acham estranho que se fale em conspirações.

abrir as contas (III)

20:51

Questionado sobre se aceitaria abrir as suas contas bancárias à investigação sobre o caso Freeport, Sócrates respondeu que todos os cidadãos estão à disposição da justiça - e ele mais do que todos, por ser PM.
Nada mais se lhe pode pedir. Só a baixeza moral dos cobardes permite que se continue esta campanha de destruição traiçoeira. Porque, sim, o que está em curso é uma vendetta. Mesmo quando os seus fautores se benzem beatamente a fazer de conta que é a decência da República que os move. E falam todos ao mesmo tempo para que não se perceba que nada dizem. Limitam-se a espumar pela boca.

Não, querido leitor compassivo: não me peça que modere a linguagem. Não me posso moderar quando o país está a ser mordido pelos exércitos da terra queimada.

abrir as contas (II)

abrir as contas

14:03

Freeport: Não há dados "relevantes" que indiquem que há suspeitos, diz PGR.


Depois do que a imprensa publicou, não vejo alternativas: de algum modo, Sócrates devia possibilitar o escrutínio das suas contas para matar a suspeição Freeport. Pelas autoridades portuguesas, não por polícias estrangeiras. Desde que se consigam garantir as condições de utilidade desse exercício. Mesmo que não se lhe possa exigir isso, legal ou moralmente, pode dizer-se que politicamente talvez seja a única forma de fugir a um assassinato traiçoeiro. Se se encontrar lá o dinheiro sujo, o homem tem de ir embora. Se não se encontrar, outros terão de extrair as consequências. Acredito na inocência de Sócrates. Mas defendo isto "em abstracto": estaria a defender o mesmo ainda que o achasse culpado. E não me parece que isto possa ser discutido "apenas" em termos jurídicos. Paris vale bem uma missa.

a falácia da rapidinha


Última avaliação ambiental do Freeport de Alcochete foi a mais rápida de que se tem registo desde 1995.


As repetidas afirmações de que foi tudo muito rápido, excessivamente rápido, suspeitamente rápido, no caso Freeport, ou no caso da alteração dos limites da ZPE, começaram talvez por ser ignorância. Ignorância de que um processo, depois de ter sido estudado durante anos, quando já vai na enésima versão com muita discussão pelo meio, não tem de ser estudado de fio a pavio de novo. Essa ignorância podia ter explicado as primeiras insistências no assunto. Depois destes dias todos a esmiuçar isso, insistir na tecla é má-fé. Pura e simples má-fé. Campanha. Campanha mediática. De "órgãos" que se julgam acima de todo o escrutínio. Até porque, neste caso (ambiente), há um escrutínio (as instâncias comunitárias) que, se peca por alguma coisa, é por atender demasiado aos detalhes. Nunca por deixar passar os "detalhes". E as instâncias comunitárias, sempre que se pronunciaram definitivamente sobre algum dos "temas quentes" da actual agenda mediática, disseram que estava tudo conforme, que não havia problema nenhum, que estava tudo sob controlo. Mas isso não interessa nada aos media que, em vez de pensarem, espumam pela boca.



reportagem sobre as políticas económicas e sociais que aí vêm

ainda o submundo da blogosfera


É do excelente blogue Defender o Quadrado. Tem o título Esclarecimentos encrespados. É um exemplar magnífico de honestidade intelectual. E devia fazer corar de vergonha os que se apressam a classificar (mal) a blogosfera.
(Refiro-me à atitude expressa pela própria existência do post, que tem uma pequena história que lá perceberão. Mas a matéria directa do post também tem o seu interesse.)


28.1.09

volta, Barroso... estás a ser copiado!


Debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento. PSD e CDS questionam credibilidade de estudo sobre 1º ciclo do ensino básico .


O "discurso da tanga" levou Barroso a PM. Por pouco tempo. Até encontrar melhor ocupação, entregando o país ao Sr. Lopes e evitando o julgamento popular. Mas veio para ficar: a política de terra queimada é de novo a cartilha da oposição. Mas, desta vez, não apenas dos antigos ministros e secretários de Barroso. Desta feita, a esquerda par(a)lamentar está na mesma onda. Tudo é mau, nada se fez, as estatísticas são só números (se forem boas, porque se forem más são ciência pura e exacta), Sócrates foi o culpado do crash de 1929, o governo português anda a encerrar empresas por todo o mundo. Mal por mal, tanga por tanga, mais vale o original: volta Barroso! Assim, pelo menos, salvamos a Europa, já que nos tramamos a nós.

Já agora, quanto ao tal estudo: não conheço o estudo, nem vou estar para aqui a defender o que não conheço. Mas ainda não vi nenhuma crítica metodológica ao mesmo. Nenhuma. Consultou demasiados autarcas do PS? Essa é a crítica? Esqueceu coisas que devia incluir? Inclui coisas irrelevantes? Tem dados quantitativos errados? Tem erros factuais? Faz inferências inválidas? Ainda não vi nenhuma apreciação desse género. Claro, alguns dizem: nem vale a pena. Claro, um estudo que não critique o governo é, para esses, um mau estudo. Necessariamente!

se a crise fosse como o monstro de Loch Ness...


(Clicar, amplia. Cartoon de Marc S.)



Começo a achar que este país merece a Manuela. MFL, quero eu dizer.

Freaks


Continuando o tema dos dragões...





