15.1.09

a liberdade artística na UE



Impostura embaraça checos e indigna a Bulgária .


Um dos rituais para-institucionais da União Europeia que animam Bruxelas no início de cada semestre (cada nova presidência do Conselho) é um evento artístico. O país que ocupa a presidência costuma "ilustrar" os espaços mais públicos do edifício Justus Lipsius, onde decorrem os trabalhos regulares que "alimentam" o Conselho de Ministros, com algum tipo de instalação artística que mostra a inventiva desse país em destaque.





Desta vez, a República Checa parece estar embaraçada com o que resultou da sua encomenda a David Černý para preencher essa tradição. Este artista checo parece que assinou um contrato para produzir uma instalação integrando uma obra individual de cada um de 27 artistas provenientes de todos os Estados Membros. E agora descobriu-se que não havia 27 artistas, mas um único, que inventou "artistas nacionais", com nomes e currículos pescados país a país, mas cujas "identidades imaginárias" nada têm a ver com as obras produzidas. E agora acham que o homem desrespeitou o contrato. E agora estão muito envergonhados. E agora não querem assumir a coisa. Tudo isto por causa de não se ter cumprido o contratado, no que toca a serem 27 artistas dos 27 Estados Membros?

Vendo o conteúdo da instalação (intitulada "Entropa"), duvido que o problema seja esse. Vejam pelas imagens abaixo.

Esta é a obra que representa a Alemanha: autoestradas muito bem arrumadinhas a compor uma suástica.



Esta representa a Bulgária: invadida por "sanitas turcas":




Esta representa a França: só pensam em fazer greve:



A Itália é o país do futebol:



A Polónia é representada por uma série de padres a erguer a bandeira do movimento dos gays e lésbicas:



A Espanha está coberta de cimento:



O Luxemburgo está à venda:



Portugal é parodiado com uns bifes na forma de antigas colónias:



No caso de Portugal, não sei se o artista conhece uma antiga peça de propaganda salazarista, onde os mapas do "império" português aparecem sobrepostos ao mapa da Europa, para ilustrar como éramos grandes. Se conhece essa peça, e nela se inspirou, isso quer dizer que, pelo menos para o nosso caso, fez o trabalho de casa.

Que quero eu dizer com tudo isto? Parece-me bem que não é a "fraude" (não haver 27 artistas de 27 Estados Membros, mas apenas um + falsas identidades) que está a incomodar a Presidência Checa e as autoridades de vários países. Acho que o que está a incomodar é o conjunto de opiniões sobre os países que a obra expressa. A "fraude" é justificada com o facto de as falsas identidades serem um recurso conhecido da arte contemporânea. A obra é justificada com o slogan "os estereótipos são barreiras para serem demolidas". Os estereótipos existem. E nem sempre são agradáveis. Mas não são retratos. São barreiras. E, enquanto barreiras, é nosso trabalho demoli-las. Mesmo assim a coisa não está a passar o filtro do politicamente correcto.

Quer dizer: alguns candidatos a censores estão mortinhos por se livrarem daquela incomodidade. Então, e a liberdade de criação artística, deita-se ao lixo?

Ai, Europa das liberdades, Europa das liberdades, o que te fazem...


O sítio do artista, David Černý, pode ser encontrado aqui.

O projecto da instalação explicadinho tim-tim-por-tim-tim pode ser encontrado aqui. (Atenção, ficheiro pdf pesado.)