3.9.08

os frigoríficos de paris

Uma história como há poucas: uma instalação frigorífica que servia o abastecimento da cidade de Paris, tendo deixado de ser usada para esse fim, foi colocada pela empresa dos caminhos de ferro (CP lá do burgo, proprietária) no mercado de arrendamento, vai para 20 anos ou mais. Cada câmara frigorífica era um cubículo com uma pesada porta, sem janelas e com grossas paredes. Com a falta de espaços para ateliers, vários artistas plásticos, músicos, arquitectos, e outros menos artistas, lançaram-se em significativo número a essa oportunidade.Fizeram o que puderam para aproveitar o espaço (por exemplo, rasgando janelas) e conseguiram fazer conviver uma enorme diversidade de profissões num único espaço - ajudados pelas grossas paredes, que, isolando, permitem, por exemplo, que os Urban Sax ensaiem sem aborrecer os vizinhos.

Claro, a coisa esteve para acabar mal: tentaram correr com todos, para fazer bonitos escritórios a rebentar de modernos. Até ao momento conseguiram resistir, uns 200 com vozes fortes, opondo-se à "racionalização integral" da cidade-luz. Vale a pena ler mais sobre esta experiência social em les Frigos.

Nós, entretanto, aproveitando um regresso pouco habitual a uma Paris em Agosto quase deserta de nativos, fomos lá visitar a coisa. E deixamos por aqui algumas das olhadelas que por lá lançámos.

(As fotos são, salvo indicação em contrário, de Porfírio Silva.Todas são ampláveis, pelo habitual método do clicar.)




Uma imagem do exterior do edifício. Cuidado: não entrar pela boca da besta.




As paredes exteriores começam a ameaçar o que lá dentro se encontrará.




Cá fora ainda.





Entrada facilitada pelo guarda daquele mundo, há que subir as escadas.





São cinco andares.




Mas vale a pena seguir o caracol.




Pormenor nas escadas, ainda.




Vamos então penetrar num dos andares.





Os "escritórios", alojados em câmaras frigoríficas, mantêm as antigas pesadas portas.




Qualquer porta é uma potencial arma de expressão.




Algumas decorações parecem querem acrescentar-se ao factor de segurança "porta ela mesma".




Na altura da nossa visita a maior parte dos espaços estão encerrados. Mas há vestígos do que se faz por lá em dias de mais actividade. Vestígios murais.




Procurando no sítio dos "frigos", que demos acima, conseguem identificar-se os autores destas pistas para o que se passa lá dentro. Basta comparar os traços.




Publicidade e desporto? Sim, há empresas aqui: mas nada de conclusões apressadas...




Em cada esquina um (desenho) amigo.




Ou um sonho estranho.




Até os recantos das instalações técnicas são ocupados com tinta disposta de certas maneiras.
(Foto de Margarida Marques.)




Em vários cantos se estacionam as bicicletas dos que assim lá chegam. (Também há motos e automóveis, sim.)




Um cuidadoso tratamento dos detalhes, por vezes.




Os espaços de acolhimento de certos ateliers (ou conjuntos de ateliers) apresentam-se particularmente exuberantes.




Se vai com menores, mesmo menores, o melhor é explicar-lhes antes o que é "arte". Para não se embaraçar...




Pela assinatura, estamos prestes a encontrar o artista agora conhecido por "Paella?". (É como está entre parêntesis, sim - mesmo que seja difícil de pronunciar o ponto de interrogação...)




O próprio Paella? em pessoa.




Vejam o que ele anda agora a tramar. Muito ligado à "figuração narrativa" (mas não falaremos aqui e agora da recente exposição que por essa mesma cidade se viu com agrado). Para lerem o que ele nos explicou de viva voz, acedam a http://www.paellachimicos.com/.




Ainda demos um pulo ao atelier de Sacha, mas nem gostámos muito do que vimos - nem o artista ocupado esteve virado para grandes conversas connosco. E então tomámos o caminho da porta geral de saída...




... para, já quase a abandonar os frigoríficos agora tão "quentes", sermos interceptados por este senhor. De seu nome Jean-Paul Réti, perguntou se andávamos por ali em visita não programada. Sim, claro, admitimos. O homem, além de escultor em várias e boas versões, como se pode ver aqui, é ainda um dos animadores do esforço associativo que impede a queda e desgraça daquela experiência original. E, em conformidade, apóstolo da causa, explicou-nos ao que andam - e levou-nos a ver um dos seus espaços nos frigoríficos. Por sinal, o único que ainda subsiste, como originalmente, sem janelas.




Para o meu gosto, as suas "esculturas de parede", que incluem iluminação especificamente orientada, são magníficas. É em momentos destes que me dá vontade de ser rico... Vontade não, pena (de não ser).





A consulta ao sítio de Réti permite identificar o rationale de muitas obras que aqui se vislumbram. Tivemos ensejo de tocar as relações entre a luz e a verdade...




Artista filho de cientistas, interessado por anatomia, Réti também faz escultura para fins científicos, representando a três dimensões o que se encontrou ou se sabe de alguns exemplares notáveis da história natural dos habitantes da Terra. Olhem lá com atenção...




Nas suas esculturas Réti quer, por vezes, representar a nossa situação de pendurados no espaço, "de cabeça para baixo"...




E pronto, com esta magnífica árvore estamos quase de saída, porque já lá vão algumas horas...




... mas talvez valha a pena voltar. Todos os anos, pelo final de Maio, as "portas abertas" são uma oportunidade para olhar por dentro este vespeiro em animação. Com mais portas abertas do que as que nós encontrámos... mas sem o sossego com que por lá andámos. Não se pode ter tudo (de uma só vez).