Freaks é um filme de terror norte-americano, produzido em 1932, dirigido por Tod Browning.
«Atroz e fascinante obra-prima, pela primeira vez no écran um realizador ousava dirigir nada menos que fenómenos de feira, em carne e osso: a mulher-aranha, o homem-tronco, as irmãs siamesas, anões e restante galeria de pequenos monstros. E, no entanto, nesse assombroso filme os monstros são outros... a bela Cleópatra e o atlético Hércules, imagens da força e da beleza, personagens "normais", mas de comportamento repugnante.» (Jean-Claude Romer, citado por Pedro Borges, 29 de Maio de 1984: Tod Browning: "Freaks", o circo e o fantástico, in Jornal de Letras, Artes e Ideias. Segundo a Wikipedia.)

Quem vê o filme verifica que aqueles monstros são, de facto, muito mais "feios e assustadores" do que qualquer "dragão". Mas quem só vê isso - não vê nada. Essa é, aliás, a "moral" do filme. Pelo menos para mim.

Só para dizer que certas coisas escapam aos realistas.

em que ficamos?


Alteração da ZPE esteve na gaveta um ano e serviu para o Freeport .

Então afinal não tinha sido feito tudo à pressa, em três dias? Afinal o projecto andava entre promotor e entidades públicas há uns cinco anos, a rever e a rever e a estudar e a estudar? Afinal a alteração da ZPE andava a ser estudada há um ano pelos organismos competentes? Então afinal não foi tudo em cima do joelho?
Como dizia ontem Saldanha Sanches, isto cheira a vendetta. Neste caso, já uma vez se apanharam e puniram judicialmente os que (alguns que) manobraram a informação para obter vantagens político-partidárias ilegítimas por vias ínvias. Espero que volte a ser o caso.


dragões fantásticos, again


O problema dos dragões fantásticos não é que eles não existam. O problema dos dragões fantásticos é que dão um trabalho dos diabos na manutenção.

(Dedicado ao Anónimo que comentou, com verve do tipo realista, o meu post recente conversas à hora de almoço.)


27.1.09

a invenção da ideologia








Ou então na versão inteirinha:


Clicar para ampliar.
Encontrado no Gabinete Dentário.

26.1.09

Freeport, confessionário do país


A propósito do caso Freeport, há um post com informação genérica de interesse para compreender alguns dos mecanismos em questão, no Trix-Nitrix.
Mas sublinho aqui um comentário final que aparece nesse post:
«E é triste ver Rui Gonçalves assumir toda a responsabilidade neste caso, quando eu vi, mas isto fica para outra altura, ser tratado por José Sócrates abaixo de cão, facto que era extensível a todos os seus subordinados que não considerava.»
Esta observação é muito curiosa. Vejamos.
Suponhamos que Rui Gonçalves foi tratado "abaixo de cão" pelo então ministro do ambiente (que é sabido ser, de facto, ou ter sido, de péssimo feitio em relações funcionais-pessoas). Devia, por isso, Rui Gonçalves deixar de dizer a verdade? Devia calar-se para se vingar? Devia deixar por dar os esclarecimentos, para assim ver recompensado o seu ego eventualmente ferido?
Se calhar isto explica tudo: há muita gente que se move principalmente por révanche. E que não olha a meios para compensar as suas frustações pessoais ou políticas. E que tem um sentido da honra próximo da nulidade.
Felizmente esses ainda não são os únicos espécimes à tona da água.

Freeport: Júlio Monteiro confirma reunião do filho com responsáveis do “outlet”.

retrato de um país infeliz

correspondência ambientalista


Freeport: Bruxelas assegura que arquivou queixa e informou Quercus.


Escreve ainda o Público: «A Comissão Europeia assegurou hoje que a queixa apresentada em 2002 contra o Estado português, por viabilizar o projecto Freeport em Alcochete, foi arquivada em Dezembro de 2005, tendo a Quercus sido notificada dessa decisão na altura.»

Parece que a correspondência ambientalista anda um pouco desorganizada. Ou será que também a Comissão Europeia foi corrompida? Os ambientalistas têm um papel a cumprir. Mas o seu papel não é divino: deviam ver melhor o que dizem e em que contexto o dizem. Não se deviam prestar a servir de marionetas nas manobras pequeninas da baixa política. Ou isto serve só para justificar um pedido de subsídio para contratarem um novo secretário que saiba tratar da correspondência?
Aguardo novos acontecimentos. E reafirmo: oxalá apanhem todos os corruptos. E também os difamadores.

o DVD do Freeport, versão hardcore

educação, uma avaliação


Uma avaliação internacional das políticas de educação em Portugal. Aqui.

O Público também leu, mas escusa-se a relatar o que leu. Fala de feijões e amendoins, mas não lhe apetece falar do conteúdo da avaliação internacional. A isso pode chamar-se jornalista partidário. Vesgo. Partidário, mas do tipo vesgo.

afinal não sabia mesmo


Quercus pediu esclarecimentos à Comissão Europeia sobre queixa de 2002 devido ao Freeport.


