12.2.10

hermenêutica / André Macedo


René Magritte, Le Viol, c. 1934

O editorial do i , hoje assinado por André Macedo e intitulado O país entre o heroísmo e os animais acossados, termina assim: "Não há nada pior do que um animal acossado. Sócrates tem andado assim no último ano e meio. Veja como está o país."

Para o meu fraco entendimento, este grand finale é misterioso. Usa uma construção que deixa uma dúvida fundamental acerca do destinatário do apelo contido na última frase. A quem se pede que "veja como está o país"? A nós, leitores, é-nos pedido que avaliemos o resultado de ano e meio de acosso ao PM? Ou é pedido ao PM que, ele mesmo, avalie o resultado para o país de ele estar acossado há ano e meio? A diferença está no seguinte - e por isso importa a interpretação: se somos nós, leitores, os convocados, então o ano e meio de acosso é posto perante gente que, em princípio, não tem aí qualquer responsabilidade; se é ao PM que a fala se dirige, essa invocação toma o ar de uma interpelação sugestivamente incriminatória, de uma exigência de justificação, até de uma censura de fundo e com retrospectiva.
Ora, não me parece defensável que se peça à vítima deste longo e intenso acosso que responda pelos autores do assédio. Esta é a razão pela qual julgo negativamente aquela construção ambígua, por ter ela o efeito de colocar quem vitima e quem é vitimado no mesmo plano. Em democracia precisamos de métodos democráticos, também para julgar os actos dos políticos, que não se traduzam no assassinato pelo método da nuvem de fumo. Nesse método não há defesa, não há fuga, não há responsabilidade, não há verdade.
E, sim, o país paga caro por isso. É preciso é saber a quem é justo passar a factura. Em vez de a distribuir ao modo de Pilatos, para rejubilo da turba.