22.2.11

que a liberdade não seja um negócio


O presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins, que foi também ministro da Educação, defende que deve existir “liberdade de aprender e ensinar”, exigindo, assim, que o Estado “não tenha o monopólio do serviço público de educação”.

Tenho o maior apreço por Guilherme d’Oliveira Martins, mas estas declarações parecem-me uma rematada falácia. Por várias razões, de que menciono duas principais.
Primeiro, a liberdade de ensinar e aprender não deve ser desculpa para que alguns grupos económicos encham os bolsos com o dinheiro dos contribuintes. Não há nada contras as escolas privadas, há muito contra que elas queiram ser empresas a viver à custa do dinheiro de todos. E há, ainda mais, contra a transformação da rede pública de ensino numa manta de retalhos, em que os privados ficam com o lombo e o público com os ossos - sim, porque ninguém pode obrigar os privados a irem para certos sítios e para certas missões, mas o Estado deve prover todo o território e toda a população com ensino de qualidade, não se limitando às manchas que não interessam aos privados. Logo, o Estado deve pensar em todos e não apenas naqueles que não interessam a certos sectores.
Segundo, acho absolutamente extraordinário que a liberdade de ensinar e aprender seja uma questão de ensino público ou privado. Não deve haver liberdade de ensinar e aprender no ensino público? O ensino público será para enfiar uma cartilha pela goela abaixo dos alunos? A liberdade de ensinar e aprender só estará dependente do ensino privado se aceitarmos que os pais são donos dos filhos e podem fechá-los dentro de um filtro ideológico que os isole das ideias que por aí andam. Se uma família achar que a ciência é demoníaca, deve ter direito a uma escola onde não se ensine física, biologia ou matemática? Se é assim, estão a pedir que podemos ter, como alternativa à escola pública, madrassas, com um currículo à base de língua árabe, interpretação do Alcorão, charia, narrações do profeta Maomé e história do Islão - e colocar isso debaixo do chapéu da liberdade de ensinar e aprender. A liberdade tem de estar em todo o lado, mas essa liberdade não pode ser escusa para fechar os meninos em panelas de pressão ideológicas - e ainda por cima querer que nós financiemos o mecanismo.
Há exemplos de verdadeiras Parcerias Público-Privadas em Portugal no campo do ensino - e ainda por cima sem a corrente de dinheiros públicos canalizados com excessiva liberalidade para os privados, como acontece com outras parcerias. Estou a querer dar o bom exemplo das Escolas Profissionais, que preencheram um verdadeiro vazio na oferta pública de ensino profissional, sujeitando-se ao critério da utilidade pública da formação, da empregabilidade dos alunos e das necessidades da economia, dos interesses do desenvolvimento regional. Não estamos, portanto, contra as escolas privadas: o que não nos parece curial é que se use a liberdade como argumento para o negócio - nem como meio para criar uma espécie de "escolas ideológicas" destinadas a uma qualquer pretensa "elite moral".
E, mais uma vez, convém não meter tudo no mesmo saco. Até estou de acordo com Nuno Crato quando (na mesma notícia) critica que decisões de micro-gestão, como a duração das aulas, sejam decididas centralmente. Mas isso não tem nada a ver com a liberdade de ensinar e aprender: tem a ver com a necessidade de desburocratizar e flexibilizar as instituições, dando mais autonomia e mais responsabilidade aos agentes que estão com a mão na massa. Só que isso não é uma conversa sobre público ou privado. É uma conversa sobre todos, que faz sentido - mas que faz mais sentido se não for instrumentalizada nestas guerras em que a liberdade corre o risco de ser pouco mais que um álibi.