Criticámos aqui ontem a prestação de Francisco Ferreira, pela Quercus, falando à televisão sobre o caso Freeport (ou melhor, sobre a alteração da ZPE confinante). Afinal, o caso é ainda mais curioso: a Quercus desconhece o destino da queixa que apresentou. Começa-me a parecer necessário fazer uma listagem geral de todas as queixas, e respectivas sequências, para sabermos a quantas andamos - e para não se invocar "fizemos uma queixa" como se isso em sim mesmo demonstrasse de que lado está a razão.
Outro aspecto interessante deste caso é a insistência na pressa com que foi resolvido. Ou seja: um promotor anda para aí uns cinco anos a apresentar, a modificar, a voltar a apresentar, a voltar a modificar, a voltar a apresentar um projecto; apresenta as reformulações que as autoridades exigem para o projecto ser aprovado; o governo, poupando os promotores à espera de mais uma "interrupção eleitoral" (eleições, tomada de posse, entrada efectiva em funções do novo governo), aprova logo que pode. E isso é mau. A administração, e por maioria de razão o governo, devem empatar o mais que podem - parece ser a moral que se retira. Evitar que o "ambiente" seja visto como o mau da fita, como o "empata"? Pelos vistos isso é negativo. Agora compreendo as inúmeras ironias que o Simplex sempre motivou...

conversas à hora de almoço


Há uns momentos, à porta de uma livraria, a rapariga loura e bonitinha para mim:
- Olá, sou jornalista, do Expresso, estou a fazer um trabalho para o dia dos namorados e queria conversar consigo cinco minutos sobre a paixão e que nos deixasse tirar-lhe uma fotografia.
- Acho que não me apetece, digo eu.
- Mas não sente paixão?, insiste ela, simpaticamente, se se pode dizer simpaticamente tal coisa.
- Sinto paixão, mas não me apetece falar de tudo o que sinto assim em público.
Desfeita a abordagem, entrei na livraria a pensar "o que eu não queria era ser apanhado a dizer banalidades sobre um assunto tão..."
À saída notei a rapariga, acompanhada por um rapaz, talvez o fotógrafo, e o aparato onde eu devia ter caído se tivesse aceite o convite: um pano de fundo vermelho, um coração enorme também encarnado, e mais umas tralhas de cenário.
Eu costumava dizer desassombradamente que os amores de que eu gosto não são paixões. Mas se calhar já estou na idade em que quem me ouça dizer isso fica desconfiado de que arrefeci. O que é de todo mentira. Mas, de facto, os amores de que eu gosto não são paixões.
Embora sejam dragões fantásticos.

25.1.09

o paraíso dos fala-baratos


Freeport: Charles Smith garante que nunca se reuniu com José Sócrates.


Pode haver, no caso Freeport, coisas novas relativamente a 2005. Mas a maior parte dos comentadores não tem o mais pequeno pejo em repetir a novela de 2005, falando de assuntos que já na altura foram esclarecidos e enterrados - como se fossem coisas novas e por aclarar. Por exemplo, os que bradam que o governo era de gestão e não tinha competências para aquele acto - esquecem que, estando esse assunto muito longe de ser fácil em termos constitucionais, o governo de então se dotou de um parecer jurídico sobre os limites dos vários meses em que teve de governar estando em gestão. Mas alguns papagaios continuam a falar como se tivessem agora descoberto essa questão - claro, sem se darem minimamente ao trabalho de argumentar juridicamente ou sequer de lembrar este facto.
Uma das intervenções mais tristes neste caso (triste para mim, pelo respeito que a pessoa me merece) foi a de Francisco Ferreira, a falar em nome da Quercus ontem a um telejornal. Estava naquele papel de tentar falar como "ambientalista puro" que não sabe de mais nada, que não se interessa pelo aproveitamento político das coisas. Mas não lhe fica bem lembrar, para dar credibilidade à sua posição, que a Quercus fez queixa do Estado português à Comissão Europeia por causa das modificações na ZPE - mas esquecendo-se de "lembrar" que a Comissão arquivou a queixa.
Não vale tudo. Tentar ganhar eleições ou ganhar guerras políticas por tentativas sucessivas de conspurcar o nome do chefe do governo, em vez de ser assumido como pura irresponsabilidade passou a ser considerado normal? Qualquer tipo inglês, envolvido em fraudes fiscais no seu país, que tenta escapar-se dizendo que o dinheiro desapareceu porque foi usado para corromper um ministro português, ganha credibilidade imediata entre nós apenas por dar dinheiro a ganhar a certos órgãos de comunicação social, mesmo contra a palavra do PM do nosso país? Se eu meter dinheiro ao bolso, safo-me facilmente dizendo que corrompi fulano ou sicrano?
Se alguém foi corrompido, oxalá seja apanhado. Relativamente a 2005 ficou provado que tinha havido actuação dolosa da parte de algumas pessoas que manobraram o caso para tentar obter ganhos eleitorais por vias ínvias. Houve condenações judiciais por causa disso. Espero que também desta vez os verdadeiros criminosos sejam descobertos e condenados. Mesmo que sejam "jornalistas" importantes a falar levianamente do que tinham obrigação de saber que é inexacto e incorrecto.

23.1.09

como votaria Lídia Jorge?


Avaliação dos professores: Sócrates critica deputados do PS e acusa oposição de oportunismo.


Avaliação docente: Jaime Gama participou na votação do diploma do CDS-PP.


Alegre critica discurso do Governo mas também aponta o dedo aos professores.


