30.1.09

Golem, o homem artificial

A República Checa, o país que durante este semestre exerce a presidência da UE, é, curiosamente, um país com temas relevantes para quem se interessa pelas "ciências do artificial". Foi um checo que criou modernamente o termo "robot". Havemos de lembrar isso aqui um destes dias. E também vem desse país, mais precisamente de Praga, uma das mais curiosas lendas de "homens artificiais": o Golem.



Peter Sís, autor de BD e ilustrador que nasceu e cresceu na Checoslováquia, apresenta e ilustra uma das variantes da história do Golem no seu livro The Three Golden Keys, que tivemos oportunidade de comprar na mais recente passagem por Praga. (Outra obra de Sís noutro blogue de que sou editor.) Vamos usar os seus desenhos (desenquadrados), e uma versão rápida do seu texto, para explicar o que era o Golem, esse exemplar longínquo de "homem artificial".




Durante muitos anos, o Ghetto, a parte de Praga onde viviam os judeus, foi um emaranhado de ruelas e casas, encerrado por muralhas.



Há muitos anos viveu aí o Rabi Loew, um famoso líder da comunidade judaica, com fama de Cabalista.



O Rabi Loew procurava melhorar a vida nas condições difíceis do ghetto...




... caracterizadas pelo confinamento a um espaço exíguo para a comunidade, muitas casas a ameaçar ruir, doenças mortais que grassavam, fome, e um grande desespero.



Face à difícil situação, e sem ver outra maneira de ajudar os seus, o Rabi virou-se para a magia da Cabala. Com as lágrimas e os sonhos do seu povo, criou o Golem.



O Golem podia projectar os desejos secretos do povo, sendo visto a flutuar pelas escuras ruelas, dando esperança às pessoas:




... à menina que nunca tinha visto uma borboleta num campo verde...



...ao judeu devoto que era perseguido por um rufia...



...às pessoas que nunca tinham sentido o brilho cálido de uma fogueira...



...ao rapazinho que nunca tinha tido comida em abundância. Mas tudo era ilusão: o rapazinho não era realmente alimentado por aquela visão.



O Rabi percebeu então que tinha de dar mais poderes ao Golem.



Para isso, o Rabi colocou o Shem, uma pedra mágica onde estava inscrito o impronunciável nome de Deus, na fronte do homem artificial.



Agora, o homem artificial era realmente capaz de ajudar o povo. Fazia papa de aveia para toda a gente no ghetto.



Todos se aproximavam, e todos eram alimentados.



O rapazinho estava contente, mas, sendo mesmo um rapazinho, queria mais...



O tempo ia passando. O poderoso Golem ajudava toda a gente rondando a sinagoga.



E também ajudava em casa. Mas o rapazinho andava sempre a magicar como podia obter mais e mais comida do Golem.



O Rabi, para cumprir os preceitos da sua religião, retirava a Shem da fronte do Golem todas as sextas-feiras ao pôr do Sol, para que ele não trabalhasse no Sabbat.



Contudo, numa ocasião, o Rabi esqueceu-se de retirar a pedra. E foi despreocupadamente oficiar o serviço religioso na sexta-feira à tarde.



O rapazito, esfomeado, pediu ao Golem para lhe preparar papas de aveia.



E o Golem assim fez. Só que o rapazinho não sabia como mandá-lo parar. As papas subiram até ao tecto, e depois transbordaram pela porta.



A papa derramou para a sinagoga. O Rabi interrompeu o canto do Salmo 92. Se tivesse deixado passar mais uns instantes, teria começado o Sabbat e o povo teria ficado preso.



Para os salvar, o Rabi levou o povo para o sítio mais alto, o cemitério.



O Golem, esse, desapareceu no meio das papas de aveia. Nunca mais o viram. Alguns dizem que ele ainda está escondido no sótão da sinagoga...