A apresentação da candidatura de Fernando Nobre provocou reacções engraçadas.
Há quem, tendo estado mudo e quedo perante tanta coisa grave para o país, se lembre de falar quando Nobre se apresenta. Como se se sentisse ameaçado, não propriamente pelo estado do país, mas por uma intenção de candidatura presidencial.
Há quem acuse logo Nobre de vir "dividir". Dividir o quê? Tinha sido feito algum esforço de unir alguma coisa, a tal ponto de se falar, por contraponto, em dividir? Será que alguém pensa que o espaço das candidaturas presidenciais está reservado por batalhas passadas?
Há quem manifeste enormes esperanças em Nobre, à conta do seu passado em outras guerras. Coisa que me custa a compreender: o valor não se transfere automaticamente de umas guerras para outras. E Nobre, em tão poucos dias, já falou o suficiente para se perceber que ele pensa que banalidades velhas se transformam em novas mensagens só por saírem da sua boca.
O ponto, para mim, é o seguinte. A situação moral do país é tão complicada que precisamos de uma batalha política em campo aberto, que coloque todas as cartas na mesa e obrigue a tudo discutir. Fazer caixinha para tentar garantir vitórias antecipadas (ilusões, portanto) só pode adiar e agravar os problemas. Precisamos, provavelmente, de algo como aquela eleição presidencial em que Freitas do Amaral, pela direita, enfrentou uma esquerda multipolar (Zenha, Pintasilgo, Soares) - tendo sido dessa multipolaridade aberta, e não do conluio táctico, que resultou uma clarificação. Não estamos outra vez a precisar de uma clarificação?
A ideia de que vale tudo para destronar Cavaco Silva, que alguma esquerda parece comprar, é uma ideia perigosa - porque puramente negativa. Estou certo de que pode haver vitórias "de esquerda" mais perigosas para o "povo de esquerda" do que a própria reeleição de Cavaco Silva. Os piores adversários raramente chegam a ser tão perigosos como os maus aliados.