Publiquei aqui, ontem, uma leitura do texto de Lídia Jorge sobre a educação e a excelência. Olhando para a forma como todas as oposições, do CDS ao BE, convergem hoje em dia em questões de educação - num tema que em tempos era de águas tão separadas em termos ideológicos - pergunto-me agora se a escritora se juntaria a esta "transversalidade". Será que as questões de "identidade" se tornaram, na escola pública portuguesa, mais importantes do que qualquer outra coisa: como no conflito israelo-palestiniano, em que ser "judeu" ou ser "árabe" é para muitos prioritário sobre qualquer juízo acerca de quem tem ou não tem razão?


a nova era Bush


Actuais actividades do ex-presidente G.W. Bush
(Clicar aumenta. Cartoon de Marc S.)

22.1.09

O racionalismo da acção enganou a humanista?

09:54

Lídia Jorge publicou no passado dia 9 de Janeiro, no Público, um artigo intitulado “Educação: os critérios da excelência”, que tem sido muito referido (mas muitas vezes mal citado) como espécime de fina análise ao actual momento vivido nas escolas portuguesas (ensino não superior). O respeito que a escritora nos merece sugere que não deixemos por considerar as suas palavras.

1. A escritora nunca se coloca no plano da oposição substantiva às reformas da Educação que estão em causa. Faz até o elenco parcial de alguns créditos deste governo nessa matéria: “iniciou reformas aguardadas há décadas, (…) conseguiu que o país discutisse a instrução como assunto de primeira grandeza, fez habitar as escolas a tempo inteiro, fez ver aos professores que o magistério não era mais uma profissão de part-time, arrancou crianças de espaços pedagógicos inóspitos”. Aceita a necessidade de distinguir a excelência entre os professores, nem sequer critica o princípio da titularização em si – critica a forma como foi aplicado. Não critica o princípio da avaliação docente, que considera, a par do anterior, outro “instrumento ao serviço da excelência”. Escreve mesmo que “Era preciso inaugurar nas escolas uma cultura de responsabilidade que até agora fora relegada para determinismos de vária ordem, menos os estritamente pedagógicos”. O que critica é o modelo que foi proposto. Portanto, a escritora denuncia fortemente vícios na aplicação de duas linhas de reformas fundamentais, mas fá-lo em nome dessas reformas. O que se estranha é que escreva como se ignorasse que muitos dos que lutam contra esta concreta forma de aplicar as reformas só tacticamente aceitam os princípios. Por exemplo, a maioria, quando diz que não está contra a avaliação, mas contra esta avaliação, está num exercício táctico. A maioria, quando critica as injustiças cometidas no processo de titularização, visa mais longe: está contra aquilo a que chamam “a divisão da classe”. Como é que podemos saber que isto é verdade? Não vou invocar o que ouço a professores, nem o que leio na blogosfera, nem o que vejo nas manifestações. Invoco o que os representantes dos professores propõem à mesa das negociações: o que realmente mostram aí, explicitamente, é que estão contra o próprio princípio de uma carreira diferenciada, que estão contra o princípio de uma avaliação com consequências relevantes. Uma parte do problema é essa “dupla linguagem”. Um equívoco fundamental do texto de Lídia Jorge é ignorar esse problema. Ignorar que ao ME faltaram os parceiros certos no terreno, é um grave erro de análise. Faltaram ao Ministério parceiros para uma negociação séria, parceiros que aceitassem responsavelmente que cabia ao Parlamento e ao governo definir os objectivos políticos centrais das reformas – e que usassem de boa fé na procura de soluções ajustadas à sua concretização.

2. No que toca à titularização, a escritora critica vários aspectos da sua concretização. Considera que foi um erro criá-lo de um momento para o outro – mas, quando escreveu antes que um dos méritos desta equipa foi iniciar reformas aguardadas há décadas, não percebe porque foi (e é) necessário andar depressa? Entende que a escola não estava preparada para esta diferenciação dual – mas nada sugere quanto à forma de preparar a escola para a mudança: não mudando? Ou mudando e corrigindo os erros? Ou o problema será o carácter dual da diferenciação – já seria melhor se houvesse três categorias em lugar de duas? Diz que se aplicaram critérios aleatórios: parece-me simplesmente falso – alguns critérios serão errados, não aleatórios. Acusar o ME de aplicar critérios aleatórios é pesado e grave; uma acusação dessas teria de ser substanciada, e não foi. Sugere que se aplicaram critérios administrativos e não se aplicaram critérios pedagógicos nem científicos (“em vez de”), o que, mais uma vez, carece de explicação. Cumulativamente, a acusação de que se usaram critérios aleatórios e a acusação de que não se usaram critérios pedagógicos ou científicos, que foram excluídos para se usarem critérios administrativos, constituem um libelo pesado – para quem, sendo escritora, sabe o que valem as palavras, a carecer de melhor fundamento.
Ainda no que toca à titularização, diz que ela foi negada a professores competentes. Suponho que sim. Quer porque nem todos os professores competentes serão excelentes, quer porque erros graves no processo impediram professores excelentes de serem titularizados. Essa é também a minha convicção. Contudo, a escritora diz mais: diz que foram titularizados professores maus e muito maus, e que “basta visitar algumas escolas” para se perceber isso. Lídia Jorge avalia professores por “visitas”? Acho estranho. Dos anos em que fui professor e tive responsabilidades de direcção pedagógica, lembro-me de pelo menos dois ou três casos de professores em que andei meses (anos?) para tentar perceber se eram excelentes ou péssimos, se eram extraordinários revolucionários ou perigosos desestabilizadores. E, comigo, outros hesitavam e se dividiam: depois de analisar detalhada e detidamente os seus métodos. Mas a escritora visita a escola e fica logo a saber. Acho estranho. E acho até perigosa a pretensão. Ou a ingenuidade.

