Agora que o PS marcou o seu congresso e a eleição do secretário-geral, agitam-se as hostes do partido do governo. Os mais ferrenhos pró-Sócrates olham desconfiados por cima do ombro para verificar se algum atrevido lança alguma pedra que fira o consenso directivo. (Além dos brandos atrevidos do costume, que andam por lá há anos a sugerir diferenças de monta sem consequências.) Os críticos-mais-críticos-não-há querem que o PS vigie o governo, controle o governo, seja autónomo do governo. (Não estou sequer a falar dos "críticos" que só criticam quando perdem o emprego-de-nomeação, estou a falar dos que coerentemente se mantêm na barricada da crítica o tempo todo, honra lhes seja feita.) A preocupação mais genuína dos mais genuínos dos críticos é com o futuro do PS: temem que o partido se enterre com o final deste ciclo de governação, querem que se antecipe o futuro e se prepare já a vaga pós-Sócrates. Renovação, clama-se.
Postas as coisas nestes termos, acho que vale a pena perguntar para que servem, afinal, os partidos políticos. Mais precisamente, interessa-me agora a questão: para que serve um partido que está no governo?
Pois, a meu ver, um partido que está no governo serve, pois, para isso: para governar. O PS, enquanto for o partido responsável pelo governo, tem de se empenhar na governação. Apoiar calado, sem discordar, sem propor? Não, nada disso! Antes, indo ao debate, propondo e escrutinando alternativas, pondo dedos nas feridas que haja para tratar, dando o combate de ideias que é sempre necessário para fazer com que o concreto aconteça. Mas, tudo isso, fazendo parte do esforço de governação democrática, atenta ao país, interagindo com o país. Foi para isso que o PS apresentou candidaturas nas eleições legislativas, tem deputados, tem ministros. É isso que o PS deve ao país enquanto estiver no governo. O partido que suporta no parlamento o governo não existe para "vigiar". Existe para assumir, em inteira liberdade, a responsabilidade que lhe cabe. É isso que é necessário ao país: o país não precisa nada de um partido que queira estar ao mesmo tempo no governo e na oposição (como já aconteceu, por exemplo quando Cavaco Silva tomou conta do PSD e começou a fazer oposição ao governo onde estava o seu próprio partido).
Não obstante, não terão razão aqueles que entendem que, "por este caminho", o PS vai ficar debilitado quando cair o governo e perder as eleições? Têm toda a razão, é isso mesmo que vai acontecer.
Outra questão é saber se isso pode e/ou deve ser evitado. Ora, aí, agarrem-se às cadeiras que não vos vou agradar, é que eu não percebo a preocupação. Claro que sim: a governação gasta, desgasta, desgosta. Um partido de governo tem de beber o cálice até ao fim. Extrair todas as consequências das suas apostas. Levar o teste das suas políticas até ao fim. Usar todos os recursos da imaginação e da energia ao serviço da coisa pública. Mais cedo ou mais tarde o mundo muda, as pessoas cansam-se das caras que "lá estão", surgem novas ideias e o desejo de as experimentar... e é a tal alternância, que pode tardar mas não falha. Nessa altura, novo ciclo: pensar outra vez, avaliar os méritos e os deméritos das ideias correntes e da forma como se tentou concretizá-las, estudar outros caminhos, começar a construir outras propostas. E, passados uns anos, voltar a lutar por outra oportunidade. É assim esta democracia em que vivemos. Sem angústias, façam o favor.
Aliás, se o próximo congresso do PS escolher outro secretário-geral, a consequência deve ser a indicação ao PR de que o partido apoia então outra personalidade para PM. É isso que corresponde ao dever do PS como partido de governo, aqui e agora? Não me parece. O que, a meu ver, não deve impedir que o Partido Socialista aproveite o seu congresso para analisar a sua linha e as suas práticas - mas sem esquecer as suas responsabilidades. Se foi triste ver o PR a comportar-se durante a campanha da reeleição como se esquecido da sua condição, não façam agora o país suportar a repetição do erro com o (partido do) governo.
É que se um partido pode esquecer essa condição, então não percebo mesmo para que servem os partidos políticos.