Numa recente reacção registada na caixa de comentários deste blogue, o suposto vasto controlo exercido pelo Estado no nosso país era exemplificado pelo controlo da quantidade de sal no pão.
Curioso. A merecer, assim de repente alguma breves observações.
Desde logo, que o Estado não controla a quantidade de sal no pão. Controla a quantidade de sal no pão que é colocado à venda no circuito comercial legal. Não controla o sal que uso no pão que faço em casa para consumir graciosamente com a família e os amigos, nem controla o sal que se ponha no pão que seja vendido nos circuitos da economia subterrânea (vasta e, provavelmente, admirada pelos anti-estatistas).
Mas, porquê controlar a quantidade de sal no pão?
Ou, numa variante: porquê controlar, digamos, a quantidade de veneno para ratos colocada no pão? Porque há-de ser ilegal colocar veneno para ratos no pão que compramos na padaria? Não deveríamos ter a liberdade de comprar na padaria pão condimentado com veneno para ratos? Ah, é porque esse veneno mata? Mas o sal em excesso, a mais longo prazo, também mata. Será uma questão de prazo? Então, a que prazo deve matar um veneno para poder ser incluído como ingrediente no pão? Um veneno que mate em dois dias deve ser proibido, um veneno que mate em cinco anos deve ser permitido. E um veneno que mate ao fim de uma semana de consumo? E ao fim de duas?
O "veneno" é uma questão de saúde. O sal também. Nada disto tem a ver com estatismo. Tem a ver com o facto de que eu não posso ser obrigado a distinguir entre um pão com veneno dos ratos e um pão sem veneno dos ratos. E de eu não ser obrigado a distinguir entre um pão com uma quantidade de sal que me faz mal à saúde e outro pão que não me faz mal nenhum.
Os teóricos da "liberdade individual contra qualquer mecanismo de regulação pelos poderes públicos" acham que eu é que devo arranjar-me para decidir se quero o pão com pouco ou muito sal. (Com ou sem veneno.) Mas como é que eu faço isso? Que tipo de maquineta devo levar comigo quando vou comprar pão para fazer as análises prévias? E como é que apuro o nível de sal que seja seguro: encomendo um estudo a uma universidade?
O facto de eu achar que me daria muito trabalho tudo isso, e de achar que tenho mais o que fazer, e de preferir que haja organismos idóneos que regulem essas coisas por vias institucionais, que usam o conhecimento disponível de forma razoável, enquanto eu me dedico ao que realmente me interessa ou me ajuda a ganhar a vida - esse facto demonstra, para alguns, que eu tenho uma mente doentiamente socialista.
Para mim demonstra que, no meu conceito de liberdade, a liberdade de todos passa pela organização do colectivo. Para que a liberdade seja daquilo que realmente conta, e não um chavão para gente fina. Ou ideológica. Afinal, uma questão de civilização, julgo eu.
Curioso. A merecer, assim de repente alguma breves observações.
Desde logo, que o Estado não controla a quantidade de sal no pão. Controla a quantidade de sal no pão que é colocado à venda no circuito comercial legal. Não controla o sal que uso no pão que faço em casa para consumir graciosamente com a família e os amigos, nem controla o sal que se ponha no pão que seja vendido nos circuitos da economia subterrânea (vasta e, provavelmente, admirada pelos anti-estatistas).
Mas, porquê controlar a quantidade de sal no pão?
Ou, numa variante: porquê controlar, digamos, a quantidade de veneno para ratos colocada no pão? Porque há-de ser ilegal colocar veneno para ratos no pão que compramos na padaria? Não deveríamos ter a liberdade de comprar na padaria pão condimentado com veneno para ratos? Ah, é porque esse veneno mata? Mas o sal em excesso, a mais longo prazo, também mata. Será uma questão de prazo? Então, a que prazo deve matar um veneno para poder ser incluído como ingrediente no pão? Um veneno que mate em dois dias deve ser proibido, um veneno que mate em cinco anos deve ser permitido. E um veneno que mate ao fim de uma semana de consumo? E ao fim de duas?
O "veneno" é uma questão de saúde. O sal também. Nada disto tem a ver com estatismo. Tem a ver com o facto de que eu não posso ser obrigado a distinguir entre um pão com veneno dos ratos e um pão sem veneno dos ratos. E de eu não ser obrigado a distinguir entre um pão com uma quantidade de sal que me faz mal à saúde e outro pão que não me faz mal nenhum.
Os teóricos da "liberdade individual contra qualquer mecanismo de regulação pelos poderes públicos" acham que eu é que devo arranjar-me para decidir se quero o pão com pouco ou muito sal. (Com ou sem veneno.) Mas como é que eu faço isso? Que tipo de maquineta devo levar comigo quando vou comprar pão para fazer as análises prévias? E como é que apuro o nível de sal que seja seguro: encomendo um estudo a uma universidade?
O facto de eu achar que me daria muito trabalho tudo isso, e de achar que tenho mais o que fazer, e de preferir que haja organismos idóneos que regulem essas coisas por vias institucionais, que usam o conhecimento disponível de forma razoável, enquanto eu me dedico ao que realmente me interessa ou me ajuda a ganhar a vida - esse facto demonstra, para alguns, que eu tenho uma mente doentiamente socialista.
Para mim demonstra que, no meu conceito de liberdade, a liberdade de todos passa pela organização do colectivo. Para que a liberdade seja daquilo que realmente conta, e não um chavão para gente fina. Ou ideológica. Afinal, uma questão de civilização, julgo eu.