3. Quanto à avaliação de desempenho, Lídia Jorge não avança muito contra o que o ME tem feito. Centra-se num argumento de infantilização dos professores, o qual aliás não é novo. Daniel Sampaio já escreveu que “a avaliação fomenta problemas interpessoais entre professores” (Pública, 16/11/08), como se eles fossem incapazes de fazer da avaliação um exercício profissional (como fazem tantos outros profissionais altamente qualificados) e só pudessem cair na armadilha de fazer da avaliação profissional uma questão de conflito pessoal. Lídia Jorge vai por caminho idêntico, acusando este modelo de avaliação de ser “um sistema que transforma cada profissional num polícia de todos os seus gestos, e dos gestos de todos os outros”. A confusão perniciosa entre relações profissionais e relações pessoais, misturada com uma concepção paternalista das relações de trabalho, alimenta o medo da avaliação rigorosa. Estamos no mesmo: os professores, apesar de constituírem uma classe altamente qualificada, e uma das que mais estão preparadas para avaliar, são ditos incapazes de uma cultura colectiva de avaliação exigente. O que me parece um insuportável atestado de menoridade aos professores.

4. O resto, lamento dizê-lo, não anda muito longe do insulto. Misturar a Ministra com a brincadeira do “Papá, sou ministro!”, e outros mimos, mostra falta de equidade no exercício. A escritora, cidadã, ao olhar para um problema público sem considerar a questão da partilha das responsabilidades, está a faltar às suas próprias responsabilidades. Não olha para os parceiros que faltaram neste processo (os professores que recusam mudanças substanciais necessárias na sua carreira, os sindicatos que confundem o seu papel com o papel do poder político mandatado para cumprir um programa de governo aprovado pelo parlamento), não olha para a história (quais os mecanismos que foram usados, ME após ME, para deixar ficar o essencial sempre na mesma) – e fundamentalmente não olha para as alternativas. Emparceira, assim, no grande exército dos críticos sem visão: a sua grande ideia é parar. Desistir. Se desistirmos agora, desistimos por quantos anos? Décadas, como até agora – como sublinha a própria Lídia Jorge.

5. Afinal, o artigo da escritora enferma de um erro tão grande como a boa vontade que estamos certos a move: o hiper-racionalismo da acção.
Quem boicotou as estruturas de acompanhamento da concretização, quem evitou apresentar as dificuldades concretas de terreno nas estruturas vocacionadas para as resolver, quem impediu que implementação e revisão de processos andassem a par – fê-lo apoiando-se num mito. O mito hiper-racionalista da acção. De acordo com esse mito, primeiro analisamos exaustivamente a situação, elaboramos um detalhado modelo do mundo, definimos metas precisas, desenhamos planos e sub-planos de vária ordem até ao detalhe exacto – e, depois do planeamento, executamos. Executar seria, nesse mito, apenas aplicar o plano, se possível rigorosamente até ao movimento corporal mais básico. E se a coisa não funcionar impecavelmente, é porque o planeamento racional falhou em algum lado. A maior parte das críticas à avaliação de desempenho dos professores, pelo menos as que fazem as delícias da maioria, assentam implicitamente neste mito. Também a de Lídia Jorge.
Só que, uma vez que nenhum modelo é perfeito, tentar eliminar um modelo por ele não ser perfeito equivale a tentar matar antecipadamente todos os modelos que venham a ser tentados. Nenhum modelo pode ser aperfeiçoado apenas em teoria; é na prática que vão encontrar-se os ajustamentos necessários; nunca passando à prática, nunca chegamos a apurar nenhum modelo. (“Faz-se caminho caminhando.”) Não compreender isto é cair numa armadilha. A armadilha que Lídia Jorge projecta no passado (“reformas aguardadas há décadas”), mas em que volta a cair no presente. O seu texto é uma cedência de fundo ao errado e perigoso mito do hiper-racionalismo da acção. Com a infeliz consequência de levantar a sua respeitada voz para defender a desistência – por mais quantas décadas?

(Este texto publica-se aqui, e não em qualquer outra parte, porque às páginas nobres do Público só se tem acesso em condições que nós, normalmente, não reunimos.)



20.1.09

quem serão os próximos antiamericanos?


Barack Obama prepara uma ambiciosa primeira semana na Casa Branca.


Quando George W. Bush fazia disparates, e alguns protestávamos, uns tantos diziam que éramos antiamericanos. Quando os americanos se fartaram dos disparates do homem, não ficou claro se esses americanos também deviam ser apelidados de antiamericanos. Agora que chega Obama, estou para ver quem serão os próximos antiamericanos, pelo menos na Europa. A direita, assustada pelo anticonvencionalismo do afroamericano? Ou a esquerda, presa nos seus próprios atavismos e desiludida com as suas próprias doses excessivas de imaginação?

19.1.09

alguém me ajude, por favor


Paralisação dos professores. Tutela lamenta “intransigência” dos sindicatos e considera greve “bastante inferior”.


