26.5.14

populismos: uma reflexão.


Gostamos de nos colocar do lado dos eleitores sérios e de nos separarmos higienicamente dos populismos. E fazemos bem. No meu entender, populistas são aqueles que fazem de conta que são simples e fáceis de resolver os problemas que são complexos e difíceis de atacar. Os populistas dificultam a resolução dos problemas porque, com as suas fantasias simplificadoras, impedem a comunidade de compreender quão complicado é o mundo e estorvam o esforço de costurar soluções que o sejam mesmo, em vez de ilusões.

Neste sentido, há grupos claramente populistas, à direita e à esquerda, e também na zona que tem a cor do burro quando foge, mas há igualmente laivos de populismo em agremiações que se consideram sérias. Todos os que escondem dados essenciais dos problemas para, assim, obterem apoio para as suas ideias, estão nisso a alimentar a besta populista no que ela tem de essencial.
Por exemplo, todos aqueles que apresentam, como alternativa à actual governação austeritária, a ideia do puro e simples "não pagamos", estão nisso a ser populistas: porque escondem as verdadeiras consequência, imediatas e a longo prazo, de deixarmos abruptamente de ter acesso a financiamento externo, que resultaria da estratégia unilateral do "não pagamos". É menos espalhafatoso dizer que temos de tentar renegociar a dívida, mas que esse processo é lento, difícil e incerto, e que teria de passar por uma capacidade de entendimento interno que tem estado arredada da nossa política há demasiado tempo - mas é mais sério. É menos popular, mas mais honesto. É essa honestidade e seriedade, pouco espectacular, que o populismo despreza.
Ainda por exemplo: é mais fácil fazer um discurso antagonista face às demais forças políticas, porque as pessoas parecem ser mais facilmente enganadas com radicalismos verbais, do que promover a negociação e o compromisso - embora o país precise mais de quem saiba juntar do que dos que só sabem dividir. E os populismos só sabem viver nas rupturas.
Por isso digo: o pecado populista é alimentado por mais gente do que parece, em todos os quadrantes políticos.

O populismo é um fenómeno mais complexo do que possa parecer à primeira vista. E devemos acautelar qualquer pressa excessiva em dar receitas para o contrariar. Porque o escape populista também é um efeito da opacidade do mundo político. Se a política não fosse uma prática mais ou menos reservada a uma "classe", se os partidos em geral não tivessem filtros tão pesados a separar as pessoas "normais" da cidadania plena, se fosse mais fácil a qualquer cidadão chegar-se à frente e tomar parte - as pessoas poderiam ser convencidas a fazer mais pelo bem comum em clima de normalidade. Mas, ao contrário, as pessoas sentem que a generalidade dos partidos são fortalezas inacessíveis, que a política é assunto para uns poucos e bizarros "militantes" - razão pela qual, em momentos de crise, se revêm em cavaleiros andantes que prometem furar a muralha dos políticos e invadir o terreno "deles". Os Marinho e Pinto que por aí andam prometem às pessoas a miragem de contrariar a impenetrabilidade das lógicas partidárias instaladas - e as pessoas apreciam essa lógica de cavalo de Tróia. Isso pode não resolver problema nenhum, mas permite a algumas pessoas mostrarem que são capazes de perturbar a paz dos cemitérios que evoca "o estado a que isto chegou".

O carácter incoerente e confuso de alguns grupos populistas são um óbvio ponto de ataque dos que racionalizam demais a política. Mas aí temos outro erro: as inconsistências dos populistas limitam-se, por vezes, a ser o espelho daqueles aspectos do pensamento "popular" que não cabem nas nossas leituras intelectuais. Por exemplo, a homofobia de Marinho e Pinto, conjugada com ideias de esquerda em matéria social, escandalizam a nossa boa consciência - mas traduzem formas de pensar que andam por aí à solta. Não temos de estar de acordo, nem temos de renunciar a combater essa misturas - mas elas chamam a nossa atenção para realidades vivas do povo que somos. E não vale a pena querer substituir a luta política pela tentação de mudar de povo.

Alguns dirão que, com isto, estou a piscar o olho ao populismo. Não é o caso. Não me acomodo é a leituras demasiado simples de fenómenos complexos. Convém não esquecer que o populismo é, muitas vezes, o caminho mais directo a ligar o povo de esquerda e o povo de direita: o túnel por onde se fazem transferências rápidas. Se nos lembrarmos disso talvez consigamos perceber a importância de olhar para a vida com olhos de ver.