Eu devo ter perdido alguma parte da conversa. Onde é que posso encontrar a proposta dos sindicatos para uma avaliação alternativa, exigente, com consequências na carreira, com consequências no sistema, que não deixe todos iguais a todos, sem burocracias, e que demonstre que não querem ESTA avaliação mas querem uma avaliação justa? Alguém me pode indicar o link, se faz favor?


o sal do pão - ou, o Estado omni isto e omni aquilo

14:24
Numa recente reacção registada na caixa de comentários deste blogue, o suposto vasto controlo exercido pelo Estado no nosso país era exemplificado pelo controlo da quantidade de sal no pão.
Curioso. A merecer, assim de repente alguma breves observações.
Desde logo, que o Estado não controla a quantidade de sal no pão. Controla a quantidade de sal no pão que é colocado à venda no circuito comercial legal. Não controla o sal que uso no pão que faço em casa para consumir graciosamente com a família e os amigos, nem controla o sal que se ponha no pão que seja vendido nos circuitos da economia subterrânea (vasta e, provavelmente, admirada pelos anti-estatistas).
Mas, porquê controlar a quantidade de sal no pão?
Ou, numa variante: porquê controlar, digamos, a quantidade de veneno para ratos colocada no pão? Porque há-de ser ilegal colocar veneno para ratos no pão que compramos na padaria? Não deveríamos ter a liberdade de comprar na padaria pão condimentado com veneno para ratos? Ah, é porque esse veneno mata? Mas o sal em excesso, a mais longo prazo, também mata. Será uma questão de prazo? Então, a que prazo deve matar um veneno para poder ser incluído como ingrediente no pão? Um veneno que mate em dois dias deve ser proibido, um veneno que mate em cinco anos deve ser permitido. E um veneno que mate ao fim de uma semana de consumo? E ao fim de duas?
O "veneno" é uma questão de saúde. O sal também. Nada disto tem a ver com estatismo. Tem a ver com o facto de que eu não posso ser obrigado a distinguir entre um pão com veneno dos ratos e um pão sem veneno dos ratos. E de eu não ser obrigado a distinguir entre um pão com uma quantidade de sal que me faz mal à saúde e outro pão que não me faz mal nenhum.
Os teóricos da "liberdade individual contra qualquer mecanismo de regulação pelos poderes públicos" acham que eu é que devo arranjar-me para decidir se quero o pão com pouco ou muito sal. (Com ou sem veneno.) Mas como é que eu faço isso? Que tipo de maquineta devo levar comigo quando vou comprar pão para fazer as análises prévias? E como é que apuro o nível de sal que seja seguro: encomendo um estudo a uma universidade?
O facto de eu achar que me daria muito trabalho tudo isso, e de achar que tenho mais o que fazer, e de preferir que haja organismos idóneos que regulem essas coisas por vias institucionais, que usam o conhecimento disponível de forma razoável, enquanto eu me dedico ao que realmente me interessa ou me ajuda a ganhar a vida - esse facto demonstra, para alguns, que eu tenho uma mente doentiamente socialista.
Para mim demonstra que, no meu conceito de liberdade, a liberdade de todos passa pela organização do colectivo. Para que a liberdade seja daquilo que realmente conta, e não um chavão para gente fina. Ou ideológica. Afinal, uma questão de civilização, julgo eu.

18.1.09

a esquerda de Sócrates



Enki Bilal, A Caçada


Sócrates quer maioria absoluta, promete referendo à regionalização e defende casamento homossexual.



O Público não diz, mas pode ler-se, logo a abrir a moção de Sócrates ao próximo congresso do PS:
«O mundo acaba de assistir à clamorosa derrota do pensamento político neoliberal. A ideologia do mercado entregue a si próprio, sem Estado nem regulação capaz, e a especulação desenfreada nos mercados financeiros são os responsáveis principais pela profunda crise que se abateu sobre toda a economia mundial.
A doutrina neoliberal, que professou a sua fé no mercado e desprezou o Estado e as suas funções sociais, não foi o único pensamento político a reclamar para si o estatuto de pensamento único. Anos antes, tinha também tombado o pensamento comunista, e o seu projecto de uma sociedade totalitariamente determinada pelo Estado. Também ele ambicionara ser um pensamento único, com pretensa fundamentação científica, querendo substituir o pluralismo das ideias pelo império da ortodoxia.»


Juan Muñoz @ Serralves 2009





visões





Porto, 3 de Janeiro de 2009 (Foto de Porfírio Silva. Clicar aumenta.)

17.1.09

o som e a fúria

17:45


A companhia nesta peça. Da esquerda para a direita:
À frente, no chão, Tory Vazquez, April Matthis.
Na fila de trás: Mike Iveson, Ben Williams, Vin Knight, Aaron Landsman, Kaneza Schaal, Kate Scelsa, Randolph Curtis Rand, Susie Sokol, Greig Sargeant, Annie McNamara.


"The Sound and the Fury (April Seventh, 1928)", pela companhia de teatro nova-iorquina Elevator Repair Service, na Cultugest. Fomos ver ontem. Excelente (só as cadeiras são banalmente desconfortáveis, mas parece que o melhor teatro em Portugal quer-nos colocar em desconforto físico antes de nos colocar em desconforto moral).

"O Som e a Fúria", de William Faulkner, escrito em 1929, é a história de decadência de uma família sulista dos EUA no princípio do século XX. A obra divide-se em quatro partes, todas contando basicamente a mesma história - mas narrada de pontos de vista diferentes e, portanto, com acessos distintos ao mundo. As três primeiras narradas por três irmãos, a última narrada na perspectiva da terceira pessoa. A primeira parte, a mais marcante, é narrada por Benjy, mudo e retardado. (Não me venham com coisas politicamente correctas acerca da expressão: é a expressão apropriada para o que se pensava disso quando o texto foi escrito.) Essa primeira parte é o fulcro artístico da obra: por comentários deixados por Faulkner, dá a ideia de que todo o resto do livro é apenas para ajudar o leitor a compreender progressiva (e penosamente) o que está em causa. A "peça" é, nem mais nem menos, a leitura directa quase integral dessa parte da obra original. Teatro de palavra, portanto. E que palavra.


Susie Sokol



Como é que pode ser o mudo o narrador? O que lemos é o "fluxo de consciência" de Benjy, os seus pensamentos desorganizados, filtrados pela sua forma "simplificada" de acesso ao mundo, onde mistura a percepção do que se está a passar naquele dia presente (7 de Abril de 1928, dia do seu 33º aniversário, quando atinge a idade final de Cristo) com uma colecção de memórias fragmentárias, em que os episódios vão aparecendo aos bocados, misturados, num puzzle quase impossível de deslindar (apesar de Faulkner ter distinguido, com passagens itálico/não itálico, todas as mais importantes mudanças de episódio). Benjy, o atrasado, a quem mudaram o nome quando perceberam que era atrasado, para não conspurcar o nome original, (Maury, o nome do tio, irmão da Mãe), é verdadeiramente a voz da situação. A voz pura de um mudo, um dos poucos que nunca terá culpa de nada. Escreveu-se que o título "O Som e a Fúria" vem daí, por Shakespeare ter escrito, no Macbeth, monólogo da cena 5 do acto 5:



"Amanhã e amanhã e amanhã,
Insinua-se este ritmo mesquinho dia após dia,
Até à última sílaba de tempo registado,
E todos os nossos ontens iluminaam parvos
A caminho da morte poeirenta. Apaga-te, vela breve!
A vida não é mais que uma sombra ambulante, um pobre actor
Que se pavoneia e aflige durante a sua hora no palco
E depois não se ouve mais: é um conto
Contado por um idiota, cheio de som e fúria,
Não significando nada.



Caddy will smell of trees. Isso é o que pensa Benjy de Caddy, a única da família branca que realmente é coerente com o seu amor pelo irmão (e o suficiente para ele sentir isso).
(Mike Iveson, Annie McNamara, Susie Sokol, Kate Scelsa, Ben Williams).



O crítico do The New Yorker que foi ver a peça, e escreveu sobre ela a 26 de Maio de 2008, diz que gostou de ver que um terço das pessoas saíram a meio - por isso mostrar que Faulkner ainda consegue pôr algumas pessoas fora de si! É que há muitos ingredientes a fazer deste espectáculo de teatro uma obra de consumo difícil.



Randolph Curtis Rand, Annie McNamara, Aaron Landsman, Kate Scelsa



Há mulheres a fazer de homens e homens a fazer de mulheres; brancos a fazer de pretos e pretos a fazer de brancos; a identificação actores/papéis não está suportada numa clara relação um-para-um (há 12 actores para 27 papéis, mas Benjy é quase sempre desempenhado por Susie Sokol, papel que partilha um pouco com Aaron Landsman; e as mudanças actor/papel normalmente ocorrem quando há saltos no tempo) ; o narrador Benjy, mudo que só geme e balbucia, é parcialmente representado por sons que não saem da sua boca e por movimentos que nem sempre se vêem no seu corpo; de vez em quando deixa-se ver directamente que se está mesmo a ler a obra de Faulkner, usando um exemplar dela.


Ben Williams, Vin Knight, Susie Sokol



A Mãe da família Compson (mãe de Benjy) reconhece-se como a senhora que existe às vezes sentada no cadeirão do comando - mas às vezes desempenhada por um homem negro. Vin Knight impressiona nesse papel de Mãe, com um roupão de dormir branco e uns grandes óculos pretos. Apesar disso, que devia assustar a "verdadeira senhora", ela pretende comandar mesmo o imaginário da família: foi dela a ideia de mudar o nome de Maury para Benjy quando descobriu que ele era "atrasado", para o afastar da linhagem da nomeação (Maury é o nome do seu irmão); é ela que detesta que se usem diminutivos em vez de nomes próprios correctos: chama Candace a Caddy, chama Benjamin a Benjy e protesta quando os outros não fazem isso.


Ben Williams, Mike Iveson



Há alguma muleta para facilitar a vida ao espectador no meio de coisa tão complexa? Bem, alguma coisinha: tudo se passa na sala da casa da família Compson, mas há muitas sugestões do que se passa lá fora (muitos sons e coisas como a bola de golfe que vem do campo em frente e cai ali); todos os actores estão sempre em palco e a mudar de papéis, mas a leitura literal do texto de partida até ajuda, porque contém os "disse a Mãe" e os "disse Quentin" que são como setas virtuais a apontar para as relações actores/personagens; não será dito exactamente todo o texto original, mas tudo o que seja dito constará exactamente do original. Isto ajuda? Em larga medida, sim. É muito mais fácil de seguir do que eu estava à espera. Apesar de, contrariamente ao que diz o encenador John Collins, conhecer o livro na íntegra melhorar a compreensão total do espectáculo. Note-se que há duas famílias, americanas sulistas, uma dela de negros (que falam "à negro", expressões traduzíveis para português como "Sinhô".) No espectáculo de Lisboa há legendagem, a que muitas vezes recorri para me orientar. E, ajuda preciosa, única concessão ao espectador, há no início e repete-se parcialmente mais duas vezes durante o espectáculo uma descrição das famílias em presença.


Kaneza Schaal



A actriz Susie Sokol (Benjy) e o actor Vin Knight


Em balanço: um grande espectáculo de teatro, que exige alguma disponibilidade e ganha se tivermos feito alguma preparação pessoal para o mesmo, a trazer à vida ainda outra vez um grande texto. Um texto que, quando o terminamos, nos deixa com um nó na garganta. Mas quem não quer nós na garganta vê telenovelas...


(O que o Ípsilon escreveu sobre isto, aqui.)

16.1.09

o presidente em exercício do conselho europeu

Duas visões do actual "Presidente da União Europeia".



Aviso na porta do gabinete do Presidente:
"Por favor, limpe os pés no capacho antes de entrar."


O Presidente da "Eu rope" (a corda da UE).

Cartoons de Marc S.
Clicar, amplia.

15.1.09

a esquerda e a governabilidade


Paulo Pedroso escreve, no Canhoto: «tenho sido, julgo, a única pessoa do PS a falar abertamente do tema [a governabilidade do país]». (Está aqui.)

De facto, a vida política faz-se de ir repetindo as coisas que se disseram uma e outra vez. Não é muito o meu jeito. Et pour cause: não tenho existência política. Mas, porque as coisas pequenas não interessam a ninguém, e passam por isso despercebidas, às vezes vale a pena lembrar. O que lembro agora é que fui o primeiro subscritor de uma moção (ultra-ultra-ultra-minoritária) àquele congresso do PS que foi "o primeiro congresso de Sócrates". Essa moção ainda está em linha, aqui. E uma série de textos jornalísticos sobre a mesma ainda estão disponíveis aqui. Não fui reler, talvez não me lembre de todos os detalhes. Mas quer-me parecer que, no essencial, continuo a pensar o mesmo acerca do problema. E que o que lá se defende está mais pertinente do que nunca.

Só por uma questão de "fazer a acta"...


a liberdade artística na UE

10:30


Impostura embaraça checos e indigna a Bulgária .


Um dos rituais para-institucionais da União Europeia que animam Bruxelas no início de cada semestre (cada nova presidência do Conselho) é um evento artístico. O país que ocupa a presidência costuma "ilustrar" os espaços mais públicos do edifício Justus Lipsius, onde decorrem os trabalhos regulares que "alimentam" o Conselho de Ministros, com algum tipo de instalação artística que mostra a inventiva desse país em destaque.





Desta vez, a República Checa parece estar embaraçada com o que resultou da sua encomenda a David Černý para preencher essa tradição. Este artista checo parece que assinou um contrato para produzir uma instalação integrando uma obra individual de cada um de 27 artistas provenientes de todos os Estados Membros. E agora descobriu-se que não havia 27 artistas, mas um único, que inventou "artistas nacionais", com nomes e currículos pescados país a país, mas cujas "identidades imaginárias" nada têm a ver com as obras produzidas. E agora acham que o homem desrespeitou o contrato. E agora estão muito envergonhados. E agora não querem assumir a coisa. Tudo isto por causa de não se ter cumprido o contratado, no que toca a serem 27 artistas dos 27 Estados Membros?

Vendo o conteúdo da instalação (intitulada "Entropa"), duvido que o problema seja esse. Vejam pelas imagens abaixo.

Esta é a obra que representa a Alemanha: autoestradas muito bem arrumadinhas a compor uma suástica.



Esta representa a Bulgária: invadida por "sanitas turcas":




Esta representa a França: só pensam em fazer greve:



A Itália é o país do futebol:



A Polónia é representada por uma série de padres a erguer a bandeira do movimento dos gays e lésbicas:



A Espanha está coberta de cimento:



O Luxemburgo está à venda:



Portugal é parodiado com uns bifes na forma de antigas colónias:



No caso de Portugal, não sei se o artista conhece uma antiga peça de propaganda salazarista, onde os mapas do "império" português aparecem sobrepostos ao mapa da Europa, para ilustrar como éramos grandes. Se conhece essa peça, e nela se inspirou, isso quer dizer que, pelo menos para o nosso caso, fez o trabalho de casa.

Que quero eu dizer com tudo isto? Parece-me bem que não é a "fraude" (não haver 27 artistas de 27 Estados Membros, mas apenas um + falsas identidades) que está a incomodar a Presidência Checa e as autoridades de vários países. Acho que o que está a incomodar é o conjunto de opiniões sobre os países que a obra expressa. A "fraude" é justificada com o facto de as falsas identidades serem um recurso conhecido da arte contemporânea. A obra é justificada com o slogan "os estereótipos são barreiras para serem demolidas". Os estereótipos existem. E nem sempre são agradáveis. Mas não são retratos. São barreiras. E, enquanto barreiras, é nosso trabalho demoli-las. Mesmo assim a coisa não está a passar o filtro do politicamente correcto.

Quer dizer: alguns candidatos a censores estão mortinhos por se livrarem daquela incomodidade. Então, e a liberdade de criação artística, deita-se ao lixo?

Ai, Europa das liberdades, Europa das liberdades, o que te fazem...


O sítio do artista, David Černý, pode ser encontrado aqui.

O projecto da instalação explicadinho tim-tim-por-tim-tim pode ser encontrado aqui. (Atenção, ficheiro pdf pesado.)